O racismo institucional é definido como “a falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura e origem étnica”, caracterizando-se como um padrão contínuo e sistêmico que resulta em desvantagens para grupos raciais ou étnicos específicos.
O racismo institucional é um problema generalizado na saúde mental que dificulta a prestação de cuidados apropriados e desempenha um papel central nas internações psiquiátricas, nas quais, frequentemente, a etnia é relatada como um fator de risco para maior uso de tranquilização rápida (TR). Embora não seja a abordagem de primeira linha para comportamentos violentos ou agressividade, a TR, que consiste na administração forçada de sedativos como antipsicóticos e benzodiazepínicos, continua sendo o manejo mais comum. Em uma revisão sistemática recente de ambientes de internação de saúde mental para adultos, estimou-se que 25,6% dos pacientes receberam TR.
Há um esforço mundial para reduzir o uso da TR devido à preocupação com violações de direitos humanos e potenciais danos envolvidos no procedimento, preocupações agravadas pelo racismo institucional. Minorias étnicas frequentemente sofrem com o acesso desigual e serviços de qualidade inferior, o que leva a atrasos no acesso ao tratamento de saúde mental, maiores taxas de hospitalização forçada em comparação a outros grupos, mais recaídas, admissões prolongadas e apresentações mais agudas na admissão.
Até o momento não havia na literatura nenhuma revisão sistemática e metanálise que avaliasse a associação entre etnia e uso de TR em ambientes de internação de saúde mental para adultos, lacuna que o estudo conduzido por Martin Locht Pedersen e colaboradores2 abordou.
Saiba mais: Como manejar agitação e agressividade de paciente
Método
O estudo foi orientado pelas recomendações da Cochrane e relatado de acordo com a diretriz PRISMA (Guideline for Reporting Systematic Reviews). Foram incluídos estudos em língua inglesa ou línguas escandinavas com pacientes maiores de 18 anos, que fornecessem evidências quantitativas da associação entre TR e etnia no contexto de internação psiquiátrica.
As seguintes bases de dados foram utilizadas na pesquisa: APA PsycINFO (Ovid), CINAHL with Full Text (EBSCO), Cochrane Library (Wiley), Embase Classic+Embase (Ovid), PubMed (NCBI), and Scopus (Elsevier). Estudos publicados até 15 de abril de 2024 foram incluídos.
Buscou-se por literatura cinzenta nas seguintes fontes: Google, Google Scholar, OpenGrey (Inist-CNRS via DANS), GreyGuide (ISTI-CNR), Danish Health Authority (sst. dk), Mind (mind.org.uk), the National Institute for Health and Care Excellence (nice.org.uk), Race Equality Foundation (race equalityfoundation.org.uk), and Substance Abuse and Mental Health Services Administration.
O desfecho primário foi a associação entre etnia e recebimento de RT; o desfecho secundário foi a associação entre etnia e recebimento de RT mais de uma vez. A razão de chances (odds ratio) foi usada na metanálise como uma medida para avaliar a associação entre
etnia e uso de TR. O risco relativo foi calculado utilizando o valor de 25,6% encontrado em uma revisão prévia (citada acima). Doses utilizadas, medicamentos e uso de contenção física não puderam ser avaliado por falta de informação nos estudos. As explicações para o uso de TR em relação à etnia foram organizadas em cinco grupos: relacionado ao paciente, relacionado à doença, relacionado ao serviço, relacionado à cultura e interface serviço-paciente.
Resultados
15 estudos foram incluídos na revisão. 14 avaliavam a associação entre ao menos dois grupos étnicos e TR e 3 estudos relatavam o risco do uso repetido de TR. 7 estudos foram incluídos na metanálise. Os estudos eram de países europeus, publicados entre 2004-2019, abarcando 38.622 indivíduos (60–17.359), 50,9% mulheres, admitidas voluntariamente (82,2%) e diagnosticadas com um transtorno do espectro da esquizofrenia (27%).
Pessoas de origens étnicas minoritárias tinham significativamente mais probabilidade de receber TR do que aqueles com origens étnicas majoritárias (OR=1,49; IC 95%: 1,25-1,78; I²=0,00%), correspondendo a um RR de 1,32 (IC 95%: 1,17-1,48), assumindo uma prevalência de 25,6% de uso de RT na população em geral em ambientes de internação psiquiátrica para adultos. Os achados se mantiveram nas análises de subgrupo e de sensibilidade. As explicações dadas para o uso desigual de TR estavam relacionadas às características dos pacientes, tratamento desigual pela equipe, racismo institucional, área de abrangência do serviço e nível de entendimento cultural entre a equipe. Nenhuma dessas explicações foi apoiada por evidências primárias (ou seja, dados fornecidos pelos próprios estudos). A certeza geral da evidência foi considerada moderada.
Discussão
Pessoas de minorias étnicas tem mais probabilidade de receber TR do que populações de maioria étnica, destacando disparidades étnicas que ressaltam a presença de racismo institucional na saúde mental. A análise de subgrupos por etnia não alterou os achados principais, sugerindo que indivíduos de todos os grupos étnicos minoritários tem maior probabilidade de receber TR em internações psiquiátricas.
Os achados ressaltam a importância de focar na interseccionalidade, nos determinantes sociais da saúde mental e em fatores culturais que podem afetar o uso da TR, como a situação de vida e trabalho, uma vez que outras fontes de desvantagem podem influenciar as disparidades étnicas encontradas.
Abordar disparidades étnicas no uso de TR e suas implicações para a tomada de decisões e cuidados é crucial para garantir a equidade na saúde mental e diminuir vieses que influenciam decisões clínicas.
Limitações
- Muitos dos estudos incluídos resumiram os achados de forma narrativa, e o número limitado de estimativas disponíveis para meta-análise, além da variação na qualidade dos estudos, pode ter influenciado e obscurecido a independência dessa relação;
- Os estudos incluídos não abordaram a população indígena;
- Os estudos incluídos não captaram adequadamente a diversidade étnica;
- Existe a possibilidade que variáveis confundidoras como idade e gênero tenham influenciado os resultados.
Impactos para a Prática Clínica
- Pessoas de minorias étnicas tem mais probabilidade de receber TR do que populações de maioria étnica, destacando disparidades étnicas que ressaltam a presença de racismo institucional na saúde mental;
- Abordar disparidades étnicas no uso de TR e suas implicações para a tomada de decisões e cuidados é crucial para garantir a equidade na saúde mental e diminuir vieses que influenciam decisões clínicas.
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