Para se denominar o represamento de pacientes no setor de emergência de um hospital, é utilizado o termo Boarding. A expressão, que não é correlata na língua portuguesa, se refere ao período depois que se decide admitir o paciente no hospital a partir do setor de emergência até o paciente ser transferido efetivamente para um leito hospitalar.
A agência para pesquisa e qualidade de cuidados de saúde (em inglês a sigla AHRQ) define o represamento na emergência como os pacientes permanecendo no setor de emergência, depois da decisão de internação devido à falta de leitos livres/vagos, que pode durar horas a dias. A agência de acreditação chamada Joint Commission determinou um período de segurança de até 4 horas após a decisão de internação para que se transfira o paciente para o leito de destino. É frequente que o represamento dos pacientes no setor de emergência dure mais de duas horas, e em alguns estudos esse represamento dura mais de 24 horas, o que está ligado a piores desfechos. Pacientes que ficam esperando na emergência para internação hospitalar por muito tempo podem apresentar aumento da mortalidade, aumento no tempo de permanência do hospital, aumento da duração de ventilação mecânica e de custos na UTI para os doentes mais críticos. Também podem apresentar piora de alguns desfechos secundários, como atraso no recebimento de medicações, como analgésicos e antibióticos, aumento de burnout dos “staffs” médicos e de enfermagem e piora da experiência do paciente.

Métodos
O artigo de Htet e colaboradores é uma revisão sistemática, que analisou artigos publicados de comparação do represamento ou não de pacientes críticos (graves) na emergência, avaliando desfechos de mortalidade e tempo de permanência em emergências norte-americanas no período de 2012 a 2024. Eles compararam pacientes que ficaram represados no setor de emergência versus aqueles que não ficaram represados o tempo limite para determinar que havia um represamento foi de 4 horas segundo a recomendação descrita acima. Eles procuraram artigos científicos nas bases de dados Pubmed, Embase e Web of Sciences, usando os termos: bording (que significa represamento), serviço de emergência, doença crítica, tempo de permanência e mortalidade. Todos os estudos observacionais ou randomizados controlados entre 2012/2024 foram selecionados; apenas estudos feitos no território dos Estados Unidos e que comparassem os desfechos selecionados pelo estudo foram revisados.
O desfecho principal foi a mortalidade por qualquer causa na internação e o desfecho secundário foi o tempo de permanência hospitalar. Alguns subgrupos foram analisados: tipo de doença (clínico ou cirúrgica), tamanho do estudo, ano da publicação, design do estudo, (prospectivo ou retrospectivo) e também uma ponderação de acordo com a gravidade do paciente, naqueles estudos que reportaram algum escore prognóstico como o SOFA.
Resultados
Das mais de 3 mil citações, foram encontrados 100 artigos no formato completo e 83 foram excluídos, ficando 17 artigos elegíveis para análise. Dois desses artigos foram prospectivos e o restante foram retrospectivos, sendo todos observacionais. 40% dos artigos envolvia pacientes de populações mistas sendo clínicos ou cirúrgicos, e 30% foram de doentes clínicos e o restante de cirúrgicos. Os 17 artigos reuniram 407.178 pacientes sendo que 48% ficou represado na emergência por mais de 4 horas até internar e 52% não ficaram represados, ou seja, conseguiram ser transferidos prontamente para internação regular. O tempo de permanência na emergência foi diferente entre esses grupos, sendo de 6,5 horas nos doentes represados e 4,2 horas nos pacientes não represados.
Houve uma pequena diferença de mortalidade por todas as causas, sendo o odds ratio de 1,06, mas sem significância estatística. Os estudos apresentaram também uma grande heterogeneidade representada pelo escore I2 de 69%. O tempo de permanência hospitalar foi discretamente aumentado nos pacientes represados, sendo de 0,38 dias; também com uma grande heterogeneidade entre os estudos. A análise de sensibilidade, na qual se retira um estudo de cada vez, para sinalizar se há influência de algum estudo nos resultados, também não demonstrou nenhuma influência no tamanho do efeito para mortalidade ou tempo de permanência.
Não houve diferença de mortalidade ou tempo de permanência associado com a represamento, qualquer que fosse a gravidade analisada do paciente. Pacientes com mais comorbidades e pacientes que ficaram mais tempo internados morreram em maior frequência, mas isso não foi influenciado pelo tempo de represamento na emergência. Não houve diferença de mortalidade ou tempo de permanência igualmente nos subgrupos de pacientes com sepse, trauma ou população de doentes clínicos.
A análise de gráfico de funil que é aquela na qual se analisa se há viés de publicações; os autores mostraram que aqueles estudos que reportaram maior represamento também foram os estudos que mostraram maior chance de morte. Mas quando se ajusta essa razão de riscos para a possibilidade de estudos não publicados, o odds da diferença de mortalidade cai discretamente, de 1,06 para 1,04 e a diferença do tempo de permanência também cai de 0,38 para 0,16 dias. Portanto, a análise sugere um viés de publicação, favorecendo aqueles estudos que têm um resultado de pior desfecho. É possível que os estudos que não mostram desfechos diferentes tenham deixado de ser publicados na literatura.
Limitações:
Esse estudo foi realizado dentro da métricas selecionada pelos processos de acreditação, que é de 4 horas para o represamento de pacientes na emergência. Mas precisamos lembrar que o tempo de espera na emergência, principalmente em situações nas quais há epidemia como a Covid-19, é muito mais prolongado em países em desenvolvimento. Existem evidências que mostram que um tempo mais prolongado de 17 a 24 horas de espera na emergência está associado com piores desfechos (como houvesse um efeito “dose-dependente”). Então temos que ver com cuidado essas conclusões, porque provavelmente o tempo de represamento um pouco maior do que quatro horas não parece fazer efeito nos desfechos, mas quando ele é muito elevado, acima de 12-24 horas, ele pode ser significativo e causar pior experiência do paciente, atraso em medicações e aumento de eventos adversos, além do aumento de mortalidade.
Conclusão
- A internação de pacientes em estado crítico nas Unidades de Emergência dos Estados Unidos foi associada a um aumento não estatisticamente significativo nas chances de mortalidade e no tempo de permanência hospitalar em comparação com pacientes não represados.
- Subgrupos específicos e contextos diferentes com maior tempo médio de represamento podem ter impacto negativo nesta estratégia, principalmente em situações de superlotação do hospital e em surtos/epidemias de doenças.
Autoria

André Japiassú
Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.
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