As alterações no mundo do trabalho cada vez impõem uma carga maior de atividades aos médicos e outros profissionais de saúde. O tempo de atendimento vem sendo cada vez menor, as obrigações burocráticas se somam e o que acontece efetivamente na consulta passa a ser negligenciado em meio a tantas obrigações. Neste cenário, não é incomum que médicos e pacientes não se sintam satisfeitos.
Presença significa estar intencionalmente consciente, focado e atento para compreender e conectar-se com as pessoas. Esta atitude permite a compreensão de nuances sobre as vivências dos pacientes, sobre seus objetivos com o tratamento, aumentando o vínculo e a confiança entre médico e paciente.
Neste sentido, o trabalho de Zulman e colaboradores intitulado Practices to Foster Physician Presence and Connection With Patients in the Clinical Encounter visou encontrar práticas baseadas em evidências, de fácil implementação e que pudessem melhorar a conexão entre pacientes e médicos.
Métodos
Inicialmente o grupo realizou uma revisão de literatura sobre práticas que pudessem intensificar a presença e que fossem baseadas em evidências. Um time com médicos da atenção primária e especialistas em linguística, comunicação em saúde e saúde pública sintetizaram os achados, buscando encontrar intervenções com impacto positivo.
Em um segundo momento, pesquisadores com experiência em pesquisa qualitativa observaram 27 interações médico-paciente em diversos serviços da atenção primária, de médicos que eram reconhecidos pelos pares como bons comunicadores e clínicos. Houve uma preocupação para que a amostra fosse diversa em termos de gênero, raça e tempo de prática. Depois das consultas, médicos e pacientes eram entrevistados sobre as estratégias usadas para assegurar presença e conexão.
Além disso, foram entrevistados 30 profissionais não clínicos, de trabalhos que envolvem muita interação interpessoal, com o objetivo de identificar práticas interdisciplinares que fomentam a conexão humana.
A síntese destes três passos iniciais gerou uma lista de 31 práticas potenciais, que foram extensamente analisadas quanto a evidência e combinadas quando havia sobreposição importante entre elas. Finalmente, os pesquisadores utilizaram uma modificação do método Delphi – um método validado para mensurar a opinião de especialistas – para revisar e finalizar a lista de recomendações, considerando o impacto das intervenções na experiência do paciente, do médico e sua facilidade de implementação. Ao final, os especialistas escolhiam suas 5 práticas favoritas e as mais citadas são listadas no artigo e aqui seguem.
5 práticas para melhorar conexão
Preparar-se com intenção
Esta prática compreende dois momentos da preparação mental e física para a consulta: uma preparação personalizada para o paciente (se familiarizar com o paciente, revisitar as informações em prontuário, principalmente a história de vida e detalhes pessoais) e ter um momento de pausa e foco (serve para nos desligarmos de distrações e nos concentrarmos na consulta que vamos fazer). Em cenários onde não há tempo entre as consultas para preparação, protocolos clínicos que coletem as atualizações e prioridades dos pacientes antes do atendimento podem ser uma alternativa.
Ouvir atentamente e completamente
Esta prática envolve dois aspectos. O primeiro, é ouvir com todo o corpo, usando uma linguagem corporal receptiva. Sentar-se é a prática relativa à linguagem corporal com maior evidência empírica. Ela aumenta as expectativas do paciente sobre a duração da consulta e sua percepção de que o médico está escutando. A alteração da postura do médico, de uma postura que faz o médico parecer maior e mais dominante, para uma postura que transmite abertura e respeito também é importante. Isto é particularmente significativo quando estiver usando aparelhos eletrônicos: compartilhar a tela e orientar a postura corporal em direção ao paciente mesmo quando estiver digitando melhora a percepção do paciente.
O segundo aspecto é evitar interrupções, principalmente durante a descrição inicial do paciente – pesquisas mostram que em média os médicos interrompem os pacientes em 11 segundos. Os pacientes podem fornecer mais informações médicas em suas respostas abertas, levando o médico a fazer menos perguntas, mas mais bem direcionadas. Além disso, esta prática não aumenta substancialmente o tempo de consulta. Deixar algum tempo de silêncio na consulta também evita a “síndrome da maçaneta”, quando subitamente ao término do atendimento o paciente traz alguma demanda ou informação importante.
Concordar com o que é mais importante
Esta prática foca em entender o que mais aflige o paciente e estabelecer uma agenda partilhada. Isto pode ser evidenciado pelo paciente em perguntas abertas no início do atendimento, como o que te trouxe aqui ou qual sua maior preocupação hoje. Ao término da consulta, deve-se perguntar se há algo mais que o paciente gostaria de abordar.
Conectar-se com a história do paciente
Esta prática envolve dois aspectos. Primeiro, levar em conta as circunstâncias da vida do paciente que influenciam sua saúde (alguns autores descrevem esta atitude como olhar e sentir o mundo pela lente do paciente). Esta prática evita vieses e assunções de preconceitos baseados na raça, origem étnica, gênero e situação socioeconômica, ao apropriar o médico sobre a perspectiva do paciente sobre sua vida. O segundo aspecto é focar no positivo, reconhecendo os esforços do paciente e celebrando os sucessos, fazendo reforço de atitudes positivas e mostrando-se empático. Esta atitude aumenta a adesão e engajamento do paciente em seu cuidado.
Explorar pistas emocionais
O médico pode explorar pistas emocionais através das expressões não-verbais do paciente (mudanças no tom de voz, na expressão facial, na linguagem corporal), mediante estímulo direto a expressões emocionais, com perguntas sobre como o paciente está se sentindo / como se sente sobre determinada questão e refletindo e validando as emoções que surgirem (ex.: isso parece muito difícil para você; percebo que esse assunto está mexendo muito com você).
Conclusões
A conexão humana é central para a medicina, mas vem sendo afetada pela crescente influência da tecnologia e de pressões burocráticas nos contatos médicos.
As cinco práticas descritas são de fácil implementação e podem assegurar melhores desfechos clínicos e maior realização profissional.
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