Logotipo Afya
Anúncio
Terapia Intensiva17 julho 2025

Alucinações relacionadas ao uso de Cetamina na UTI

Estudo associa uso de cetamina a maior risco de alucinações em pacientes críticos, destacando necessidade de vigilância clínica.
Por Julia Vargas

Alucinações são percepções sem estímulo externo, comuns em transtornos psiquiátricos, uso de substâncias e também em indivíduos saudáveis. No contexto hospitalar, sobretudo em pacientes críticos, elas ocorrem com relativa frequência, podendo estar associadas a delirium, mas nem sempre presentes nesse quadro. A cetamina, uma droga com efeitos anestésicos e analgésicos, também conhecida por seu potencial alucinógeno, tem sido utilizada em doses baixas em pacientes críticos, embora seus efeitos neuropsiquiátricos ainda sejam pouco compreendidos nesse contexto. 

O mecanismo envolve a ação antagonista da cetamina sobre o receptor NMDA, promovendo dissociação e alterações perceptivas. Em modelos animais, a cetamina potencializa a expectativa perceptiva, o que pode explicar a gênese das experiências alucinatórias. 

As alucinações visuais induzidas por drogas são mais frequentes do que as auditivas, e o ambiente da UTI — com privação sensorial e distúrbios do sono — contribui para esse fenômeno. No entanto, a investigação sistemática dessas manifestações ainda é limitada pela ausência de ferramentas diagnósticas específicas e pelo subdiagnóstico. 

Dados recentes demonstram que mesmo em doses baixas, a cetamina está fortemente associada a um aumento do risco de alucinações em pacientes internados em UTI. O estudo conduzido por Serpa Neto e colaboradores investigou a associação entre a infusão contínua de baixas doses de cetamina (0,1–0,3 mg/kg/h) e a ocorrência de alucinações em pacientes críticos.  

A coorte incluiu mais de 7.500 pacientes internados em UTI, sendo analisados os registros de alucinações dentro de 30 dias da admissão. A análise ajustou variáveis de confusão para estimar a associação causal. 

alucinações

Resultados Principais 

  • Incidência de alucinações: aproximadamente 8,8%, similar a estudos anteriores. 
  • Relação com a ketamina: 96,9% dos pacientes com alucinações haviam recebido cetamina no dia anterior. 
  • incidência significativamente maior de alucinações (26% vs. 7% nos não expostos), com risco ajustado (OR) de 6,46 (IC 95%: 5,17–8,07), além de ocorrência mais precoce desses sintomas após a admissão na UTI. 
  • Outros desfechos: 
  • Maior tempo de permanência na UTI. 
  • Aparentemente menor mortalidade, porém sem significância estatística após ajuste. 
  • Não houve aumento da incidência de delirium associado ao uso de cetamina. 

Este é o primeiro estudo a relatar diretamente a associação entre baixas doses de cetamina e alucinações em pacientes críticos. Diante da ampla utilização da cetamina em protocolos analgésicos e de sedação na UTI, esses achados são relevantes. Embora os efeitos colaterais psiquiátricos da cetamina sejam conhecidos em outros contextos, é necessário cautela ao seu uso mesmo em doses baixas, particularmente em pacientes com maior vulnerabilidade neuropsicológica. 

O reconhecimento e monitoramento de alucinações devem ser incorporados à prática clínica com a mesma sistematicidade com que se avalia dor ou sede. A priorização de ambientes mais humanizados na UTI e a vigilância ativa desses efeitos adversos podem contribuir para minimizar sofrimento e impactos pós-UTI. 

Veja também: Cetamina em unidades de terapia intensiva pediátrica

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Terapia Intensiva