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Psiquiatria18 junho 2025

BRAIN 2025: A era das dependências tecnológicas: apostas, jogos e pornografia

Durante o BRAIN 2025 especialistas abordaram a questão das apostas esportivas, transtorno de gaming e o uso problemático da pornografia.
Por Tayne Miranda

Durante o primeiro dia do Congress on Brain, Behavior and Emotions – BRAIN 2025 foi realizada uma mesa redonda sobre adição comportamental, abrangendo três expressões clínicas: as apostas esportivas online, o transtorno de gaming e o uso problemático de pornografia.

Apostas esportivas online: um novo paradigma de adição comportamental.

A palestra inicial foi apresentada pela Dra. Maria Paula Magalhães Tavares De Oliveira, supervisora de psicoterapia de orientação psicodinâmica no Programa Ambulatorial do Transtorno do Jogo (PRO-AMJO) do Instituto de Psiquiatria da FMUSP. Com ampla experiência no transtorno de jogo, tendo atuado durante a epidemia ligada aos bingos no final da década de 1990 e início dos anos 2000, a profissional destacou como ocorreu um arrefecimento da demanda ligada ao transtorno de jogo após a proibição dos bingos, com súbita transformação desse perfil desde que as apostas de cota fixa (esportivas) foram liberadas em 2017.

Maria Paula fez questão de ressaltar durante toda sua fala as semelhanças entre o jogo patológico e o uso de substâncias psicoativas, informação imprescindível para desmistificar a ideia que o jogador sem controle padeceria de um problema moral. Assim como no uso de substâncias, pessoas com problema com jogos apresentam perda de controle, uso do jogo para lidar com emoções negativas, persistência (jogar para recuperar o dinheiro, associado a uma perda de valor do dinheiro, com as apostas envolvendo quantias cada vez mais altas), sintomas físicos de abstinência, fissura e tolerância. Os aspectos neurobiológicos do jogo problemático também são semelhantes às demais dependências, que como patologias da vontade, cursam com conflito entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico. Na dependência, a pessoa faz escolhas equivocadas pela dificuldade em resistir ao impulso em face das consequências negativas.

A pesquisadora salientou os aspectos sociais que funcionam como impulsionadores do problema. Estamos imersos em uma sociedade do consumo, com culto ao prazer, onde as redes sociais funcionam como veiculadores de uma vida artificial e irreal. Além disso, a publicidade intensiva muitas vezes usando influenciadores e personalidade dá a impressão de se tratar de algo sem consequências negativas, passando a ideia do jogo como algo “fofo”. O avanço tecnológico, por sua vez, permitiu que os jogos evoluíssem e se tornassem mais aditivos, graças ao uso de luzes, som, ambiente de jogo e artefatos que dão a sensação de controlar o jogo. Com os jogos online, as dificuldades inerentes à necessidade de se deslocar para um local para jogar somem, com uma disponibilidade 24h através de aplicativos no celular dos mais diversos tipos de jogos relacionados a uma grande quantidade de esportes, em todo o mundo.

Os apostadores de bets são, em sua maioria, homens mais jovens, solteiros e com baixo status socioeducacional. Estão mais vulneráveis aqueles que sofreram abuso e negligência na infância, possuem antecedente pessoal e familiar de dependência ou outros transtornos mentais, ganharam na primeira aposta e estão passando por situações de estresse. Aqueles que acreditam que as apostas esportivas são importantes para os esportes costumam ver menos problemas e riscos relacionados a esse comportamento e referem que seus amigos também apostam. As mulheres, por outro lado, são mais críticas em relação ao fenômeno, veem mais riscos nas apostas e acham que elas não deveriam fazer parte do mundo dos esportes. Diversão, desafio, ganhar dinheiro (status), sentir-se incluído, desejo de vivência de prazer e excitação e querer escapar de estados disfóricos são razões relatadas como motivadoras para as apostas.

São características das pessoas com transtorno de jogo ambivalência, pensamento mágico, negação (dificuldade em entrar em contato com o que tá acontecendo), dissociação, impulsividade, baixa tolerância à frustração, culpa, vergonha e dificuldade em pedir ajuda. O pilar do tratamento é a psicoterapia (individual ou em grupo) associada à intervenção motivacional, orientação familiar (ajudar a organização de gastos, maior aceitação da condição), jogadores anônimos (autoconfiantes, dificuldade em assumir vulnerabilidade e buscar ajuda, colega), tratamento medicamentoso para às comorbidades, treino de habilidades e qualidade de vida (pelo repertório empobrecido pela adição) e prevenção de recaída.

A prevenção do ponto de vista social abrange falar sobre o tema amplamente, enfatizando que aposta em esporte é aposta em jogo de azar, mediada pela aleatoriedade e que o conhecimento do esporte não determina a possibilidade de ganho, manutenção da proibição para grupos de risco, como menores de idade, regulamentação da publicidade e intervenção precoce.

Gaming Disorder: Diagnóstico e Abordagem Clínica

O Dr. Daniel Tornaim Spritzer, coordenador do Grupo de Estudos Sobre Adições Tecnológicas (GEAT) deu continuidade a discussão falando sobre o uso problemático dos jogos eletrônicos.

