A Dra. Susan Greenfield, Senior Research Fellow do Lincoln College na Universidade de Oxford, apresentou os impactos dos novos recursos tecnológicos no desenvolvimento cerebral das crianças. Com o advento da tecnologia, houve uma importante mudança ambiental, levando as pessoas a buscarem estímulos externos o tempo todo. Qual seria, então, o efeito desse ambiente em um cérebro tão vulnerável como o das crianças?
Nosso cérebro se torna bom naquilo que faz repetidamente, fortalecendo conexões que nos permitem ir além da experiência sensorial e atribuir significados às situações com base nas memórias — ou seja, naquilo que aprendemos em vivências anteriores. Quando somos constantemente bombardeados por estímulos intensos e breves, esse cérebro altamente plástico se adapta, desenvolvendo uma atenção cada vez mais curta. Com a mudança de ambiente, há ainda uma exposição repetida à violência por meio das mídias, o que passa a ser interpretado como algo normal, gerando uma resposta sensorial cada vez menor.
Esse uso constante das mídias digitais também interfere na maturação do córtex pré-frontal, área responsável pela nossa maturidade psicossocial. O excesso de liberação de dopamina conduz à hipoatividade cortical, o que se expressa em dificuldades para pensar de forma metafórica, maior distração e atenção reduzida. Como consequência, forma-se uma geração com pensamento crítico pobre, não fundamentado na busca pela verdade ou na verificação dos fatos.
Susan também chamou atenção para as diferenças entre o contato físico e as interações virtuais no desenvolvimento humano: menos de 10% da comunicação presencial se dá por meio das palavras. Todo o restante é absorvido pelo contato visual, tom de voz, ritmo, volume, linguagem corporal e até pela produção de feromônios — aspectos ausentes nas interações virtuais.
Além disso, o mundo virtual favorece a construção de identidades frágeis, sem freios naturais ao compartilhamento de informações pessoais, como ocorre na linguagem corporal presencial. Nesses contextos, não se desenvolve uma narrativa interna — uma história de vida em que o presente se conecta ao passado e ao futuro.
Ao interagir com um personagem de videogame, por exemplo, ele não possui uma trajetória, uma personalidade, um início, meio e fim. Já ao se envolver com um personagem de livro, é possível compreender o que ele pensa e sente, habitando sua mente e ampliando a compreensão sobre o outro.
Assim, o uso excessivo de tecnologias digitais impacta profundamente o cérebro em desenvolvimento, enfraquecendo a atenção, o pensamento crítico e a construção de uma identidade sólida. A capacidade de criar uma narrativa interna, que liga passado, presente e futuro, é essencial para o desenvolvimento da individualidade, da criatividade e de uma vida com significado – algo que demanda habilidades que só podem ser desenvolvidas na vida presencial.
Cognição infantil na era das telas
O Dr. Jaderson Costa Da Costa, Diretor do Instituto do Cérebro do RS, Professor titular de neurologia da Escola de Medicina, iniciou sua apresentação com uma provocação, ao declarar que seu conflito de interesse era ser um baby boomer. A brincadeira visou discutir que cada geração tem suas peculiaridades e suas vivências e que é sem sentido estabelecermos uma espécie de competitividade entre elas, tentando argumentar que “no meu tempo as coisas eram melhores”.
A tônica da apresentação do Dr. Jaderson se deu no sentido de explicitar a fragilidade e contraditoriedade das evidências disponíveis sobre o uso de telas, especialmente devido condições metodológicas. Vários tipos de telas são consideradas de forma indistinta nas avaliações, mas elas diferem em relação ao tipo de uso (passivo vs uso interativo), finalidade do uso (educativo como mentoria, como uma maneira de ocupar a criança, telas como fim (a tela como único elemento de distração e prazer)).
A mistura de diferentes tipos de telas e população com síntese dos dados de forma dicotômica leva a uma interpretação míope da problemática. Há tantos dados positivos quanto negativos sobre uso de telas e frequentemente as pessoas escolhem aqueles que são mais convenientes para endossar seu argumento.
