As habilidades cognitivas superiores, ou “superdotação”, têm atraído interesse crescente. No entanto, a definição de superdotação carece de operacionalização e precisão, que se materializa nas diferentes terminologias utilizadas para se referir ao fenômeno, como “altas capacidades”, “altas habilidades”, “alta performance”, “talentosos”, dentre outras. Enquanto as visões tradicionais associavam a superdotação principalmente a escores elevados de QI, as teorias contemporâneas a compreende como um fenômeno multifacetado, influenciado por fatores cognitivos e não cognitivos (criatividade, motivação, compromisso com a tarefa e contextos socioculturais).
Dentre os modelos teóricos clássicos, três se destacam.
Modelos teóricos de destaque
A Concepção dos Três Anéis de Renzulli sugere que a superdotação é resultado da associação entre habilidade acima da média, criatividade e elevado envolvimento com a tarefa. O Modelo Diferenciado de Superdotação e Talento de Gagné distingue entre habilidades naturais inatas em domínios intelectuais, criativos, socioafetivos e sensoriomotor (dons) e competências desenvolvidas sistematicamente através de um processo de aprendizagem (talentos), enfatizando a influência de fatores ambientais (família, escola, comunidade) e pessoais (motivação e aspectos da personalidade) na transformação de dons em talentos. A Teoria Triárquica de Sternberg propõe que a superdotação envolve um equilíbrio entre inteligências analítica, criativa e prática, indicando que os testes de inteligência tradicionais podem não capturar completamente as capacidades de um indivíduo.
Além de não considerar uma abordagem mais abrangente da superdotação, os critérios e limites baseados em testes de inteligência geral não são bem definidos.
Os critérios costumam basear-se em uma porcentagem das pessoas (por exemplo, os 5% ou 1% superiores) ou em escores específicos de testes (por exemplo, QI 130 em testes clássicos de inteligência), variabilidade que torna difícil comparar e compilar dados de pesquisa. Desse modo, a falta de consistência nos critérios de testagem impacta o processo de identificação de pessoas superdotadas e o desenvolvimento de programas educacionais destinados a atender às suas necessidades específicas.
Identificação e avaliação
Os testes clássicos de inteligência (como a Wechsler Intelligence Scale) foram e continuam a ser usados amplamente para identificar pessoas superdotadas. No entanto, tem havido uma tendência crescente de uso de avaliações visuais-espaciais, como o Teste das Matrizes de Raven, que minimiza interferências culturais e verbais, sendo útil na avaliação de populações etnicamente diversas.
A superdotação envolve um equilíbrio entre inteligências analítica, criativa e prática. Portanto, apesar de sua ampla popularidade, os testes tradicionais de inteligência podem não refletir plenamente as capacidades de um indivíduo. Seria benéfico adotar uma abordagem mais abrangente para identificar a superdotação, indo além das avaliações tradicionais. Por exemplo, o uso de instrumentos existentes que mensurem criatividade e habilidades de resolução prática de problemas pode oferecer uma visão mais completa.
Características cognitivas
De modo geral, crianças superdotadas apresentam uma vantagem consistente em memória de trabalho verbal, inibição e resolução de problemas geométricos, além de um tempo de reação menor em tarefas de alternância atencional e processamento elementar de informações. Esses achados sugerem que a memória de trabalho verbal e a flexibilidade atencional podem ser características cognitivas potenciais para a identificação da superdotação. Além disso, supõe-se que a maior capacidade cognitiva das crianças superdotadas lhes permite processar as tarefas mais rapidamente ou com maior precisão, especialmente nas tarefas mais complexas.
Características psicológicas
Acredita-se que a motivação esteja intimamente ligada à superdotação, com alguns pesquisadores incluindo-a na própria definição do termo. A motivação atuaria como um catalisador ou recurso para o desenvolvimento da superdotação, enquanto a baixa motivação é considerada uma das causas do baixo desempenho acadêmico em crianças superdotadas.
