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Terapia Intensiva6 novembro 2025

CBMI 2025 - Sessão Temática - Morte Encefálica

O diagnóstico de morte encefálica está entre os atos médicos com maior responsabilidade clínica, legal e bioética.
Por Hiago Bastos

A morte encefálica (ME) é um dos temas mais sensíveis, mais críticos e mais mal compreendidos da medicina intensiva. É, ao mesmo tempo, diagnóstico neurológico, ato médico legal, marco ético, e gatilho operacional para o processo de doação de órgãos. No Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2025), a sessão moderada por Bárbara Vieira Carneiro (SP) e Bruna Martins Dzivielevski da Câmara (PR), trouxe quatro conferencistas que representam rigor, evidência e prática avançada. Esta mesa teve forte impacto estratégico: o Brasil, apesar de avanços estruturais, ainda enfrenta enorme heterogeneidade no diagnóstico, na formação profissional e na comunicação com famílias.

Esta sessão foi direto no núcleo: precisão diagnóstica, capacitação, aplicabilidade em cenários críticos e, finalmente, a dimensão humana.

Armadilhas no diagnóstico

O diagnóstico de morte encefálica está entre os atos médicos com maior responsabilidade clínica, legal e bioética. A Dra. Fernanda discutiu o ponto mais crítico da atualidade: as armadilhas cognitivas e operacionais que levam ao erro ou à dúvida diagnóstica. Na prática, a causa raiz não é “falta de conhecimento”, mas sobretudo falta de rigor sistemático, ausência de preparação do cenário clínico, e interpretação inadequada de situações que interferem fisiologicamente no exame neurológico.

Entre as principais armadilhas que devem ser sistematicamente evitadas:

  • ECMO e circulação extracorpórea sem estabilização prévia de parâmetros;
  • Drogas que interferem no nível de consciência (benzodiazepínicos, barbitúricos, anestésicos, cetamina, propofol em altas doses);
  • Distúrbios metabólicos graves que podem simular coma arreativo;
  • Temperatura corporal inadequada
  • Disfunções endócrinas graves não corrigidas
  • Interpretação equivocada de movimentos espinhais

A palestra enfatiza que morte encefálica não é um diagnóstico por exclusão genérica. É diagnosticado por exame neurológico positivo, em cenário controlado, livre de fatores de confusão. A morte encefálica é uma lesão irreversível do tronco que leva à perda completa e permanente das funções encefálicas seguindo as recomendações da resolução 2.173/2017 do Conselho Federal de Medicina. A Dra. Fernanda, reforçou a metodologia, checklist, racionalidade fisiológica e limites dos métodos complementares.

Veja também: Protocolo de Morte Encefálica: conheça os conceitos e saiba aplicar

Impacto da educação e treinamento

O Dr. Cristiano, abordou o elemento fundamental para a escalabilidade do processo: a capacitação sistemática. Países com maior performance em doação de órgãos têm um denominador comum: educação estruturada e replicável. Não há milagre. Há método. E treinamento.

Treinamento não é “curso pontual”; é programa contínuo. É reposição de capacidade. É redução de variabilidade. É linguagem unificada e algoritmo decisório padronizado. O Dr. Cristiano trouxe posicionamentos reais: Quando as equipes são treinadas, o diagnóstico fica mais rápido, mais seguro, mais uniforme e mais seguro. Isso reduz tempo perdido, evita falsa suspeita de ME, melhora tomada de decisão e reduz desgaste de equipe.

O impacto é sistêmico. Educação sobre ME afeta:

  • Qualidade do diagnóstico
  • Clareza da comunicação
  • Adesão a protocolos nacionais
  • Fluxo até entrevista familiar
  • Tempo até doação de órgãos

A mensagem é inequívoca: Sem formação contínua, o país não avança em doação. Neurointensivismo e ME exigem curva de proficiência. O Brasil precisa formar mais intensivistas habilitados em diagnóstico de morte encefálica, e precisa formar melhor.

Teste de apneia em situações especiais: obesidade mórbida, ECMO e hipóxia refratária

A Dra. Viviane enfatizou o campo concreto da prática avançada. O teste de apneia é o elemento crítico e mais temido do protocolo. O Brasil exige teste de apneia. Todos os países que exigem ME como diagnóstico legalmente válido têm protocolo de apneia. Mas nem sempre a apneia é simples. Dra Viviane aborda três cenários onde o intensivista precisa não apenas de técnica, mas de engenharia fisiológica.

