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Psiquiatria27 novembro 2025

Redução precoce ou manutenção de antipsicóticos após primeiro episódio psicótico

Estudo avaliou redução ou descontinuação de antipsicóticos após o primeiro episódio psicótico, mostrando mais recaídas no 1º ano, mas melhor funcionamento a longo prazo.
Por Tayne Miranda

Após o primeiro episódio psicótico (PEP), as diretrizes de tratamento recomendam manutenção da medicação por um a dois anos, uma vez que o risco de recaída aumenta significativamente com a descontinuação, mesmo com redução gradual. No entanto, 70% dos pacientes em uso de antipsicóticos descontinuam a medicação no primeiro ano de tratamento, frequentemente sem supervisão clínica. Nesse sentido, o trabalho de Iris E. Sommer e colaboradores buscou fornecer evidências sobre os efeitos da redução de dose ou descontinuação precoce dos antipsicóticos em pacientes com PEP.  

Método 

Os participantes foram incluídos no estudo entre setembro de 2017 e março de 2023. Todos usavam antipsicóticos, tinham atingido a remissão dos sintomas de três a seis meses e possuíam diagnóstico de um PEP na esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtorno esquizofreniforme, transtorno psicótico breve ou transtorno do espectro da esquizofrenia não especificado e outros transtornos psicóticos. Os critérios de exclusão foram comportamento perigoso durante o PEP ou tratamento coercitivo. 

Os participantes foram randomizados 1:1 para manutenção (redução da dose ≤25%) ou redução gradual hiperbólica1 com redução mínima da dose de 25% até a dose 0 ou até o retorno dos sintomas. A intervenção durou seis meses, com um período de seguimento de 48 meses. Os pacientes que não seguiram a randomização permaneceram no estudo (foi utilizado o princípio da análise por intenção de tratar). 

O desfecho primário foi o funcionamento pessoal e social avaliado pelo próprio paciente, medido por meio do World Health Organization Disability Assessment Schedule 2.0 (WHODAS-2; 36 itens). Os desfechos secundários incluíram: avaliação global de funcionamento feita por entrevistadores (Global Assessment of Functioning – GAF), gravidade dos sintomas (Positive and Negative Syndrome Scale – PANSS) e qualidade de vida relacionada à saúde, medida pela Escala Visual Analógica do instrumento EuroQol de 5 dimensões (EQ-5D-VAS). A recaída foi definida como hospitalização por psicose ou recaída explicitamente relatada pelo médico assistente. 

Os desfechos de segurança e tolerabilidade incluíram: eventos adversos, eventos adversos graves, autolesão, comportamento agressivo, contato com a polícia, efeitos adversos e índice de massa corporal (IMC). 

Veja também: Efeitos colaterais de antidepressivos e antipsicóticos e prescrição personalizada

Resultados 

Ao todo, 347 pacientes foram incluídos nas análises (idade média 27,9 anos [±8,7], 241 participantes do sexo masculino [69,5%], 168 randomizados para descontinuação / redução e 179 para manutenção).  

Ao final do período de intervenção, a média (DP) de equivalentes de olanzapina foi de 3,8 (7,5) mg por dia no grupo redução ou descontinuação da dose e de 6,9 (6,1) mg por dia no grupo de manutenção. No grupo redução gradual, 110 participantes (65,5%) haviam interrompido completamente o uso do medicamento, em comparação com 49 participantes (27,4%) no grupo de manutenção. Houve 133 pacientes (79,2%) no grupo redução gradual e 108 pacientes (60,3%) no grupo de manutenção que aderiram ao protocolo. 

