Um novo estudo publicado no The Lancet Gastroenterology and Hepatology sugere que o uso contínuo de inteligência artificial (IA) na detecção de crescimentos pré-cancerosos no cólon pode reduzir a habilidade dos médicos quando a tecnologia não está disponível.
A pesquisa, conduzida em quatro centros de endoscopia na Polônia, acompanhou 19 endoscopistas experientes, cada um com mais de 2.000 colonoscopias realizadas, antes e após a implementação de sistemas de IA para auxiliar na detecção de pólipos. Ao longo de seis meses, os pesquisadores compararam 1.443 colonoscopias sem assistência de IA de um total de 2.177 procedimentos. Algumas foram realizadas aleatoriamente com suporte da IA e outras sem, permitindo avaliar o efeito da tecnologia sobre a performance humana.
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Dependência da IA reduz desempenho sem tecnologia
Os resultados mostraram que, três meses antes da introdução da IA, a taxa de detecção de adenomas (ADR) era de 28%. Após a implementação da ferramenta, a ADR caiu para 22% nas colonoscopias realizadas sem assistência da IA, uma redução de aproximadamente 20% em comparação com os índices iniciais. Adenomas são crescimentos pré-cancerosos, e a ADR é considerada um indicador de qualidade crítico em colonoscopias.
Segundo os pesquisadores, o fenômeno está relacionado à dependência excessiva das recomendações da IA, que levou os médicos a se tornarem “menos motivados, menos focados e menos responsáveis ao tomar decisões cognitivas sem assistência da tecnologia”.
O coautor do estudo descreveu o efeito como similar ao “efeito Google Maps”: assim como um motorista acostumado a seguir mapas digitais tem dificuldade de se orientar sem eles, médicos podem perder agilidade na identificação visual de pólipos quando a IA não está disponível.
Preservar habilidades humanas continua essencial
Especialistas alertam que, embora a IA continue a oferecer grandes benefícios na detecção precoce do câncer e na produtividade clínica, é essencial preservar habilidades humanas fundamentais. A exposição contínua à IA pode enfraquecer padrões de atenção e reconhecimento visual, comprometendo a qualidade diagnóstica.
Estudos anteriores, como um realizado pelo MIT, reforçam preocupações semelhantes, mostrando que a dependência de ferramentas de IA, como o ChatGPT, pode reduzir o engajamento cognitivo e o pensamento crítico.
Os autores sugerem que, à medida que a IA se torna mais poderosa o seu uso mais dissiminado, instituições de saúde devem criar salvaguardas para garantir que a tecnologia complemente, e não substitua, o julgamento clínico humano, preservando a expertise dos profissionais em procedimentos de alta complexidade.
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*Este artigo foi revisado pela equipe médica do Portal Afya.
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