Pesquisadores da Universidade de Melbourne, na Austrália, apresentaram um avanço promissor na luta contra o HIV: o uso de tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), semelhante à empregada nas vacinas da Pfizer e da Moderna, para identificar o vírus latente nas células do sistema imunológico.
O estudo, publicado na Nature Communications, reforça uma das estratégias mais estudadas nos últimos anos para erradicar o HIV: o modelo “chocar e eliminar”.
O maior desafio para curar o HIV continua sendo sua habilidade de permanecer inativo e escondido dentro das células T CD4+, sem se multiplicar. Enquanto a terapia antirretroviral (TARV) atual é eficaz em suprimir a carga viral a níveis indetectáveis, ela não consegue erradicar completamente o vírus. Se o tratamento for interrompido, o HIV volta a se replicar.
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A estratégia
Neste estudo, os cientistas desenvolveram uma nanopartícula lipídica (LNP), chamada LNP X, capaz de entregar mRNA diretamente às células T CD4+ latentes. Essa nanopartícula serve como um “veículo” eficiente e seguro, sem ativar de forma generalizada o sistema imunológico ou causar efeitos tóxicos.
Uma vez dentro da célula, o mRNA funciona como um agente de reversão da latência (LRA), promovendo a transcrição viral. O vírus, que antes estava “adormecido”, passa a expressar seus genes e se torna visível ao sistema imunológico.
Duas abordagens principais foram utilizadas:
- Tat-LNP X: entrega o mRNA que codifica a proteína Tat do HIV, conhecida por ser um potente ativador da transcrição viral.
- CRISPRa-LNP X: utiliza o sistema CRISPR de ativação para ligar seletivamente os genes do HIV por meio de guias de RNA e proteínas específicas, como a dCas9-VP64.
Resultados promissores in vitro e ex vivo
A nova estratégia foi testada com sucesso em células cultivadas em laboratório e em amostras de sangue de pessoas vivendo com HIV sob TARV. Em ambas, foi possível reativar o vírus latente sem induzir toxicidade celular, um passo crucial para que, no futuro, o sistema imunológico ou terapias complementares possam eliminar essas células infectadas.
“O diferencial dessa tecnologia é permitir que o HIV seja exposto de forma específica, sem causar ativação sistêmica”, afirma a pesquisadora Paula Cevaal. “É um avanço inédito no uso de mRNA para fins terapêuticos no contexto do HIV.”
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Próximos passos: mRNA em vacinas
A equipe agora planeja avançar para testes pré-clínicos em modelos animais. Segundo o virologista Michael Roche, coautor do estudo, o objetivo de longo prazo é adaptar a tecnologia para testes em humanos.
Além do HIV, os autores destacam que as células T CD4+ também desempenham papel central em outras doenças, como alguns cânceres e condições autoimunes. Isso amplia as possibilidades de aplicação da LNP X como plataforma terapêutica.
Se os próximos testes forem bem-sucedidos, a abordagem poderá representar um marco no desenvolvimento de terapias curativas contra o HIV — uma meta há décadas perseguida pela ciência.
*Este artigo foi revisado pela equipe médica do Portal Afya.
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