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Psiquiatria25 novembro 2025

Uso problemático de telas e sua correlação com suicídio e saúde mental em jovens

Estudo revela que trajetórias de uso problemático de redes sociais, celulares e videogames elevam riscos de suicidabilidade e sintomas emocionais em adolescentes.
Por Tayne Miranda

O uso de redes sociais, videogames, telefones celulares e outras atividades em telas entre adolescentes associado a problemas de saúde mental em crianças e adolescentes é uma grande preocupação atual. Embora a maior parte das pesquisas foque no tempo total de tela, evidências recentes sugerem que o uso problemático de telas pode ser um fator de risco mais relevante para a suicidabilidade e a saúde mental de jovens.  

Pensando nisso, o estudo conduzido por Xiao e colaboradores utilizando dados nacionais do Adolescent Brain Cognitive Development (ABCD) Study, uma coorte longitudinal e populacional de crianças e adolescentes, buscou caracterizar as trajetórias longitudinais de uso problemático de redes sociais, telefones celulares e videogames; avaliar se as trajetórias de uso problemático estavam associadas a comportamentos suicidas, ideação suicida e sintomas internalizantes e externalizantes ao longo de 4 anos; examinar se as trajetórias de uso problemático estavam associadas a desfechos mesmo após o ajuste para o tempo total de tela. 

Método 

O Estudo ABCD é uma coorte longitudinal com participantes de 9 a 10 anos de idade recrutados em 21 locais nos Estados Unidos (n = 11.868) e acompanhados anualmente. A coleta de dados ocorreu de 2016 até janeiro de 2022. Foram incluídos no estudo incluiu 4.285 participantes com informações demográficas completas no início do estudo e dados sobre uso problemático de telas nos acompanhamentos do segundo ao quarto ano. 

Foram utilizados questionários de autorrelato validados (6-item Social Media Addiction
Questionnaire (SMAQ), 8-item Mobile Phone Involvement Questionnaire (MPIQ), e 6-item Video Game Addiction Questionnaire (VGAQ)) para avaliar o uso problemático em três plataformas — redes sociais, telefones celulares e videogames. 

Os relatos das crianças e dos pais sobre ideação e comportamentos suicidas em relação ao ano anterior foram avaliados no 4º ano de acompanhamento usando a Kiddie Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia (K-SADS / Kiddie SADS). 

Sintomas internalizantes (ex.: ansiedade, depressão) e sintomas externalizantes (ex.: agressão, comportamento transgressor) foram avaliados a partir do relato dos pais no Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência – Child Behavior Checklist (CBCL). 

Os modelos foram ajustados para idade, sexo, raça e etnia da criança, renda dos pais, educação e estado civil. 

A análise estatística utilizou um modelo que permitia identificar as trajetórias de uso ao longo do tempo e agrupá-las de acordo com padrões similares de uso. Cada trajetória foi usada como uma variável categórica na análise. O tempo total de tela foi incluído como covariável para verificar se ele explicava a magnitude ou direção das associações entre trajetórias aditivas e desfechos. Na análise de sensibilidade, foi testado se havia uma associação independente do tempo total de tela com os desfechos. 

Resultados 

A idade média inicial dos 4.285 participantes foi de 10 anos (DP: 0,6), com 47,9% mulheres. Para redes sociais, três trajetórias de uso problemático foram identificadas: uso com pico acentuado (n = 410 [9,6%]), crescente (n = 1.342 [31,3%]) e baixo (n = 2.533 [59,1%]). No início do estudo, as trajetórias de uso alto e crescente apresentavam o mesmo nível de uso problemático de redes sociais. 4 anos depois, a trajetória de uso problemático crescente alcançou à trajetória de uso alto e continuou aumentando.  

O uso problemático de telefone celular também seguiu três trajetórias: uso alto (n = 2.109 [49,2%]), crescente (n = 1.052 [24,6%]) e baixo (n = 1.124 [26,2%]). As trajetórias de baixo e crescente uso problemático começaram com níveis iniciais quase iguais, mas divergiram em suas trajetórias. A trajetória crescente de uso problemático de celular apresentou aumento contínuo ao longo dos 4 anos seguintes, atingindo níveis comparáveis à trajetória de uso alto aos 15 anos. 

Para videogames, foram identificadas duas trajetórias: uso alto (n = 1.761 [41,1%]) e baixo uso problemático (n = 2.524 [58,9%]). 

Entre 4.285 participantes, 218 (5,1%) relataram comportamentos suicidas e 760 (17,9%) relataram ideação suicida no acompanhamento do 4º ano. O tempo total de tela no início do estudo, isoladamente, não foi associado a comportamentos suicidas, ideação suicida ou sintomas internalizantes ou externalizantes.  

IMAGEM 1- Trajetórias de uso problemático de mídias sociais, celulares e videogames 

  

 Retirada do artigo 

Vídeogames 

  • Os jovens nas trajetórias de uso problemático alto de videogames eram mais propensos a ser do sexo masculino do que aqueles nas trajetórias de baixo uso problemático (70,1% vs. 39,6%; diferença absoluta, 30,55%; IC 95%, 27,64%–33,40%); 
  • A trajetória de uso problemático alto foi associada a maior risco de comportamentos suicidas (RR, 1,54; IC 95%, 1,18–2,03; P ajustado por FDR (Taxa de Falsos Positivos) = 0,004) e de ideação suicida (RR, 1,53; IC 95%, 1,35–1,75; P ajustado por FDR < 0,001); 
  • A trajetória de uso problemático alto foi associada a escores T mais altos de sintomas internalizantes (diferença média, 2,03; IC 95%, 1,45–2,61; P ajustado por FDR < 0,001) e de sintomas externalizantes (diferença média, 0,94; IC 95%, 0,45–1,43; P ajustado por FDR < 0,001) em comparação com a trajetória de baixo uso problemático; 
  • Jovens com uso problemático alto de videogames apresentavam maior ideação suicida (diferença absoluta, 6,79%; IC 95%, 4,58%–8,91%) e mais sintomas internalizantes (diferença média absoluta do escore T, 1,80; IC 95%, 1,19–2,44) no início do estudo. 

