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Psiquiatria8 dezembro 2025

Diretriz para diagnóstico e tratamento de abuso e dependência de drogas Z

Entenda os riscos, sinais de abstinência e estratégias de descontinuação das drogas Z, além das recomendações clínicas para manejo seguro e eficaz.
Por Tayne Miranda

As drogas Z são agonistas dos receptores de benzodiazepínicos (BZD) que começaram a ser comercializados na década de 1990 impulsionadas pela ideia de que seriam agentes sedativo-hipnóticos mais seguros, com menor potencial de abuso e dependência em comparação aos BZDs. Tanto os BZDs quanto drogas Z ligam-se ao receptor ácido gama-aminobutírico tipo A (GABA-A), aumentando a frequência de abertura do canal de cloro, potencializando o efeito inibitório do GABA no sistema nervoso central (SNC), mas as drogas Z possuem maior seletividade pelas subunidades α, o que confere a elas pouco efeito ansiolítico, relaxante muscular e anticonvulsivante. A seletividade pelas subunidades α associado com sua curta meia-vida, conferiu as drogas Z o status de hipnóticos ideais, com efeitos limitados à indução do sono e efeitos residuais mínimos ou inexistentes no dia seguinte. 

No Brasil, o zolpidem está entre os medicamentos mais vendidos sem receita ou de forma ilegal. No mercado legal, as prescrições de drogas Z aumentaram significativamente na última década. Em 2014, foram vendidas 338.367 caixas de zolpidem, frente a 810.353 em 2021; as vendas de zopiclona também cresceram no período, de 15.060 caixas em 2014 para 83.910 em 2021. Entre 2014 e 2021, o zolpidem foi o 3º hipnótico mais vendido no país, representando 14,4% das vendas totais de hipnóticos, atrás de clonazepam e alprazolam. Em agosto de 2024, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) implementou um controle mais rígido sobre a prescrição das drogas Z, que passaram a ser prescritas com receita tipo B (azul), devido ao uso irregular e abusivo, particularmente do zolpidem. 

Com o aumento do uso de drogas Z, diversos efeitos adversos graves foram identificados, tornando o abuso e a dependência delas um problema de saúde pública no Brasil. O trabalho realizado pela Academia Brasileira de Neurologia revisou as evidências sobre o transtorno por uso de drogas Z e propôs uma diretriz clínica para o manejo da descontinuação. 

Transtorno Por Uso de Drogas Z 

A 5ª edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR) utiliza o termo transtorno por uso de substâncias, no lugar de dependência e uso indevido, com o diagnóstico abrangendo todo o espectro de gravidade. O transtorno por uso de drogas Z é categorizado como um transtorno por uso de sedativos, hipnóticos e ansiolíticos. Qualquer mudança em relação ao regime posológico prescrito, como aumentos de dose, frequência ou duração do tratamento configura uso indevido de medicação.  

Dados de farmacovigilância mostram que o zolpidem é a droga Z mais frequentemente associada a abuso, dependência e abstinência, mas a zolpiclona também apresenta um potencial não desprezível de dependência. Em relação a eszoplicona, ainda há poucos estudos investigando transtorno por uso de substâncias associado a ela, mas as evidências atuais não sustentam o desenvolvimento de tolerância ou insônia rebote após a descontinuação da eszopiclona em pacientes com insônia primária, o que faz ela ser proposta como uma opção terapêutica em protocolos de redução gradual para a descontinuação do zolpidem. 

Fatores de Risco para Transtorno por Uso de Drogas Z 

Fatores relacionados à substância: 

  • Farmacodinâmicos: seletividade e especificidade para subunidades do receptor GABA-A (zolpidem em altas doses perde a seletividade para subunidades específicas do receptor GABA-A, culminando em um efeito farmacológico mais semelhante a BZD de curta ação); 
  • Farmacocinéticos: taxa de absorção e meia-vida (medicações com menor meia vida, como zolpidem, têm maior probabilidade de promover a administração repetida de doses e reforço comportamental); 
  • Efeito rápido no SNC: formulações sublinguais do Zolpidem tem rápida absorção e concentrações plasmáticas iniciais maiores, fatores que aumentam o risco de reforço comportamental e uso recreativo e contribuem para maior potencial de abuso; 
  • Capacidade de causar euforia e melhora imediata dos sintomas; 
  • Modulação de sistemas neurais associados ao processamento emocional e à ansiedade (criando uma associação psicológica de alívio, o que reforça o uso). 

