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Psiquiatria19 junho 2025

A sexualidade nas pessoas com transtorno do espectro autista

Pessoas autistas têm interesses sexuais semelhantes aos neurotípicos, mas enfrentam desafios em intimidade e maior risco de abuso.
Por Tayne Miranda

Pessoas autistas frequentemente enfrentam desafios em relacionamentos interpessoais, incluindo dificuldades na comunicação, na cognição social e no processamento emocional, que podem comprometer aspectos da intimidade e dos relacionamentos sexuais. Tais dificuldades podem ser atribuídas a comprometimentos na comunicação, comportamentos estereotipados, déficits na teoria da mente, dificuldade em expressar emoções, problemas no processamento sensorial, déficits na coordenação motora fina e questões relacionadas à autoconsciência, bem como a um descompasso entre a pessoa e o ambiente.  

Estudos recentes revelaram que adultos autistas sem deficiência intelectual apresentam interesse e comportamento sexual semelhantes a pessoas não autistas. No entanto, a qualidade desses relacionamentos é influenciada pela menor experiência amorosa, maior orientação parental, maior uso de materiais online e menor acesso à educação sexual nas escolas.  

Diversos artigos de revisão recentes abordaram o tema da sexualidade em adultos autistas, mas há inconsistências entre eles. Essas inconsistências decorrem de diferenças nas populações estudadas, nas metodologias empregadas e nos referenciais teóricos utilizados para analisar a sexualidade em pessoas autistas. Para tentar cobrir tais discrepâncias, Mahtab Motamed e colaboradores propuseram uma revisão abrangente e focada para fornecer uma compreensão mais clara sobre o tema. 

Método 

O estudo foi realizado de acordo com as diretrizes Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA). Somente artigos escritos em inglês foram incluídos. Orientação sexual e disforia de gênero, que são questões chaves da sexualidade, foram extensamente estudados em trabalhos prévios e os autores optaram por não incluir esses aspectos na revisão atual.  

Resultados 

Cinquenta e seis artigos foram incluídos. A distribuição de gênero variou, mas muitos estudos incluíam uma elevada proporção de homens, refletindo a maior frequência de diagnóstico nessa população. A idade dos participantes variou de 12 a 83 anos, com a maior parte dos trabalhos focando em uma população de 15 a 59 anos. A maior parte dos estudos foram conduzidos em países ocidentais desenvolvidos. O método mais comumente empregado para avaliar o comportamento sexual foi o autorrelato. Alguns estudos utilizaram os relatos de pais e cuidadores, bem como professores e profissionais da saúde. 

Discussão 

As pessoas com autismo apresentam interesse e cognições sexuais semelhantes aos seus pares neurotípicos. No entanto, o número de pessoas que são assexuais é maior nos autistas, bem como há uma maior percepção sobre ter um relacionamento como um problema. Autistas apresentam mais problemas com intimidade, desconforto com toques físicos, maior ansiedade sexual, menor excitação sexual, menor interesse em atividades sexuais com parceiros e menos percepções positivas de sexo do que indivíduos neurotípicos. 

Neuroatípicos tem desejo sexual comparável a neurotípicos, no entanto, os meninos autistas têm menor probabilidade de ter tido experiências sexuais com parceiros. A desregulação sensorial foi um problema comum, com muitos experimentando sobrecarga sensorial ou desconforto com certas sensações relacionadas ao sexo, como sons ou texturas. Para alguns, isso tornou todas as experiências sexuais, especialmente com parceiros, dolorosas.  

Embora pessoas autistas expressem interesses semelhantes em relacionamentos aos de seus pares neurotípicos, suas experiências nas relações diferem bastante devido a dificuldades de comunicação, mal-entendidos sociais e menores oportunidades de conhecer novos parceiros. Além disso as aproximações com interesse sexual das outras pessoas são vistas como mais persistentes e às vezes semelhantes à perseguição. Aqueles com traços de autismo mais pronunciados relataram menor satisfação sexual e nos relacionamentos em comparação com indivíduos neurotípicos.  

Pessoas autistas têm conhecimento sexual adequado, mas a aplicação prática do que aprendem ou são ensinados sobre relacionamentos sexuais parece ser um grande obstáculo, o que pode ser explicado pela tendência à literalidade e pelas dificuldades na comunicação social, levando há uma desconexão entre esse conhecimento e as habilidades sociais da vida real.  

Comportamentos sexuais atípicos são mais frequentes nos indivíduos com TEA, como hipersexualidade, fetichismo, parcialismo, uso de objetos durante a masturbação e comportamentos parafílicos, sendo relatados com mais frequência entre homens autistas, o que se deve a várias causas, como sensibilidades sensoriais, diferenças no processamento cognitivo ou julgamento social prejudicado. Por exemplo, alguns indivíduos podem se envolver em atividades online inapropriadas por falta de compreensão das normas sociais. 

Pessoas com TEA apresentam taxas significativamente mais altas de vitimização emocional, física e sexual em comparação com não autistas. Há muitos estudos mostrando consistentemente que indivíduos autistas correm maior risco de serem vítimas de violência sexual em comparação com seus pares neurotípicos.  

Pesquisas mostram que, embora mulheres autistas frequentemente relatem níveis mais baixos de interesse sexual em comparação com seus colegas homens, elas são mais propensas a se envolver em atividades sexuais indesejadas e a sofrer investidas sexuais indesejadas em comparação com mulheres com desenvolvimento típico. Desse modo, mulheres autistas correm um risco maior de experiências sexuais negativas, incluindo vitimização e abuso, em comparação com homens autistas.  

Limitações 

  • A maioria dos estudos foi conduzida em países ocidentais desenvolvidos, limitando a generalização dos achados a diversos contextos culturais; 
  • O uso de dados autorrelatados e as amostras pequenas em muitos estudos pode levar a vieses e pouca representatividade; 
  • Mais estudos longitudinais e em larga escala são necessários para melhor capturar a trajetória de desenvolvimento do comportamento sexual em indivíduos autistas ao longo do tempo, bem como para identificar possíveis mudanças nas experiências ou necessidades ao longo dos diferentes estágios da vida; 
  • A heterogeneidade do autismo precisa ser levada em conta, pois pode ser inadequado generalizar descobertas com origens heterogêneas em todo o espectro. 

Impactos para a Prática Clínica 

  • Indivíduos autistas compartilham interesses e desejos sexuais comuns, mas enfrentam desafios distintos, como sensibilidades sensoriais, dificuldades de comunicação e barreiras sociais, que podem complicar seus relacionamentos românticos e sexuais; 
  • A revisão ressalta a importância de uma educação em saúde sexual personalizada que aborde esses desafios e destaca a necessidade de intervenções de apoio, especialmente para aqueles com maior risco de vitimização; 
  • Discussões sobre sexualidade devem ser incorporadas aos cuidados de saúde mental de rotina para indivíduos autistas, criando um espaço de apoio onde tópicos como relacionamentos, identidade sexual e segurança pessoal possam ser explorados confortavelmente e sem estigma. 

Veja também: Quais os direitos da população autista?

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Referências bibliográficas

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