Uso de antagonistas de vitamina K e progressão de osteoartrite: existe relação?
A osteoartrite (OA) é uma doença articular degenerativa de fisiopatologia complexa, cuja progressão pode cursar com grande disfunção física.
A osteoartrite (OA) é uma doença articular degenerativa de fisiopatologia complexa, que pode cursar com grande disfunção física. Sua incidência aumenta com a idade, acometendo majoritariamente pacientes idosos, e é a quarta causa mais importante de anos vividos com disfunção em todo o mundo. Atualmente, não dispomos de nenhuma terapia capaz de interferir de maneira significativa no curso da doença. Desse modo, a identificação de fatores de risco modificáveis para o desenvolvimento e progressão da osteoartrite assumem papel importante.
Alguns autores sugerem que a vitamina K apresenta papel importante na patogênese da OA, uma vez que existem várias proteínas ósseas e da cartilagem que são dependentes desse micronutriente. Além disso, estudos com pacientes que apresentam variantes genéticas da proteína de matriz Gla (MGP — fator dependente de vitamina K essencial para inibição da calcificação da cartilagem e de vasos) encontraram uma correlação positiva com o desenvolvimento de OA.
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A principal indicação clínica para o uso de inibidores de vitamina K (VKA) é a fibrilação atrial (FA), uma condição que também acomete principalmente pacientes idosos. Segundo estimativas, projeta-se que 17,9 milhões de pacientes vão estar em uso de anticoagulantes devido à FA em 2060 na União Europeia.
Visando entender melhor a relação entre VKA e a OA Boer et al. desenvolveram um estudo utilizando 2 subcoortes de grandes estudos prospectivos de base populacional (Rotterdam Study) para a avaliação de incidência e progressão de OA de joelho e quadril.
Metodologia
O Rotterdam Study (composto por 3 subcoortes — RS-I, RS-II e RS-III) é um grande estudo prospectivo de base populacional iniciado na década de 1990, com o objetivo de se estudar doenças crônicas debilitantes em idosos.
Para avaliar a incidência de progressão de OA, os autores incluíram pacientes das subcoortes RS-I e RS-II que possuíam uma radiografia de joelho e quadril (graduadas pela escala de Kellgren-Lawrence) no início do acompanhamento. Pacientes com distúrbios de marcha, Kellgren-Lawrence 4 e/ou artroplastia no baseline foram excluídos.
Os desfechos de incidência e progressão foram avaliados conjuntamente (como desfechos compostos). Progressão foi definida como aumento ≥ 1 na graduação de Kellgren-Lawrence e/ou necessidade de artroplastia. Incidência foi definida como mudança da graduação de Kellgren-Lawrence de 0 para ≥ 2.
Os autores extraíram dos bancos de dados o número de pacientes em uso de VKA entre o baseline e as visitas de seguimento. Paciente já em uso de VKA no baseline foram excluídos para se evitar o risco de viés de prevalência-incidência. A duração de uso de VKA foi avaliada e estratificada de acordo com os tercis: ≤ 180 dias, > 180 a ≤ 556 dias e > 556 dias.
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Na análise genética, foram extraídos 11 variações de nucleotídeo único (SNVs): o SNV da MGP associado previamente à ocorrência de OA e 10 relacionados à VKORC1 (gene relacionado à variação de dose dos VKA), com o objetivo de identificar se pacientes com variantes genéticas relacionadas a baixa expressão de MGP e/ou expressão alterada de VKORC1 estariam sujeitos a maior progressão/incidência de OA.
Resultados
Foram incluídos 3.494 pacientes (2.601 do RS-I e 894 do RS-II). Desses, 363 tinha OA no baseline (75 de quadril e 288 de joelhos).
Pacientes em uso de acenocumarol apresentaram um OR de 2,5 (IC95% 1,94-3,20) para progressão/incidência de OA, quando comparados com aqueles não faziam uso de VKA. Isso também foi observado para as análises das subcoortes separadas e para as análises de progressão e incidência de OA separadamente.
A chance de progressão/incidência de OA foi a seguinte, conforme os tercis de tempo de uso: ≤ 180 dias (OR 2,82, IC95% 1,90-4,20), > 180 a ≤ 556 dias (OR 2,94, IC95% 2,00-4,32) e > 556 dias (OR 1,74, IC95% 1,10-2,76).
Quando analisadas as articulações especificamente, a razão de chances de OA de quadril e joelho nos pacientes utilizando VKA foram, respectivamente, 2,75 (IC95% 1,82-4,11) e 2,34 (IC95% 1,69-3,22).
Na análise genética, pacientes em uso de acenocumarol apresentaram maior chance de OA nos dois perfis genéticos da MGP (T/* — de maior risco — vs. A/A). Quando analisados conjuntamente com os polimorfismos da VKORC1 (BB — maior expressão — vs. AA e AB), a combinação MGP T/* e VKORC1 BB apresentaram um OR de 4,18 (IC95% 2,69-6,50) para o desfecho analisado.
Comentários
O estudo demonstrou que pacientes em uso de VKA apresentam maior chance de progressão/incidência de OA, quando comparados com aqueles que não fazem uso dessa medicação. Parece que esse risco também sofre impacto das variantes genéticas da MGP e da VKORC1.
Um possível desdobramento desse estudo é que existe um racional teórico para que, em pacientes com OA, talvez nós deveríamos preferir o uso de anticoagulantes orais diretos (DOACs), quando houver indicação de anticoagulação para FA. Apesar disso, essa conclusão deve ser avaliada em estudos prospectivos comparando as duas classes de medicação.
Referências bibliográficas:
- Boer CG, Szilagyi I, Nguyen NL, et al. Vitamin K antagonist anticoagulant usage is associated with increased incidence and progression of osteoarthritis. Ann Rheum Dis. 2021;80:598-604. doi:10.1136/annrheumdis-2020-219483
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