Paciente feminina, 18 anos, referindo tosse, dispneia aos esforços e chiados no peito há cerca de dois anos. Os sintomas se intensificaram no último mês após sua família se mudar para outra cidade e alugar um apartamento antigo, que havia ficado sem moradores por um longo período de tempo. Nega outras comorbidades, porém a mãe refere que durante a primeira infância houve necessidade de diversas idas à emergência devido a episódios de “bronquite” e chiados no peito, além de duas internações por bronquiolite. Seu irmão possui quadro semelhante e faz tratamento com medicações inalatórias, com bom controle do quadro, já o pai é tabagista ativo.
Exames
Na anamnese, nega outros sintomas associados e uso de medicações de uso contínuo. Fez uso esporádico dos broncodilatadores do irmão, sem melhora do quadro. Ao exame físico, notava-se sibilos inspiratórios na ausculta pulmonar, saturação de oxigênio de 96% em ar ambiente e frequência respiratória de 19 irpm, sem sinais de desconforto. Apresenta lesões compatíveis com dermatite atópica em membros superiores, sobretudo em fossa cubital, além de prega nasal evidente.
Nos exames de rotina, apresentava eosinofilia de 700 cels/mm3 (VR até 500) e IgE 1500 kU/L (VR até 100). Foi realizada radiografia de tórax, sem alterações evidentes.
Foi realizada uma espirometria com a paciente que apresentou os seguintes resultados:
Diante dos achados, optou-se por iniciar tratamento com SAL/PF e dispositivo inalatório em pó no formato de disco, com uma inalação a cada 12 horas, e encaminhar a paciente ao dermatologista para tratamento do quadro cutâneo. Após duas semanas de tratamento, ela retorna referindo manutenção do quadro clínico e necessidade de uma visita ao departamento de emergência devido a piora dos sintomas. Além disso, refere limitações para atividades físicas e uso frequente de inalações com medicação de resgate. Quando questionada, a paciente relata que fazia uso da medicação apenas quando sentia piora dos seus sintomas.
No entanto, a persistência dos sintomas não é necessariamente indicativa de falha terapêutica do fármaco. Na realidade, esse tipo de situação faz-nos pensar primeiro em uma dificuldade de adesão, permanência de exposição a desencadeadores ambientais ou técnica inadequada do uso dos dispositivos inalatórios.1 No caso em questão, a paciente acreditava que o medicamento de uso contínuo poderia ser utilizado como medicação de resgate.
O tratamento foi mantido e a paciente foi orientada a fazer uso correto do dispositivo inalatório na dose prescrita, melhorando sua adesão, além de evitar o contato direto com a fumaça do cigarro do pai, que deixou de fumar dentro de casa. Foi indicada prática de atividade física regular com caminhadas ao ar livre, evitando-se os horários de pico com maior poluição. Também foi iniciado corticoide nasal para controle da rinite alérgica, ao mesmo tempo que se obteve melhor controle da dermatite em seguimento clínico. Após três meses de mudança de hábito, adesão e cessação das exposições, a paciente alcançou o controle da doença, com melhora do quadro respiratório.
Discussão
A asma é uma doença heterogênea, geralmente caracterizada por inflamação crônica das vias aéreas.2 Ela pode ser definida pelo histórico de sintomas respiratórios, tais como sibilos, dispneia, opressão torácica retroesternal e tosse, os quais variam com o tempo e na intensidade, sendo esses associados à limitação variável do fluxo aéreo.2 Atinge cerca de 300 milhões de pessoas ao redor do mundo.9 A prevalência de sintomas de asma entre adolescentes no Brasil, de acordo com estudos internacionais, foi de 20%, uma das mais elevadas do mundo.4 Em 2012, um estudo com 109.104 adolescentes confirmou taxas de prevalência de sintomas de asma de 23% e de diagnóstico prévio de asma de 12%.4
Avanços recentes nos últimos anos possibilitaram caracterizar a doença em fenótipos e compreender a sua fisiopatologia, sobretudo no âmbito da resposta ao tratamento.4 O fenótipo eosinofílico é o mais comum, caracterizando o perfil Th2 alto, atualmente o que melhor responde aos tratamentos disponíveis com corticoide inalatório e a maioria dos imunobiológicos (Figura 1).4 A asma eosinofílica alérgica pode ser caracterizada pela presença de eosinofilia no sangue periférico e sinais de atopia, como o aumento nos níveis de IgE.1
A terapia inalatória ainda persiste como o pilar do tratamento da asma; porém, um dos fatores mais associados à falta de controle da doença é a baixa adesão dos pacientes aos dispositivos inalatórios,1,2 uma vez que apenas 32% dos asmáticos são aderentes a esse tipo de tratamento. Por isso, recomenda-se fazer a reavaliação tanto da técnica quanto do uso dos dispositivos em todas as consultas de seguimento.4