Por fim, Dr. Jaderson reiterou o cuidado que precisamos ter com a exposição de telas em faixas etárias críticas < 24 meses e que não adianta demandarmos das crianças aquilo que nos mesmos não executamos, indicando que o tempo de uso de telas dos pais é proporcional ao das crianças.
Como frustrar seu filho e por que isso é tão importante?
Por fim, Dra. Fernanda Valle Krieger, doutoranda em Psiquiatria na Universidade de São Paulo, fez uma discussão sobre a importância da frustração para o desenvolvimento da capacidade de regulação emocional e aprendizado.
A frustração é um estado temporário de irritação que acontece quando um objetivo é bloqueado ou a resposta esperada diante de uma situação não é atingida, composta por dois componentes: a motivação e a expectativa. Ela é tão importante porque é fundamental no processo de regulação emocional e do aprendizado. Todo processo de aprendizado é baseado na tentativa e erro (a gente tenta, não consegue, se frustra, tenta novamente várias vezes). Logo, frustrar-se é parte inerente do processo de aprendizado. A regulação emocional, por sua vez, não é uma habilidade inata, mas um processo aprendido que se dá majoritariamente na idade pré-escolar.
Estudo
Fernanda apresentou um estudo utilizando a famosa coorte de Dunedin (A gradient of childhood self-control predicts health, wealth, and public safety) evidenciando que a autorregularão tem relação com desfechos funcionais da vida adulta. Através do seguimento de uma coorte de 1.000 crianças do nascimento aos 32 anos de idade, mostrou-se que o autocontrole na infância prediz a saúde física, a dependência de substâncias, as finanças pessoais e os resultados em crimes, seguindo um gradiente de autocontrole. Os efeitos do autocontrole das crianças puderam ainda ser desvinculados de sua inteligência e classe social, bem como dos erros que cometeram na adolescência. Em outra coorte de 500 pares de irmãos, o irmão com menor autocontrole apresentou resultados piores, apesar da origem familiar compartilhada.
Em seguida, a Fernanda discutiu sobre um estilo de temperamento chamado negative affect (emocionality), caracterizado por uma hipervigilância, que leva às crianças com esse temperamento a reagir com mais intensidades diante de situações novas e desafiadoras.
Crianças que se regulam melhor tendem espontaneamente a buscar um adulto para ajudá-las, enquanto crianças mais irritadas tendem a chorar mais e buscar menos o adulto, fazendo um esforço menor para se regular e usando menos ferramentas de distração.
Crianças ansiosas diante do estresse mobilizam os pais para vir resgatá-las e os pais por perceberem a criança como vulneráveis, institivamente aliviam a angústia dos filhos e reforçam a sensação da criança de que não vão dar conta, comprometendo o desenvolvimento da capacidade de coping,
Os estilos parentais também podem prejudicar o desenvolvimento de habilidades de regulação e independência, como os pais helicópteros, que monitoram o tempo todo as crianças e não permitem que elas se frustrem, tentem, não consigam e aprendam por um excesso de envolvimento e por estabelecerem regras rígidas e padrões para garantir o sucesso dos filhos, ensinando-as que é feio errar.
O aprendizado ativo de regulação tem uma participação fundamental do ambiente e família, demandando respostas previsíveis dos pais, a modelagem (pais que são irritados e que toleram pouco a frustração vão transmitir isso para as crianças, especialmente as pequenas, para as quais é muito mais significativo o que elas veem do que o que elas ouvem) e capacidade de resolução de problemas (mostrar que não precisamos saber as coisas, mas buscar junto com a criança uma solução).
A frustração é, portanto, fundamental para o desenvolvimento da capacidade de autorreflexão e aprendizado, a partir do qual o estressor deixa de ser visto como um risco a ser evitado, passa a ser examinado como uma situação geradora de capacidade, oportunidade de crescimento e de melhorar a performance para situações futuras, ultrapassar obstáculos e aprender.
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