Fatores relacionados aos pacientes 

  • Disponibilidade da substância; 
  • Viver em espaços urbanos; 
  • Baixo nível de escolaridade; 
  • Ambiente familiar permissivo; 
  • Doença física ou psiquiátrica não tratada; 
  • Risco para uso problemático de substâncias em geral: ser jovem, branco, ter dor crônica e comorbidades psiquiátricas; 
  • Em adultos jovens, baixo nível de escolaridade e uso de outras substâncias psicoativas está associado ao uso inapropriado de sedativos e hipnóticos; 
  • Idade avançada – idosos tem maior prevalência de distúrbios do sono e transtornos do humor, bem como redução do clearance da substância; 
  • Condições médicas e neurológicas: dor crônica, doenças cardiovasculares e respiratórias (ICC, asma, DPOC), doenças metabólicas (DM, hipertireoidismo), transtornos neurológicos (doenças degenerativas); hospitalização prolongada em idosos; 
  • Transtornos do sono: quando insônia não é adequadamente diagnosticada e manejada e hipnóticos usados para além da duração recomendada; 
  • Transtornos psiquiátricos: depressão, ansiedade e transtornos de personalidade, uso concomitante de outras substâncias e maior gravidade do transtorno mental 

Síndrome de Abstinência de Drogas Z 

A abstinência é definida pelo DSM-5-TR como uma síndrome clínica que ocorre após uso intenso e prolongado de uma substância, quando seus níveis no sangue ou nos tecidos diminuem, frequentemente levando à retomada do uso para aliviar os sintomas. As características da abstinência são semelhantes entre drogas sedativas, hipnóticas e ansiolíticas devido à sua ação comum nos receptores GABA do sistema nervoso central. Todas as drogas Z podem causar sintomas de abstinência, mas eles são mais comuns com o uso crônico de zolpidem e em doses superiores às recomendadas (ainda que também possa ocorrer com o uso em doses terapêuticas). Na literatura, os casos relatados de síndrome de abstinência com zolpidem tem uma dose mediana de 200 mg (variando de 25 a 2000 mg por dia). Os sintomas da síndrome de abstinência de drogas Z estão descritos em detalhes na tabela abaixo. 

Tabela 1 – Sintomas clínicos da síndrome de abstinência de drogas Z 

Sintomas Vegetativos Sintomas psicopatológicos 
Náuseas e vômitos 

 

Dor abdominal 

 

Sudorese 

 

Rubor facial 

 

Mialgia, tensão muscular, cãibras musculares 

 

Fadiga, perda de energia 

 

Tremores 

 

Palpitações e aumento da frequência cardíaca 

 

Elevação da pressão arterial 

 

Desconforto no peito e dor precordial 

 

Dispneia 

 

Tontura 

 

Aumento do apetite 

 

Sintomas neurológicos, dor de cabeça 

 

Hiperacusia 

 

Fotofobia 

 

Comprometimento da memória e da atenção 

 

Comprometimento do controle voluntário dos movimentos 

 

Distonia, tiques motores 

 

Comprometimento da fala 

Convulsões 

Insônia rebote 

 

Nervosismo e inquietação 

 

Irritabilidade 

 

Ansiedade 

 

Euforia 

 

Agitação psicomotora 

 

Agressão verbal e física 

 

Sintomas depressivos 

 

Alucinações visuais 

 

Desorientação no tempo e no espaço 

 

Despersonalização e desrealização 

 

Delírio 

 

 

Processo de Retirada 

Durante a desprescrição, para pacientes ambulatoriais, recomenda-se que as consultas de seguimento sejam agendadas em intervalos mais curtos para monitorar o progresso e avaliar o sucesso do processo de retirada. Pacientes que usam doses mais altas ou por períodos prolongados, que já apresentaram sintomas de abstinência, com histórico pessoal de transtorno por uso de substâncias ou pessoas que utilizam medicamentos de meia-vida mais curta tem maior risco de complicações. 

