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Psiquiatria20 abril 2022

Adoecimento sociogênico coletivo e a pandemia de covid-19

Um caso em uma escola de Recife trouxe a discussão sobre o fenômeno de adoecimento sociogênico coletivo no contexto da pandemia da covid-19. 

Recentemente, 26 alunos de uma escola do Recife necessitaram atendimento com mobilização de seis ambulâncias e duas motos por “crise de ansiedade” segundo o SAMU. Entretanto, não se pode negar a existência de um componente social do evento uma vez que muitos adolescentes foram afetados ao mesmo tempo com sintomatologia aparentemente semelhante. Mesmo com caráter indefinido pela escassez de informações mais detalhadas, tal fato suscita a discussão acerca do fenômeno de adoecimento sociogênico coletivo (tradução de mass sociogenic illness) no contexto da pandemia da covid-19.

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Aspectos conceituais, históricos e epidemiológicos

Fenômenos de propagação de sintomas físicos, sem causa orgânica identificada, entre pessoas pertencentes a grupos sociais congruentes possuem diferentes denominações na literatura médica como histeria coletiva, adoecimento sociogênico coletivo ou adoecimento psicogênico coletivo. Sua característica básica envolve ansiedade intensa ou medo relacionado a uma ameaça real ou imaginária. Apesar de não existir consenso acerca da definição ou do termo mais adequado, histeria coletiva pode ter conotação negativa sendo mais contestado. Destaca-se que além da falta de consenso, a qualidade da literatura sobre o tema é limitada.

Há inúmeras descrições ao longo da história de eventos semelhantes. Seus estressores aparentemente estão relacionados ao contexto social e cultural da época em que ocorrem. Um exemplo é a provável associação do adoecimento sociogênico coletivo com as condições precárias de trabalho durante a revolução industrial. Por outro lado, a partir do século XX o medo de ataques químicos ou biológicos passa a ser componente de destaque.

Grupos de maior risco para a ocorrência de sintomas seriam crianças e adolescentes do sexo feminino, porém as observações são heterogêneas. Parece haver correlação com transmissão de sintomas de pessoas mais velhas, ou mais respeitadas socialmente, para aquelas mais novas. Os sintomas geralmente são autolimitados possuindo início, recuperação e propagação rápidos. Embora classicamente tais eventos permaneçam restritos localmente, há discussão recente na literatura acerca de sua propagação através das redes sociais.

Relação com a covid-19

No caso da escola do Recife, a notícia destaca a “falta de ar” e “desmaios” como sintomas físico principais no ocorrido além de ansiedade importante. Mesmo com informações limitadas, é necessário considerar que as marcantes transformações sociais decorrentes da pandemia da covid-19 tenham contribuído para o evento. Em meta-análise de 2021, Gang Zhao et al. inclui 28 estudos (em sua maioria com ocorrência na China) na tentativa de estimar a taxa de ataque desses eventos em crianças e adolescentes. Os principais estressores identificados foram poluição da água, suspeita de ter sido envenenado e crenças sobrenaturais. Os autores relatam um possível aumento de episódios de adoecimento sociogênico coletivo em crianças e adolescentes a partir do início da pandemia. No entanto, as evidências até o momento não possibilitam estabelecer relação causal e necessitam aprofundamento.

Implicações práticas

Dois pontos práticos principais devem ser considerados. O primeiro envolve o planejamento e treinamento dos profissionais de atendimento extra-hospitalar para adequado manejo de episódios semelhantes além da necessidade de fortalecimento das redes de saúde mental para acompanhamento dos casos. Mesmo que o episódio respeite as características descritas acima, o adoecimento sociogênico coletivo é um fenômeno definido por exclusão. Nesse caso, é sempre necessário considerar outas possíveis causas. O ponto central do tratamento envolve remover ou minimizar os estressores especialmente através de medidas ambientais e de acolhimento.

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Referências bibliográficas

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