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Terapia Intensiva26 junho 2025

Biomarcadores e diagnóstico de pneumonia associada à ventilação mecânica

A PAV é comum nas UTIs e se tornou o principal desafio da prevenção de complicações infecciosas para o manejo do paciente grave. Será possível reduzir a zero?
Por André Japiassú

A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) é comum nas UTIs, e se tornou o principal desafio da prevenção de complicações infecciosas para o manejo do paciente grave. Muitas UTIs reportam que sua incidência é baixa, inclusive com taxas próximas à zero durante longos períodos – será possível? 

De qualquer forma, a controvérsia em torno da tática de “zero PAV” pode girar em torno do diagnóstico, que é variável entre os hospitais, entre UTIs do mesmo hospital, e até entre médicos da mesma UTI. Por que isto ocorre?  

São várias as razões prováveis. A clínica do paciente é inespecífica, como febre ou hipotermia, secreção traqueal amarelada, dispneia e ausculta respiratória alterada. Os exames de imagem são de baixa qualidade na beira do leito (exemplo – radiografias de tórax de incidência ântero-posterior) e podem ter alterações sutis no início do quadro, como pequenos infiltrados ou derrames pleurais que ofuscam as condensações. Mesmo a microbiologia deve ser avaliada criticamente, pois se confunde a colonização com a infecção, já que vários das bactérias podem aderir e formar biofilme durante semanas ou meses nas vias aéreas (exemplo, Acinetobacter sp e Pseudomonas aeruginosa).  

Em 1991, o CPIS (Clinical pulmonary infection score) foi criado para seguir os sinais e sintomas de pacientes que poderiam desenvolver PAV e sugeria que se começasse antibióticos com pontuação acima de 5-6 pontos, porém este escore se mostrou pouco sensível e específico ao longo do tempo, sendo pior que os resultados de culturas de lavado broncoalveolar isoladamente. Atualmente, o CDC considera que é preciso haver piora da troca gasosa como âncora do diagnóstico, com posterior agregação de clínica, imagem e microbiologia para firmar diagnóstico. O problema dos critérios do CDC é ter eventual atraso no diagnóstico, já que são necessários todos os fatores para se confirmar PAV. 

Então, como melhorar o rendimento do diagnóstico desta infecção ? A solução pode passar pelo uso adicional de biomarcadores, que talvez ajudem a diferenciar a presença ou ausência de infecções e agregam valor na análise da clínica e da imagem da PAV. Os biomarcadores podem ser medidos no soro ou nas amostras respiratórias; e existem diferenças marcantes nas sensibilidades e especificidades destas medidas. A análise da relação entre sensibilidade e especificidade é definida como acurácia, e tem valores acima de 0,90 como excelente, 0,80-0,89 como muito boa, 0,70-0,79 como moderada e abaixo de 0,69 como baixa.

Procalcitonina e proteína C reativa já foram exaustivamente testadas e alcançaram no máximo desempenho moderado para sensibilidade e especificidade no diagnóstico de PAV. A procalcitonina teve resultados modestos para o diagnóstico de PAV (acurácia entre 0,70 e 0,80), enquanto a proteína C reativa teve mais aplicação para acompanhar a resposta ao tratamento da PAV (com baixa especificidade). 

  • A busca atual é de encontrar biomarcadores em amostras respiratórias, que teoricamente podem aumentar a acurácia do diagnóstico da PAV. 

Metodologia 

Os autores realizaram uma revisão sistemática sobre os biomarcadores medidos em amostras respiratórias e usados para o diagnóstico da PAV. É possível que a resposta inflamatória na PAV seja mais compartimentalizada, ou seja, a elevação de marcadores inflamatórios ocorre de maneira mais intensa no próprio tecido pulmonar. Os autores escolheram como objetivo primário apenas os biomarcadores com altas sensibilidade e especificidade, maior que 90%. Este princípio determina que esta alta taxa de acurácia pode influenciar a decisão de começar ou não o tratamento de PAV, quando aliada à clínica e imagem dos pacientes. A procura de artigos foi extensa, nas bases de dados PubMed, Cochrane, Embase, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Web of Science. 