A longo prazo, os pacientes que tiveram redução ou descontinuação da medicação apresentaram melhor funcionamento e menos sintomas psicóticos – GAF aos 36 meses (β = 3,61; IC 95%, 0,28 a 6,95; P = 0,03); GAF aos 48 meses (β = 6,13; IC 95%, 2,03 a 10,22; P = 0,003) e PANSS aos 48 meses (β = −3,02; IC 95%, −6,17 a 0,13; P = 0,06). Por outro lado, no primeiro ano, a redução ou descontinuação da medicação foi associada a maior risco de recaída 

(razão de chances: 2,84; IC de 95%, 1,08 a 7,66; P = 0,04) e menor qualidade de vida (β = −3,31; IC de 95%, −6,34 a −0,29; P = 0,03). 

Não houve diferença em relação em relação a autolesão, comportamento violento, contatos com a polícia e efeitos adversos neurológicos. No grupo redução ou descontinuação da medicação ocorreram 5 óbitos, 32 hospitalizações e 3 outros eventos adversos graves comparados com 1 óbito, 42 hospitalizações e 1 outro evento adverso grave no grupo de manutenção. O grupo redução ou descontinuação da medicação teve 3 mortes confirmadas por suicídio, enquanto o grupo de manutenção teve 1 morte por suicídio. 

Discussão 

Não houve diferença em termos de funcionamento entre os dois grupos. A qualidade de vida foi pior no grupo com redução precoce, com mais recaídas no primeiro ano. O número de eventos adversos graves foi similar, mas houve três mortes por suicídio no grupo de redução precoce frente a uma morte por suicídio no grupo de manutenção. Com três anos, o funcionamento global foi melhor no grupo com descontinuação precoce, diferença que ficou mais evidente com 4 anos. Uma tendência parecida foi vista na gravidade dos sintomas.  

As análises por protocolo (ou seja, incluindo somente os participantes que aderiram ao estudo) não mostraram desvantagens e revelaram benefícios adicionais para o grupo redução ou descontinuação da medicação. Para as mulheres, a redução ou descontinuação apresentou menos desvantagens e mais benefícios, o que pode refletir uma superdosagem relativa nas pacientes do sexo feminino (as doses padrão seriam excessivas em relação às características fisiológicas do sexo feminino, levando a mais efeitos adversos).  

Os efeitos benéficos a longo prazo da redução ou descontinuação da medicação não podem ser atribuídos aos efeitos diretos da medicação antipsicótica, pois as doses foram semelhantes entre os grupos a partir de 12 meses. Supõe-se, portanto, que uma tentativa de descontinuação acordada entre médico e paciente possa fortalecer a aliança terapêutica e o juízo crítico sobre a patologia. Além disso, a recaída pode ter servido para evidenciar aos pacientes a necessidade do uso da medicação, levando a atitudes mais positivas em relação a ela. Não obstante, é necessário ponderar cuidadosamente os riscos e benefícios da descontinuação precoce, lembrando que as mulheres podem se beneficiar mais dessa estratégia. 

Limitações 

  • A autoavaliação de funcionamento foi comprometida, uma vez que os pacientes tinham dificuldade em reconhecer aspectos sociais e comunicativos de sua condição; 
  • No grupo de manutenção, 40% dos pacientes interromperam a medicação contra o protocolo; 
  • Os achados não podem ser extrapolados para pacientes com múltiplos episódios psicóticos. 

Impactos para a Prática Clínica 

  • Observou-se menor qualidade de vida e mais recaídas nos primeiros 12 meses, mas melhor funcionamento após três e quatro anos de seguimento no grupo com redução / descontinuação precoce; 
  • Como as doses foram semelhantes a partir de 12 meses, os pesquisadores sugerem que os benefícios a longo prazo são resultado de uma experiência de empoderamento e percepção da doença, e não efeito direto da redução do antipsicótico. 

Autoria

Foto de Tayne Miranda

Tayne Miranda

Editora médica de Psiquiatria da Afya ⦁ Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) ⦁ Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) ⦁ Psiquiatra do PROADI-SUS pelo Hospital Israelita Albert Einstein ⦁ Foi Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

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Referências bibliográficas

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