Recomenda-se a redução gradual da dose em ambiente hospitalar na presença de algum dos seguintes: 

  • Histórico de transtornos por uso de álcool ou outras substâncias; 
  • Episódios anteriores de convulsões relacionadas à abstinência de drogas; 
  • Presença de comorbidades médicas e/ou psiquiátricas graves; 
  • Uso de altas doses de drogas Z;  
  • Uso concomitante de psicoestimulantes ou opioides. 

Não há consenso ou padrão ouro estabelecidos para a desprescrição de drogas Z. Dada a escassez de evidências e semelhanças entre os transtornos de uso de BZD e drogas Z, as evidências sobre a descontinuação de BZD foram utilizadas na elaboração da diretriz.  

Recomenda-se avaliar o estado mental do paciente, a presença de comorbidades psiquiátricas, a gravidade do grau de dependência e a coexistência de outro distúrbio do sono. Essa avaliação auxilia na escolha de farmacoterapia auxiliar e de tratamentos não farmacológicos. 

A retirada das drogas Z deve ser feita por um neurologista ou psiquiatra — mesmo que não sejam especialistas em medicina do sono — ou por médicos do sono, independentemente de sua especialidade de origem.  

Tratamento Não-Farmacológico 

  • Combinar estratégias não-farmacológicas com a redução gradual da dose melhora o sucesso da desprescrição quando comparado com a interrupção gradual isolada;  
  • O uso da TCC-I é recomendado tanto para adultos quanto para idosos durante o processo de desprescrição de drogas Z. A TCC-I individual, presencial, parece ser a modalidade mais eficaz. A TCC-I online, avaliada em um único estudo envolvendo uma população de idosos, não se mostrou eficaz para auxiliar a descontinuação das drogas Z em comparação com os controles após 6 a 12 meses de acompanhamento. Os resultados relativos à TCC-I autoguiada são inconsistentes; 
  • O uso da terapia de aceitação e compromisso (ACT) recebeu uma recomendação mais fraca e foi classificado como opcional; 
  • A atenção plena também foi incluída e é considerada opcional para a desprescrição de medicamentos Z; 
  • Com relação a outras intervenções não farmacológicas, o grupo de trabalho considerou a intervenção breve para adultos e idosos um consenso; 
  • Intervenções breves em ambientes de atenção primária como instruir os pacientes a usar drogas Z somente quando necessário, reduzir a dose, fazer reforço positivo após a interrupção, consultas breves e distribuição de materiais educativos impressos, mostraram-se mais eficazes do que o tratamento padrão; 
  • As intervenções cronoterapêuticas (como a terapia com luz e o exercício físico regular) são estratégias complementares à TCC-I importantes e mostram benefícios na melhoria da qualidade do sono e na redução da dependência de medicamentos hipnóticos. 

Tratamento Farmacológico 

  • Descontinuação abrupta das drogas Z: pode ser utilizada em pacientes altamente motivados que utilizaram o medicamento em doses terapêuticas e por um período relativamente curto. Não é recomendada em pacientes em uso prolongado ou de doses supraterapêuticas devido ao maior risco de sintomas graves de abstinência, incluindo convulsões e delirium. 
  • Redução gradual da dose: consiste na diminuição progressiva da dose do medicamento (10 a 25% a cada 1 a 2 semanas) para minimizar os sintomas de abstinência e reduzir o risco de recorrência da insônia. Indicada para pacientes em uso de doses terapêuticas. Descontinuações mais lentas do que indicado acima não parece trazer benefício adicional. Em alguns casos, pode ser necessário o uso pontual de medicações para manejar sintomas físicos de abstinência; 
  • Substituição por benzodiazepínicos: trocar o zolpidem por uma dose equivalente de um benzodiazepínico de meia-vida longa, como diazepam ou clonazepam, com redução gradual da dose do benzodiazepínico. Essa estratégia é indicada para pacientes que estão utilizando doses de zolpidem acima dos níveis terapêuticos.  

