A osteoartrite (OA) de mãos é uma condição que cursa com dor, perda funcional e piora da qualidade de vida. É bastante frequente, acometendo cerca de 8-10% da população geral. Se consideradas as mulheres acima de 70 anos, essa prevalência pode atingir 26%.
Apesar da alta prevalência, ainda existem necessidades não atendidas para essa população, uma vez que poucas terapias farmacológicas estão disponíveis e estas não apresentam resultados muito satisfatórios ou apresentam índice de eventos adversos relativamente elevados (como o uso de AINEs via oral por pessoas acima de 65 anos).
Pensando nisso, Kroon et al. desenvolveram um estudo para avaliar a eficácia e a segurança da prednisolona prescrita por um curto período de tempo no tratamento da osteoartrite de mãos.
Estudo sobre osteoartrite de mãos
O HOPE (Hand Osteoarthritis Prednisolone Efficacy) é um estudo duplo-cego, randomizado, controlado por placebo. Foi conduzido na Holanda por dois diferentes centros.
Os critérios de inclusão foram:
- Preencher os critérios classificatórios para osteoartrite de mão sintomática do American College of Rheumatology;
- Apresentar nódulos de Heberden e/ou Bouchard em 4 ou mais interfalangeanas proximais (IFP)/distais (IFD);
- Pelo menos uma IFP ou IFD com edema ou eritema; pelos menos uma IFP ou IFD com presença de Power Doppler (PD) ou espessamento sinovial grau 2 ou mais;
- E pelos menos 30 mm na escala visual analógica (EVA) de dor + piora de pelo menos 20 mm em até 48 horas após retirada de AINEs ou paracetamol (flare-up).
Devido ao recrutamento lento, os autores decidiram também incluir pacientes que apresentaram um flare-up; porém, estes deveriam ter pelo menos 40 mm na EVA de dor, associado à presença de inflamação no PD.
Pacientes com dor predominante na primeira carpometacárpica foram excluídos. Outros critérios de exclusão foram: uso de imunomoduladores nos últimos 90 dias (ex.: hidroxicloroquina, corticoides locais ou sistêmicos); positividade para fator reumatoide e anti-CCP; e diagnóstico de doença inflamatória reumatológica crônica, psoríase, comorbidades sérias não controladas, câncer e infecções.
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Os pacientes foram randomizados aleatoriamente na proporção de 1:1 para receberem prednisolona 10 mg/dia ou placebo, por 6 semanas. Após esse período, os pacientes receberam prednisolona 5 mg/dia ou placebo por 1 semana, seguida de prednisolona 2,5 mg/dia ou placebo por mais 1 semana. Os pacientes foram seguidos sem medicamentos das semanas 9 a 14.
Eram permitidas doses de resgate de paracetamol de até 3000 mg/dia para ambos os grupos. Os pacientes poderiam estar em uso de doses estáveis de sulfato de condroitina, glicosamina, bisfosfonatos, tetraciclina ou estrógenos, mas AINEs, corticoides intramusculares ou intra-articulares e viscossuplementação com ácido hialurônico não eram permitidos. Além disso, os pacientes foram desencorajados a realizar tratamentos não farmacológicos durante o período do estudo.
Os pacientes foram avaliados clinicamente no baseline e nas semanas 2, 4, 6 e 14. Radiografias foram realizadas no baseline, exceto se o paciente já tivesse realizado uma radiografia das mãos nos últimos 6 meses. Diversos questionários e escores foram aplicados durante o estudo. Os pacientes realizaram ultrassonografia das mãos no baseline, nas semanas 6 e 14. Os pacientes também realizaram RM das IFP e IFD 2 a 5 no baseline e na semana 6.
O desfecho primário definido foi a EVA de dor na semana 6, com análise por intenção de tratar. Vários outros desfechos secundários foram selecionados.
Para detectar uma diferença de 15% na EVA de dor entre grupos e obter um poder de 80% e 90%, o tamanho amostral calculado foi de 35 e 45 pacientes, respectivamente.
