Semaglutida versus saúde mental: existe alguma associação?
No artigo “Psychiatric Safety of Semaglutide for Weight Management in People Without Known Major Psychopathology”, publicado no JAMA em setembro de 2024, no qual se baseia este trabalho, os autores investigaram uma possível associação entre desfechos de saúde mental e o uso da medicação semaglutida.
Os autores começam reforçando alguns pontos sobre a obesidade, lembrando que, muitas vezes, ela está relacionada a outras complicações médicas. Principalmente nas formas graves (IMC ≥ 40), a obesidade vem se associando a transtornos mentais. Por exemplo, a obesidade pode tanto levar a quadros depressivos, como a própria depressão pode levar à obesidade. Supõe-se que o caráter inflamatório da obesidade possa estar associado à depressão.
A semaglutida é um agonista do receptor de peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1RA), frequentemente prescrito para auxiliar na redução e gerenciamento do peso. Nem ela, nem a liraglutida (medicação com mecanismo de ação semelhante) parecem aumentar os efeitos adversos psiquiátricos. Contudo, as agências reguladoras dos Estados Unidos e da Europa vêm monitorando essas medicações após relatos de depressão, ideação e comportamento suicida, embora, até o momento, não se tenha encontrado evidências neste sentido.
Métodos
Para realizar essa investigação, os pesquisadores utilizaram dados de ensaios da fase 3 dos estudos com semaglutida (STEP 1, 2, 3, 5), seguindo pacientes por 68 ou 104 semanas. Tais ensaios eram multicêntricos, duplo-cegos e controlados com placebo. Foram empregados questionários validados para identificar transtorno depressivo maior, ideação e/ou comportamento suicida. Sua aplicação ocorreu antes da intervenção e entre 5 a 7 pontos na linha temporal, conforme o tempo de acompanhamento. Os pacientes que pontuaram de maneira significativa nas avaliações, foram encaminhados para acompanhamento em saúde mental. Foram excluídos pacientes com história de depressão 2 anos antes do estudos, aqueles que apresentassem outros transtornos mentais graves (incluindo depressão moderadamente grave), tentativas prévias de suicídio, ideção (com intenção) ou comportamento suicida nos 30 dias anteriores ao estudo. A exclusão desses casos deve ser avaliada com cautela, sendo uma limitação do estudo.
Nos resultados, observou-se que a maioria dos pacientes eram do sexo feminino e de etnia branca. As comorbidades mais comuns no início da pesquisa foram hipertensão e dislipidemia. Um total de 3.337 participantes foram avaliados por 68 semanas e 304 por 104 semanas.
Resultados
Após a análise, observou-se que o uso da medicação semaglutida não foi associada a mais sintomas ligados à depressão, ideação ou comportamento suicida de forma clinicamente significativa quando comparada ao tratamento placebo. Ambos os grupos tiveram baixa ocorrência desses sintomas. Apenas 2,8% dos participantes que usaram semaglutida e 4,1% dos que usaram placebo apresentaram sintomas moderados ou graves de depressão a ponto de necessitar de avaliação em saúde mental. Os resultados são consistentes com aqueles encontrados na população obesa de forma geral. A maioria dos participantes afirmou não ter apresentado alteração no humor ou até alguma melhoria durante o seguimento, mas as diferenças de humor entre os grupos de estudo e controle não apresentaram diferenças estatisticamente significativas.
Já a incidência de ideação suicida foi baixa (≤ 1%) em todos os grupos, tendo ocorrido 1 tentativa de suicídio em cada. Em ambos os casos, os estressores de vida parecem ter tido um papel importante, bem como a história de antecedentes em saúde mental no participante do grupo placebo.
Conclusão e mensagem prática
Estes resultados são consistentes com os de outras pesquisas que investigaram a medicação liraglutida. Neles, não se teriam encontrado diferenças nos mesmos sintomas pesquisados entre os usuários da medicação ou do placebo. Um relato descreve uma taxa discretamente maior de ideação e comportamento suicida com a liraglutida do que com o placebo. Outros relatos identificaram um aumento ligeiro na frequência de ideação suicida com a liraglutida e a semaglutida em comparação com outras medicações da mesma classe, insulina ou metformina, embora não chegue a sugerir causalidade.
As agências reguladoras europeia e estadounidense concluiram de forma similar que as evidências não suportam uma associação entre o uso de GLP1-RAs e pensamentos e ações suicidas, autoinjúria e suicídio. Porém, como não conseguem excluir a existência de um risco (mesmo que baixo), manterão a vigilância. Por isso os autores sugerem aos médicos assistentes que continuem monitorando a saúde mental dos pacientes que estão em uso destes fármacos.
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