Inicialmente ele ressaltou a diferença entre jogar e o jogar problemático, uma vez que os jogos proporcionam benefícios na interação social e estimulam funções cognitivas como pensamento estratégico e capacidade de resolução de problemas, adaptação a contextos variados, empatia e capacidade de trabalho em equipe, além de possuírem potencial educativo grande; 3 bilhões de pessoas e 75% dos jovens brasileiros jogam vídeo game, com somente 1-3% da população tendo o transtorno, que é mais frequente em adolescentes e jovens do gênero masculino.

Conforme os critérios na CID-11, para a caracterização do transtorno é necessário a perda de controle, priorização crescente do jogo (aumento da importância na vida da pessoa), persistência do comportamento a despeito das consequências negativas, padrão contínuo dos sintomas e prejuízo (acadêmicos se estamos falando de adolescentes, ocupacionais se falamos de adultos, além de prejuízos à saúde como alteração de sono, sedentarismo). São fatores de risco: idade, comorbidades psiquiátricas (TDAH, depressão e TAS), jogar para se sentir melhor (escapismo de problemas reais, fuga de emoções negativas), quem joga de maneira competitiva e em busca de reconhecimento, relações parentais problemáticas (menor suporte, relações mais distantes, com limites arbitrários e negligência).

As características dos jogos eletrônicos também estão ligadas ao maior potencial aditivo, como jogos com criação de personagens em realidade paralela, jogos que não tem fim, jogos muito competitivos e mecanismos de reforço intermitente. O desenvolvimento dos jogos eletrônicos também está associado a uma convergência entre mecanismos dos jogos digitais e apostas – são exemplos as microtransações e as loot boxes (itens aleatórios que o jogador não sabe quais são quando vai comprá-la e o prêmio pode ser renegociado, vendido).

Daniel ressaltou como é importante uma escuta respeitosa dos adolescentes e jovens e o interesse nos jogos, uma vez que eles são o centro da vida daquela pessoa. O tratamento como outras dependências comportamentais envolve intervenções motivacionais, TCC (não é consenso na literatura, psicoterapias psicodinâmicas também podem ser recomendadas), terapia familiar e farmacoterapia, especialmente para comorbidades. Para prevenção, é importante a supervisão parental, educação digital, políticas públicas e uso positivo de jogos.

BRAIN 2025: A era das dependências tecnológicas: apostas, jogos e pornografia

Uso problemático de pornografia: caracterização e abordagem terapêutica

A última palestra foi apresentada pelo Dr. Thiago Henrique Roza, Professor Adjunto do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da UFPR.

Thiago começou a sua explanação ressaltando a popularidade crescente na última década da pornografia, que se tornou uma das principais formas de gratificação sexual e entretenimento a partir do advento do smartphone e da internet em alta velocidade, garantindo uma produção contínua de conteúdo novo em uma indústria altamente lucrativa e anonimato do usuário. Nos EUA em um estudo publicado em 2020, 94% dos homens e 87% das mulheres consumiram pornografia e a idade média do primeiro contato foi 13 anos (Thiago ressaltou o problema desse primeiro contato ocorrer tão precocemente, em um cérebro em desenvolvimento).

São desfechos adversos do uso problemático de pornografia: disfunção erétil e impotência, ejaculação precoce, baixa libido, sintomas aditivos como fissura, abstinência e tolerância, depressão e anedonia, ansiedade social particularmente na aproximação de parceiros e parceiras, redução da sensibilidade ao prazer, ideação suicida nos casos de disfunção erétil grave e condicionamento sexual (pornografia apresenta a sexualidade de forma bem específica, levando ao consumo vários vídeos, pulando para cenas específicas o que difere da sexualidade real que  tem envolvimento de outros sentidos, intimidade e conexão).

Materiais sexualmente explícitos são antigos na história da humanidade, mas houve uma mudança nesse material com o avanço da tecnologia que favorece a adição, como a grande quantidade de conteúdo novo, o aumento da qualidade técnica, a facilidade de acesso (não precisa sair do próprio quarto), a interatividade (realidade virtual) e a superestimulação (perda do interesse do sexo “tradicional”).

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O pesquisador advoga que o uso problemático de pornografia (que na classificação diagnóstica atual se insere no Transtorno de Comportamento Sexual Compulsivo) deveria ser entendido como uma adição comportamental e não como um transtorno do controle do impulso. Discutiu-se se o uso problemático de pornografia deveria ser um diagnóstico distinto, uma vez que nem todos os consumidores reportam desfechos negativos, não há clareza de dose-resposta e há um papel de valores morais e religiosidade na autopercepção do consumo, sendo a incongruência moral uma fonte de prejuízo e sofrimento.

Os estudos sobre tratamento ainda são incipientes, mas as evidências disponíveis trazem relatos promissores para terapia de aceitação e compromisso e TCC, tratamento combinado de psicoterapia com agonistas opioides e ISRS mesmo na inexistência de sintomas depressivos comórbidos.

Mensagens Finais

  • As adições comportamentais são muito semelhantes aos demais transtornos aditivos, como o uso de substâncias, com compartilhamento das características dos indivíduos que possuem os transtornos e as bases neurobiológicas;
  • O avanço tecnológico tem favorecido o aumento das dependências comportamentais;
  • Como outras adições, o tratamento das diversas adições comportamentais tem como base intervenções motivacionais e psicoterapias de diversas linhas (comportamental, psicodinâmica).

Confira os principais destaques da cobertura do BRAIN 2025!

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