Resultados
Noventa e dois pacientes foram randomizados, sendo 46 no grupo prednisolona e 46 no grupo placebo. Desses, a maioria era do sexo feminino, com sobrepeso (IMC médio em torno de 27) e idade média entre 62-65 anos. Pouco mais de 70% dos pacientes em ambos os grupos apresentavam OA erosiva e a EVA de dor média era de cerca de 54 mm em ambos os grupos. Segundo os diários da medicação, todos os pacientes apresentaram uma adesão superior a 80%.
Na semana 6, o grupo prednisolona apresentou maior redução na EVA de dor que o grupo placebo, com diferença média entre eles de -16,5 mm (IC95% -26,1 a -9,6;p=0,0007). Os resultados foram semelhantes quando ajustados para idade e sexo. Apesar disso, não houve diferença estatisticamente significativa no consumo de paracetamol de resgate (OR 0,43; IC95% 0,16-1,13; p=0,085). Quando avaliados os critérios de resposta OMERACT-OARSI, o grupo prednisolona também foi superior (72 vs. 33%; p=0,0007). Outros escores de dor e função foram melhores também no grupo que fez uso de prednisolona.
Com relação à avaliação por imagem, o escore ultrassonográfico de espessamento sinovial foi menor no grupo prednisolona (diferença média de -0,08; IC95% -0,13 a -0,04; p=0,0004), mas o sinal ao PD e o escore de sinovite na RM foram semelhantes entre grupos, sem diferença com relação ao baseline.
No entanto, esses efeitos positivos apresentados na semana 6 se perderam ao final da semana 14, com resultados semelhantes entre os grupos.
Tanto a análise por intenção de tratar quanto a por protocolo apresentaram desfechos semelhantes, assim como a análise de sensibilidade (excluindo-se pacientes que não apresentaram flare-up).
As taxas de eventos adversos não-graves e graves foi semelhante entre os grupos.
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Comentários
Esse estudo demonstrou que o uso de prednisolona é eficaz na redução da dor no curto prazo (6 semanas) para pacientes com OA de mão e sinais de inflamação na ultrassonografia. Não obstante, o efeito foi transitório, uma vez que todos os parâmetros retornaram ao basal após a retirada da medicação.
Vale destacar que essa melhora na EVA de dor ocorreu de maneira independente da melhora em alguns dos parâmetros objetivos de inflamação articular (hipervascularização ao PD e escores de sinovite na RM não apresentaram diferença entre os grupos), o que nos leva a pensar na possibilidade de algum componente de ação central, além do efeitos propriamente anti-inflamatórios locais.
Os autores reforçam que não identificaram nenhum aumento no risco de eventos adversos, mas é importante lembrar que o trial não foi dimensionado para detectar tais alterações. Por se tratar de um alívio sintomático transitório, pode ser que sejam necessários vários cursos de prednisolona ao longo da doença, o que obviamente aumenta a dose acumulada de corticoide e consequentemente pode levar ao aumento na incidência de eventos adversos a longo prazo, para além dos captados pelo estudo.
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Além disso, por ter sido uma população extremamente selecionada (vide os critérios de inclusão e exclusão do estudo), é difícil a generalização desses achados para a população geral com OA de mão.
Dessa forma, o uso de prednisolona para o tratamento dos flare-ups da OA de mãos parece ser eficaz na redução da dor e de alguns parâmetros de inflamação articular, mas ainda acredito que essa medicação deva ser utilizada apenas em casos selecionados de maior necessidade do controle do surto inflamatório, preferencialmente documentados por ultrassonografia e/ou RM.
Referência bibliográfica:
- Price, et al. State-Specific Prevalence and Characteristics of Frequent Mental Distress and History of Depression Diagnosis Among Adults with Arthritis — United States, 2017. Morbidity and Mortality Weekly Report. US Department of Health and Human Services/Centers for Disease Control and Prevention. January 3, 2020 / Vol. 68 / Nos. 51 & 52
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