Redes Sociais 

  • A trajetória de uso problemático alto de redes sociais incluiu mais meninas em comparação à trajetória de baixo uso problemático (51,0% vs. 42,8%; diferença absoluta, 8,18%; IC 95%, 3,07%–13,36%); 
  • No início do estudo, os jovens com alto uso problemático de redes sociais, em comparação com aqueles com baixo uso problemático, apresentaram as maiores diferenças em comportamentos suicidas (diferença absoluta, 1,67%; IC 95%, 0,06%–3,50%) e em sintomas externalizantes (diferença média absoluta do escore T, 1,79; IC 95%, 0,75–2,82); 
  • As trajetórias de uso alto com pico acentuado e de uso crescente estiveram associadas a maior risco de comportamentos suicidas (uso alto com pico acentuado: RR, 2,39; IC 95%, 1,66–3,43; P ajustado por FDR < 0,001; uso crescente: RR, 2,14; IC 95%, 1,61–2,85; P ajustado por FDR < 0,001) e de ideação suicida (uso alto com pico acentuado: RR, 1,51; IC 95%, 1,25–1,83; P ajustado por FDR < 0,001; uso crescente: RR, 1,46; IC 95%, 1,28–1,67; P ajustado por FDR < 0,001), em comparação com a trajetória de baixo uso problemático; 
  • Jovens na trajetória de uso crescente tiveram mais sintomas internalizantes (diferença média, 1,27; IC 95%, 0,66–1,88; P ajustado por FDR < 0,001), enquanto os da trajetória de uso alto com pico acentuado (diferença média, 1,25; IC 95%, 0,45–2,04; P ajustado por FDR = 0,004) e de uso crescente (diferença média, 1,05; IC 95%, 0,54–1,56; P ajustado por FDR < 0,001) tiveram mais sintomas externalizantes  (todos com pequeno tamanho de efeito). 

Telefone Celular 

  • A trajetória de uso problemático alto esteve associada a maior risco de comportamentos suicidas (RR, 2,17; IC 95%, 1,48–3,19; P ajustado por FDR < 0,001) e de ideação suicida (RR, 1,50; IC 95%, 1,27–1,78; P ajustado por FDR < 0,001), em comparação com a trajetória de baixo uso problemático.  
  • A trajetória de uso crescente esteve discretamente associada a maior risco de ideação suicida (RR, 1,22; IC 95%, 1,01–1,48; P ajustado por FDR < 0,001), mas não a outros desfechos de saúde mental. 

Discussão 

  • Quase 1 em cada 2 jovens apresentou trajetória de uso problemático alto de celulares, e mais de 40% tiveram trajetória de uso problemático alto de videogames; 
  • Quase 1 em cada 3 seguiu a trajetória de uso crescente para redes sociais e 1 em cada 4 para celulares; 
  • Para redes sociais e celulares, tanto as trajetórias de uso problemático alto quanto as crescentes foram associadas a riscos 2 a 3 vezes maiores de comportamentos e ideação suicida em comparação com a trajetória de baixo uso problemático; 
  • As trajetórias de uso problemático alto e crescente de redes sociais também foram associadas a escores mais altos de sintomas internalizantes e externalizantes em comparação com a trajetória de baixo uso problemático; 
  • Para videogames, a trajetória de uso problemático alto foi associada a maiores riscos de comportamentos suicidas, ideação suicida e escores mais altos de sintomas internalizantes em comparação com a trajetória de baixo uso problemático; 
  • Os achados ressaltam a importância da avaliação repetida do uso problemático de redes sociais e celulares entre crianças que estão entrando na adolescência; 
  • Em relação aos videogames, as trajetórias foram mais estáveis ao longo do tempo, o que pode permitir uma identificação precoce do risco sem a necessidade de avaliações repetidas; 
  • O tempo total de tela não esteve associado aos desfechos de saúde mental e suicídio. Logo, é necessário tratar tempo de uso e uso problemático como duas coisas distintas. 

Limitações 

  • Por se tratar de um estudo observacional, não é possível estabelecer que as trajetórias de uso aditivo causam os resultados estudados, embora o desenho longitudinal diminua as preocupações sobre a causalidade reversa; 
  • Por utilizar dados autorrelatados, há maior chance de viés de recordação e de desejabilidade social; 
  • O relato dos pais pode subestimar condições de saúde mental; 
  • A pandemia pode ter influenciado o tempo de tela, a despeito das análises de sensibilidade mostrarem resultados consistentes; 
  • O estudo não avaliou o uso simultâneo de múltiplas telas; 
  • Não havia informações sobre a avaliação do 4º ano de todos os participantes do Estudo ABCD; 
  • As análises não incluíram fatores psicossociais e comportamentais como bullying, experiências adversas na infância, monitoramento parental, transtornos do sono, estresse, isolamento social e determinantes sociais da saúde.  

Autoria

Foto de Tayne Miranda

Tayne Miranda

Editora médica de Psiquiatria da Afya ⦁ Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) ⦁ Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) ⦁ Psiquiatra do PROADI-SUS pelo Hospital Israelita Albert Einstein ⦁ Foi Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

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Referências bibliográficas

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