A motivação intrínseca pode ser definida como a forma mais autodeterminada de motivação, na qual a pessoa se envolve em uma atividade de forma espontânea, por interesse e prazer. Em estudos do desenvolvimento, a motivação intrínseca costuma ser investigada como motivação intrínseca acadêmica, que envolve o prazer pela aprendizagem escolar e se caracteriza por curiosidade, busca pela excelência, persistência no aprendizado e disposição para enfrentar novas tarefas desafiadoras. Estudos que compararam crianças superdotadas com grupos de controle encontraram pontuações mais altas de motivação intrínseca entre as primeiras.
Vale destacar, no entanto, que uma relação causal entre superdotação e motivação não está estabelecida na literatura. Além disso, a motivação pode aumentar o desempenho em testes de inteligência, influenciando o reconhecimento de pessoas superdotadas.
O senso de autoeficácia (que é a crença de um indivíduo em sua capacidade de executar tarefas e atingir objetivos) também é mais elevado em crianças superdotadas em diversas áreas (apenas a autoeficácia social não difere entre as pessoas superdotadas e as demais).
De forma especulativa, pode-se supor que a maior motivação e a autoeficácia estejam relacionadas a um mecanismo específico de alocação de esforço, que permite às crianças superdotadas superar seus pares em funções cognitivas que exigem empenho.
Teoria da desintegração positiva (TDP)
O Modelo de Dabrowski ou Teoria da Desintegração Positiva (TDP) tem sido muito empregado na compreensão do desenvolvimento emocional e moral de pessoas com altas habilidades/superdotação. Essa teoria propõe que o desenvolvimento humano não ocorre de forma linear, mas sim como um continumm hierárquico em cinco níveis de desenvolvimento da personalidade. O desenvolvimento para níveis mais altos de maturidade emocional e moral é alcançado por meio de conflitos internos e crises, que funcionam como motores do crescimento psicológico.
O conceito de sobre-excitabilidade ou superexcitabilidade (SE), que faz parte da TDP, é o que mais tem auxiliado na compreensão das pessoas com superdotação. A SE é definida como uma resposta fisiológica e psicológica intensificada a estímulos sensoriais internos ou externos. Dąbrowski identificou cinco tipos de superexcitabilidade: psicomotora, caracterizada por excesso de energia, necessidade de ação; sensorial, associada à intensidade sensorial e prazer estético; intelectual, evidenciada por curiosidade, busca por soluções, interesse pelo conhecimento; imaginativa, ligada à criatividade, facilidade de fantasiar e pensamento simbólico; emocional, que envolve profundidade afetiva, alto senso de responsabilidade social e empatia. Indivíduos criativos e superdotados tendem a possuir níveis mais altos de SE, particularmente intelectual e imaginativa.
Dabrowski ajuda a explicar que crianças e adolescentes superdotados não apenas pensam de maneira diferente de seus pares, mas também sentem de maneira diferente. Essa diferença no sentir é explicada por intensidades e um campo expandido da experiência subjetiva. Embora a TDP não seja uma teoria da superdotação em si, ela oferece um referencial para compreender as experiências internas complexas e os trajetos de desenvolvimento desses indivíduos.
Intervenções educacionais e ambientes propícios
Os ambientes mais propícios ao desenvolvimento para estudantes superdotados são aqueles que oferecem desafios intelectuais aumentados. Com a adequada identificação das pessoas superdotadas, os educadores podem explorar as características psicológicas positivas das pessoas superdotadas, como motivação intrínseca mais alta, autoeficácia e abertura à experiência. Além disso, é imperativo que pais, professores e conselheiros dediquem atenção às vidas emocionais dos jovens superdotados para que o desenvolvimento ideal ocorra.
Autoria

Tayne Miranda
Editora médica de Psiquiatria da Afya ⦁ Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) ⦁ Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) ⦁ Psiquiatra do PROADI-SUS pelo Hospital Israelita Albert Einstein ⦁ Foi Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo
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