Tratamento de evitação agorafóbica em pacientes psicóticos através de realidade virtual
Plataformas de realidade virtual (VR da sigla em inglês) possuem grande potencial de tratamento considerando abordagens de terapia cognitiva.
Plataformas de realidade virtual (VR da sigla em inglês) possuem grande potencial de tratamento considerando abordagens de terapia cognitiva por vários motivos. Em primeiro lugar, é possível expor os pacientes a situações desconfortáveis em local seguro o que poderia aumentar a adesão. Além disso, a possibilidade de fornecer terapias através de VR pode ampliar o acesso, já que profissionais capacitados nesse tipo de técnica são ainda escassos. Por fim, como consiste na construção de um mundo em 3 dimensões imersivo a VR possibilita abordar inúmeras técnicas já utilizadas e amplamente estudadas no campo das terapias cognitivas. Em estudo recente publicado no Lancet Psychiatry, a plataforma de VR denominada gameChange foi testada para tratamento de pacientes com sintomas psicóticos que apresentavam comportamento evitativo e sofrimento ao sair de casa relacionado majoritariamente a ansiedade.
Metodologia e População
Trata-se de um ensaio clínico randomizado (n=346), com cegamento dos avaliadores (single blinded), utilizando a terapia cognitiva fornecida através de realidade virtual por 6 semanas associado ao tratamento usual comparado ao tratamento usual apenas. Destaca-se que o tratamento usual envolveu uso de psicotrópicos (majoritariamente antipsicóticos), visitas de profissional de saúde mental e visitas eventuais ao psiquiatra. No ambiente de VR um terapeuta virtual era responsável por guiar o participante através de simulações do mundo real. Além disso, os participantes tinham auxílio de um membro da equipe para iniciar o programa. O mesmo membro sugeria tarefas de casa principalmente envolvendo exposição ao fim das sessões.
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Pacientes foram encaminhados para a pesquisa de 9 centros de saúde mental na Inglaterra. Em sua maioria foram incluídos pacientes diagnosticados através da CID-10 dentro das psicoses no espectro da esquizofrenia assim como pacientes com transtornos de humor e sintomas psicóticos associados. Foram excluídos aqueles com epilepsia fotossensível, baixa acuidade visual ou auditiva e déficits de aprendizado importante.
Grandes mudanças de protocolo ocorreram por conta da pandemia da Covid-19, sendo as mais importantes: alteração no cálculo amostral (por dificuldade de recrutamento) e substituição do desfecho primário. Os autores salientam que tais mudanças ocorreram antes de qualquer análise dos dados.
Resultados
O desfecho primário após mudança do protocolo envolveu avaliar evitação agorafóbica e sofrimento em situações diárias aferidas através da Oxford Agoraphobic Avoidance Scale (O-AS) em 6 e 26 semanas. A diferença média na pontuação da O-AS em 6 semanais foi de –0·47 (–0·88 a –0·06 IC 95%; Cohen’s d –0·18; p=0·026) para evitação agorafóbica e de –4·33 (–7·78 a –0·87 IC 95%; Cohen’s d –0·26; p=0·014) para sofrimento. Destaque para o tamanho de efeito pequeno avaliado através do Cohen’s d. A escala original planejada demonstrou tamanho de efeito maior, mas a análise possui grandes limitações pelos dados incompletos. Os resultados positivos do desfecho primário foram mantidos em 26 semanas. A grande maioria dos desfechos secundários foram negativos incluindo avaliação de risco de suicídio e qualidade de vida. Pacientes com pontuações de base maiores parecem ter se beneficiado mais com o tratamento.
Limitações
As mudanças de protocolo decorrentes da pandemia acarretaram perda de poder estatístico e baixo número de desfechos da escala originalmente planejada como desfecho primário. Além disso, não é possível dimensionar o impacto negativo que as recomendações de isolamento durante a pandemia podem ter tido na avaliação dos desfechos. Por fim, é necessário lembrar que a falta de utilização de técnicas mais refinadas de cegamento dos participantes e avaliadores (como o sham-VR) pode ter enviesado o resultado especialmente considerando a natureza subjetiva dos desfechos.
Mensagens práticas
- A realidade virtual é um novo campo com grande potencial terapêutico dentro da saúde mental e que pode possibilitar, no futuro, maior acesso a terapias cognitivas.
- É necessário maior compreensão da eficácia desse tipo de terapia através de investigações com cegamento mais amplo e que não possuam restrições de isolamento social como ocorrido no início da pandemia.
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