Entre as combinações utilizadas para tratamento, destaca-se o SAL/PF, composto por um broncodilatador de longa duração e corticoide inalatório.1 A associação do corticoide inalatório ao broncodilatador de longa duração tem benefício observado sobretudo na redução de exacerbações e mortalidade; entretanto, conforme observado na Global Initiative for Asthma (GINA), atualmente essa associação só é recomendada para tratamento de pacientes asmáticos a partir do Step 3 (no track 2), ou seja, em asmáticos moderados e graves.2
Em um estudo duplo cego, randomizado e multicêntrico, adultos e adolescentes asmáticos com idade acima de 12 anos foram aleatorizados para receber salmeterol com fluticasona versus apenas fluticasona.5 Dos mais de 11 mil pacientes incluídos, indivíduos que receberam salmeterol em uma combinação de dose fixa com propionato de fluticasona não tiveram um risco significativamente maior de eventos graves relacionados à asma do que aqueles que receberam fluticasona isoladamente (IC de 95%, 0,64 a 1,66, p = 0,003).5 Além disso, o risco de exacerbação grave da asma foi 21% menor no grupo SAL/PF do que no grupo apenas com PF (HR 0,79; IC 95%, 0,70 a 0,89).5
As limitações deste estudo incluem sua curta duração de 26 semanas e a infrequente ocorrência de eventos graves relacionados à asma, pouco representativos na amostra.5 Além disso, o fato de incluir pacientes com asma moderada a grave pode não refletir a mesma eficácia em todos os pacientes portadores da asma.5 Outro estudo incluindo crianças de 4 a 11 anos também não mostrou eventos adversos relacionados ao uso de SAL/PF quando comparado apenas à fluticasona,6 estendendo a utilização da medicação a faixa etária pediátrica, na qual a utilização de broncodilatadores de longa duração é pouco estudada.
Em suma, o tratamento da asma envolve uma abordagem multidisciplinar como o controle de fatores extrínsecos e intrinsecamente relacionados ao fenótipo do paciente.1,2 O manejo das comorbidades, afastamento das exposições e a utilização correta do dispositivo inalatório são etapas obrigatórias antes de qualquer alteração na terapia medicamentosa dos pacientes.1 O corticoide inalatório associado com broncodilatador continua sendo o tratamento preferido para a asma moderada, proporcionando redução dos sintomas diários e minimizando o risco de exacerbações*2,7, além de promover melhora na qualidade de vida; entretanto, aqueles que não alcançam o controle com essa associação podem se beneficiar de step up para associação de um imunobiológico, após adequada fenotipagem do paciente.1
*Tratamento com doses regulares de ICS isolado ou em combinação com LABA
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Informações de Segurança de Seretide
Contraindicação: Seretide é contraindicado para pacientes com hipersensibilidade a qualquer componente da fórmula. Seretide Diskus contém lactose.
Interação Medicamentosa: pode ocorrer quando administrado com potentes inibidores do citocromo P450 (ritonavir e cetoconazol).
Reações Adversas: cefaleia, candidíase oral, disfonia.
Acesse a bula:
- CARVALHO-PINTO, R. M. et al. Recomendações para o manejo da asma grave da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia-2021. J Bras Pneumol, v. 47, p. e20210273, 2021. Disponível em: https://cdn.publisher.gn1.link/jornaldepneumologia.com.br/pdf/2030_1_1_3594_portugues.pdf.
- GLOBAL INITIATIVE FOR ASTHMA (GINA). Global Strategy For Asthma Management and Prevetion. Disponível em: https://ginasthma.org/wp-content/uploads/2024/05/GINA-2024-Strategy-Report-24_05_22_WMS.pdf. Acesso em 18 de Junho de 2024.
- BARRETO M. L. et al. Prevalence of asthma symptoms among adolescents in Brazil: National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol, v. 17, suppl 1, p. 106-15, 2014.
- PIZZICHINI M. M. M. et al. 2020 Brazilian Thoracic Association recommendations for the management of asthma. J Bras Pneumol, 46, n. 1, p. e20190307, 2020.
- STEMPEL D. A. et al. Serious asthma events with fluticasone plus salmeterol versus fluticasone alone. N Engl J Med, v. 374, n. 19, p. 1822-30, 2016.
- STEMPEL D. A. et al. Safety of adding salmeterol to fluticasone propionate in children with asthma. N Engl J Med, v. 375, n. 9, p. 840-9, 2016.
- CANÇADO J. E. D. et al. Respira project: humanistic and economic burden of asthma in Brazil. J Asthma, v. 56, n. 3, p. 244-5, 2019.
- SERETIDE DISKUS (Xinafoato de salmeterol e propionato de fluticasona). Bula do Produto.
- Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Asma – Perguntas e Respostas. 2019. Disponível em: https://sbpt.org.br/portal/publico-geral/doencas/asma-perguntas-e-respostas/. Acesso em: 25/03/2024.
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PM-BR-FPS-JRNA-230006 – ABR/2024
Entre os exames que corroboram o diagnóstico clínico da asma, qual o mais útil para a decisão da escolha terapêutica?1
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