Resultados 

Os autores encontraram 40 estudos no total, dos quais 33 tiveram objetivo primário da avaliação de diagnóstico de PAV com ou sem o biomarcador avaliado. O biomarcador mais comum foi o sTREM-1, avaliado em 16 estudos. O estudo original publicado na New England Journal of Medicine (2004) reportou sensibilidade de 98% e especificidade de 90%. No entanto, vários outros estudos obtiveram resultados variáveis, com sensibilidades e especificidades em torno de 71%, ou seja, acurácia apenas moderada. 

Citocinas, como TNF-alfa, IL-1β, IL-8, IL-6, IL-4, IL17A, IL-10, IL-12p70 e IL-13, também foram analisadas. Um autor inclusive combinou IL-1β e IL-8 para dizer que dosagens baixas destas duas citocinas podem afastar o diagnóstico de PAV (embora não tenha havido redução do uso de antibióticos com base na clínica dos pacientes). A IL-8 apresentou sensibilidade acima de 90%, mas com especificidade de 67%. Os estudos de citocinas nos lavados broncoalveolares exibiram grande heterogeneidade e limitaram qualquer definição de escolha das combinações e de limites para definir diagnósticos de PAV. 

Oito estudos avaliaram biomarcadores oriundos de neutrófilos ativados. A presença de Pentraxina-3 (PTX3) e heparin-binding protein (HBP) foram avaliados apenas em estudos isolados, com excelente acurácia (92–100%), mas ainda se espera estudos que confirmem estes resultados. 

Outros biomarcadores com moléculas oriundas de neutrófilos (MMP-8/9 e elastase) também foram estudados, com sensibilidades entre 95-100% mas especificidades abaixo de 50%. Mesmo a pesquisa de neutrófilos nas amostras respiratórias parecia promissora, mas não diferenciou a inflamação de infecção nos pacientes em VM. 

Cinco estudos também mediram procalcitonina tanto no soro quanto nas amostras respiratórias, mas os níveis foram semelhantes nos dois ambientes, com acurácia média. 

Por fim, alguns estudos avaliaram outros biomarcadores (adrenomedulina, CC-10 – club cell protein 10, GSA – glutathione sulfonamide, IFN – interferon, MIF – macrophage migration inhibitory factor, MPO – myeloperoxidase, NK – natural killer, PAI-1 – plasminogen activator inhibitor 1, SP-D – surfactant protein D, SuPAR – soluble urokinase plasminogen activator receptor e T-helper 17), que não obtiveram acurácias acima de 90%. 

Os autores fazem inclusive uma figura esquemática interessante sobre todos os biomarcadores que podem estar presentes no espaço alveolar na presença de infecção respiratória (figura 2). 

Os autores ainda identificaram 4 estudos de avaliação do diagnóstico diferencial entre aspiração e pneumonia, com amilase e pepsina (secretadas na boca e no estômago, respectivamente). Sensibilidade de 73% e especificidade de 69% foram apenas medianas. A amilase aumentada na amostra respiratória foi capaz de predizer o aparecimento de PAV com significância estatística, com potencial para prognóstico desta infecção.  

Mensagens práticas 

  • Nenhum biomarcador em amostra respiratória apresenta acurácia excelente, que possa agregar para ajudar o diagnóstico de PAV; 
  • Não há método de ouro para o diagnóstico de PAV, que continua dependente da clínica e de culturas, que podem ter resultados tardios, causando retardos no tratamento; 
  • Pode haver esperança na “subfenotipagem” de pacientes e infecções, dependendo de fatores individuais ou de diferentes patógenos, para usar alguns destes biomarcadores com melhor acurácia, mas isto é meramente especulativo; 
  • A reunião de dois ou mais biomarcadores, formando painéis, podem ser promissores para diagnosticar PAV. 

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