Farmacoterapia Auxiliar 

  • Adicionar um segundo agente está entre as estratégias mais empregadas para a desprescrição de medicamentos Z. Embora haja evidências clínicas limitadas da eficácia dessa abordagem, a opinião de especialistas apoia seu uso (especialmente quando guiado por uma avaliação das comorbidades do paciente, com a prescrição de medicamentos que possam atuar de forma sinérgica no manejo da insônia e da comorbidade subjacente) como um meio de facilitar a retirada dos medicamentos Z; 
  • Em adultos, o grupo de trabalho, de forma consensual, apoiou o uso opcional de quetiapina ou outros antipsicóticos sedativos, trazodona ou outros antidepressivos sedativos, ligantes α2δ (gabapentinoides) e ramelteona como terapias adjuvantes no manejo da retirada das drogas Z. O uso de benzodiazepínicos de ação intermediária ou longa foi recomendado, enquanto benzodiazepínicos de ação curta ou ultracurta, bem como melatonina de liberação imediata, não foram recomendados. A melatonina de liberação prolongada (que possui eficácia controversa) e os antagonistas duais dos receptores de orexina (DORAs) não foram avaliados nas recomendações por não serem comercializados no mercado farmacêutico brasileiro (mas os dados disponíveis endossam a possível utilidade dos DORAs na facilitação da desprescrição); 
  • Na população idosa, o nível de consenso entre os membros do grupo de trabalho foi menor, e nenhuma recomendação foi feita para o uso de benzodiazepínicos, antipsicóticos ou melatonina (de liberação imediata ou prolongada) durante a desprescrição das drogas Z. Para os demais agentes farmacológicos recomendados para adultos, o uso em pacientes idosos foi classificado como opcional; 
  • A alta incidência de efeitos adversos associados aos benzodiazepínicos em adultos mais velhos — como comprometimento cognitivo, quedas e sedação excessiva — sustenta essa abordagem mais cautelosa. Da mesma forma, antipsicóticos estão associados a maior risco cardiovascular em idosos.  

Recomendações:  

  • Realizar uma avaliação minuciosa do estado mental do paciente, das comorbidades psiquiátricas e relacionadas ao sono, e do grau de dependência farmacológica; 
  • A retirada das drogas Z deve ser conduzida por um neurologista, psiquiatra ou especialista em medicina do sono; 
  • Recomenda-se a redução gradual das drogas-Z; 
  • Recomenda-se o uso de benzodiazepínicos de ação intermediária ou longa em substituição ao zolpidem em pacientes em uso de doses supraterapêuticas; 
  • Estratégias não farmacológicas são incentivadas, sendo a TCC-I (Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia) a mais fortemente recomendada;  
  • Em casos específicos de retirada de zolpidem, pode-se considerar, de forma opcional, o uso adjuvante de um segundo agente, como: 
  • Trazodona ou outros antidepressivos; 
  • Quetiapina ou outros antipsicóticos; 
  • Agentes ligantes α2δ (como gabapentina ou pregabalina); e 
  • Hipnóticos alternativos (como ramelteona, zopiclona ou eszopiclona); 
  • Não se recomenda o uso de benzodiazepínicos de ação curta ou ultracurta e melatonina de liberação imediata;  
  • Melatonina de liberação prolongada e DORAs, embora recomendados em diretrizes internacionais, não foram avaliados devido à sua indisponibilidade no mercado brasileiro. 

Autoria

Foto de Tayne Miranda

Tayne Miranda

Editora médica de Psiquiatria da Afya ⦁ Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) ⦁ Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) ⦁ Psiquiatra do PROADI-SUS pelo Hospital Israelita Albert Einstein ⦁ Foi Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo

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Referências bibliográficas

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