Os meios de contraste iodados (MCI) são amplamente empregados na radiologia, especialmente nas tomografias computadorizadas (TCs).
Apesar das reações adversas terem se tornado infrequentes após a incorporação dos agentes hipoosmolares, os eventos de hipersensibilidade imediata ainda ocorrem em 0,3 a 1,4% dos pacientes, sendo potencialmente graves.
A maioria das reações, contudo, são leves a moderadas, de forma que as fatalidades são raras (0,0006%). Logo, toda clínica de radiologia deve observar os pacientes por tempo mínimo de 15 a 30 minutos após a administração do MCI e estar preparada para o tratamento da anafilaxia.
Diante da inconsistência de estudos prévios e dos posicionamentos de diferentes sociedades de radiologia e alergologia, um painel de dez renomados especialistas do American College of Radiology (ACR) e American Academy of Allergy, Asthma & Immunology (AAAAI) revisou criticamente a literatura sobre as reações aos MCI endovenosos.
Registrar detalhadamente as reações em prontuário
Qualquer reação adversa ao MCI deve ser minuciosamente registrada em prontuário, incluindo elementos como:
- Descrição dos sintomas;
- Gravidade da reação;
- Tempo de latência (reações imediatas < 1h, a maioria não mediada por IgE; e reações tardias > 1h após a administração do contraste);
- Meio de contraste especificamente empregado.
Tais informações são essenciais para orientar a conduta em exames futuros, permitindo a escolha de agentes mais seguros e a elaboração de estratégias de profilaxia.
É importante notar que nem todas as reações são de hipersensibilidade. As reações não alérgicas podem ser classificadas em:
- Leves: náuseas, vômitos, cefaleia, ansiedade, disgeusia, flushing isolado, calafrios, sensação de aquecimento corporal e tontura;
- Moderadas: dor torácica e reação vasovagal com síncope;
- Graves: arritmias, convulsões e emergências hipertensivas.
Pré-medicação: quando está indicada?
Uma das principais mudanças desse novo paper foi relativa à restrição do uso rotineiro de pré-medicação (anti-histamínicos + corticoides).
Os esquemas de corticoides mais empregados incluem:
- Prednisona 50 mg/dose em 3 doses, antecedendo a administração do MCI em 13, 7 e 1 hora;
- Metilprednisolona 32 mg/dose em 2 doses, antecedendo a administração do MCI em 12 e 2 horas.
Na presença de histórico de reações leves e imediatas ao MCI (urticária localizada, prurido ou rinorreia) não mais se recomenda a pré-medicação. Nesses casos, a simples substituição do meio de contraste é considerada uma intervenção suficiente.
Por outro lado, diante de histórico de reações graves (anafilaxia, angioedema com dispneia, broncoespasmo ou hipotensão), recomenda-se considerar exames alternativos e sem uso de contraste iodado. Na indisponibilidade de alternativas viáveis, a pré-medicação ainda é indicada, e o exame deve ser realizado em ambiente hospitalar, assistido por equipe treinada e com disponibilidade de suporte avançado imediato dedicado à anafilaxia.
Nas reações moderadas (urticária com rápida disseminação para ≥ 50% da superfície corporal total ou angioedema sem comprometimento respiratório), a recomendação é pela decisão compartilhada entre o médico e o paciente.
Troca do meio de contraste: uma estratégia eficaz
A substituição de um meio de contraste previamente implicado em reação de hipersensibilidade leve a moderada, por outro agente da mesma classe, tem se mostrado uma estratégia profilática superior à pré-medicação, com base em dados de estudos retrospectivos e meta-análises.
Manejo da anafilaxia
O tratamento da anafilaxia é pautado nos seguintes pontos:
- Interrupção imediata da infusão do agente suspeito;
- Adrenalina IM (0,01 mg/kg de uma solução a 1:1.000 – em indivíduos > 50 kg, 0,5 mL da ampola de 1 mg/mL), preferencialmente no músculo vasto lateral da coxa, podendo ser repetida em 5-10 minutos se for necessário. A adrenalina endovenosa pode ser necessária na anafilaxia protraída;
- Expansão volêmica e posição supina com elevação dos membros inferiores (Trendelenburg) devem ser realizadas em caso de hipotensão arterial;
- Oxigenoterapia suplementar se houver hipoxemia ou sintomas respiratórios;
- Anti-histamínicos (úteis nas alterações cutâneas, como urticária e prurido), corticoesteroides (o emprego rotineiro tem sido questionado pelo início de ação lento e possível ineficácia em prevenir a anafilaxia bifásica, caracterizada pela recorrência dos sintomas nas primeiras 72 horas) e broncodilatadores podem ser administrados após a estabilização clínica inicial.
- Tempo de observação mínimo de 6 horas.
Reações tardias e uso de corticosteroides
As reações tardias ao contraste iodado, a maioria cutânea, são menos comuns e, em sua maioria, leves. Não há evidência de que a pré-medicação seja útil para evitá-las.
Nos casos em que tenha ocorrido reações tardias graves (síndrome de Stevens-Johnson ou DRESS), o uso do meio de contraste iodado deve ser evitado.
Mitos comuns: alergia a frutos do mar, iodo e povidona-iodo (PVPI)
Alergia a mariscos (crustáceos e moluscos) ou ao iodo não representa um fator de risco para reações ao meio de contraste iodado. Essas associações, embora arraigadas na prática clínica, são equivocadas e desprovidas de respaldo fisiopatológico ou epidemiológico.
Testes cutâneos: quando são úteis?
Os testes cutâneos (prick e intradérmico) com meios de contraste são potencialmente úteis na investigação de pacientes com histórico de reações graves, especialmente quando se depara com a necessidade de um novo exame contrastado.
Apesar da limitada sensibilidade, um teste negativo pode orientar na escolha de um agente alternativo. Contudo, a disponibilidade de testes cutâneos e a padronização dos protocolos ainda são limitadas.
Mensagens práticas
- O consenso da ACR/AAAAI de 2025 representa um avanço importante na padronização de condutas frente a pacientes com histórico de reações a meios de contraste iodados (MCI).
- As falsas contraindicações ao uso de MCI foram novamente desmistificadas, sobretudo a alergia relatada a frutos do mar ou iodo.
- O uso rotineiro da pré-medicação foi desestimulado diante de reações leves, sendo preferível apenas a troca do agente específico. A pré-medicação mantém a sua indicação na profilaxia de reações graves, quando não houver disponibilidade de exames de imagem alternativos.
- Há de se ressaltar que que muitas das recomendações foram baseadas em estudos heterogêneos e de baixa qualidade metodológica, embora seja inegável que o consenso representa um passo relevante para uma prática clínica.
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