Obesidade mórbida

Pulmão pequeno, tórax pesado, complacência reduzida, shunt alto, hipoxemia rápida. Estratégias avançadas incluem pré-oxigenação estendida, permitir máximo recrutamento prévio, e manutenção de CPAP com fluxo controlado durante teste.

ECMO

O cenário mais complexo da atualidade. ECMO veno-venosa e ECMO veno-arterial exigem compreensão de fluxo, sweep, delta CO2 e ajustes finos. A hipercapnia deve ser induzida com segurança sem perder oxigenação sistêmica. É física + fisiologia. É um dos maiores desafios do intensivismo moderno. A Extracorporeal Life Support Organization (ELSO) faz referência ao estudo de Giani et al., recomendando que o indivíduo esteja sob CPAP e o sweeper flow seja titulado para, no máximo, 1L/minuto. Se a PaCO2 não elevar-se acima de 60 mmHg (ou 20 mmHg acima do valor pré-teste), o sweep flow deve ser progressivamente reduzido a 0,1 L/minuto, enquanto mantém-se adequada a oxigenação 1.

Hipóxia refratária

Se não é possível manter PaO2 mínima segura durante o teste, há manobras alternativas, mas a lógica é sempre a mesma: sem segurança fisiológica, não há teste. O foco é conceito: morte encefálica não pode ser estabelecida à custa de risco fisiológico inaceitável.

Comunicação efetiva com a família sobre ME e manejo do doador

É impossível falar de ME sem falar de comunicação. A literatura é unânime: A maioria das famílias não compreende o conceito de morte encefálica. E não compreender não é ignorância. É natureza humana. A ME viola a intuição sensorial: o corpo está quente, o coração está batendo, o tórax ventila, há cor, há presença. Joel é referência nacional nesse ponto. Ele traz uma abordagem ética, humana, estruturada.

A comunicação exige três blocos:

  1. A frase central e inequívoca: o paciente
  2. A explicação racional biológica (tronco encefálico = sede do comando de vida).
  3. A sustentação emocional da família, no tempo da família, não no tempo

A qualidade da comunicação é determinante para a compreensão, para o processo de luto, para reduzir violência moral, e, secundariamente, para permitir que a doação de órgãos seja tomada como decisão digna. O manejo do potencial doador é a maior intervenção beneficente da terapia intensiva: o cuidado é direcionado para que outros pacientes vivam. Isso deve ser dito com clareza, verdade, transparência e humanidade.

Conclusão

A sessão de Morte Encefálica do CBMI 2025 é uma das mais importantes do congresso inteiro. Ela sintetizou quatro eixos:

  • Rigor diagnóstico
  • Formação contínua
  • Aplicabilidade técnica em cenários extremos
  • Comunicação que reconhece a dor e respeita a família

A morte encefálica não é um formulário. É o ápice da responsabilidade do intensivista. Esta mesa, no CBMI 2025, mostrou que o futuro da ME no Brasil passa por alta competência técnica, educação replicável, neurofisiologia aplicada e humanidade. Dentro da UTI, este tema não é apenas médico, é essencial.

Autoria

Foto de Hiago Bastos

Hiago Bastos

Graduação em Medicina pela Universidade Ceuma (2016), como bolsista integral do PROUNI ⦁  Especialista em Terapia Intensiva no Programa de Especialização em Medicina Intensiva (PEMI/AMIB 2020) no Hospital São Domingos ⦁  Fellowship in Intensive Care at the Erasme Hospital (Bruxelles, Belgium) ⦁  Especialista em ECMO pela ELSO ⦁ Médico plantonista na UTI II do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2016, na UTI do Hospital São Domingos desde 2018 e Coordenador da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes do Hospital Municipal Djalma Marques desde 2017 ⦁  Fundador e ex-presidente da Liga Acadêmica de Medicina de Urgência e Emergências do Maranhão (LAMURGEM-MA) ⦁  Experiência na área de Emergências e Terapia intensiva.

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Referências bibliográficas

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