Neste podcast especial da PEBMED em parceria com a Pfizer vamos falar sobre a Polineuropatia Amiloidótica Familiar (PAF) e seus tratamentos.
Este conteúdo foi produzido pela Afya em parceria com Pfizer de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal Afya.
Neste episódio especial da PEBMED em parceria com a Pfizer, Marcelo Gobbo, médico de comunidade e família e editor médico do Portal recebe a neurologista Viviane Carvalho para falar sobre PAF, a Polineuropatia Amiloidótica Familiar, uma condição rara que pode ter sua trajetória modificada quando identificada precocemente e adequadamente tratada.
Primeiro, para entender essa doença é preciso falar sobre a amiloidose.
Quando falo de Amiloidose, estou me referindo a um grupo de doenças raras, causadas pelo depósito de proteínas insolúveis no organismo. Ao contrário das proteínas normais do nosso corpo, que são capazes de se degradarem, essas proteínas insolúveis se depositam nos órgãos e tecidos, causando danos¹.
Elas formam os chamados “depósitos amiloides”, que geram uma fibrila insolúvel nos tecidos, incapaz de ser eliminada pelo organismo1.
Diferentes proteínas podem gerar os depósitos amiloides, entre elas a transtirretina que, por alterações genéticas, acaba tendo sua conformação original alterada. Essas proteínas vão se depositar nos tecidos, e esse depósito leva aos sinais e sintomas da PAF².
Hoje aqui vou falar um pouco da Polineuropatia Amiloidótica Familiar, a PAF.
A PAF também é conhecida como Paramiloidose, ou ainda mais vulgarmente como Doença dos Pezinhos.
Essa é uma doença crônica, progressiva, de herança autossômica dominante. Tem envolvimento multissistêmico grave. E se não tratada, tem sobrevida média estimada de 10 anos³.
Estou dando destaque aqui ao envolvimento neurológico, mas sabemos que essa doença afeta também a função oftalmológica, cardiovascular, gastrointestinal e renal².
Ela foi descrita pelo Dr Corino de Andrade, em Portugal.
Em 1939, ele atendeu uma paciente residente de um Vilarejo de Portugal que se queixava de dormência, formigamento, dores nos pés, dificuldade para andar, diarreias e perturbações nos membros superiores. A paciente relatou ainda que outros familiares e vizinhos tinham queixas semelhantes4.
Alguns na época já chamavam esse conjunto de sinais e sintomas de “Mal dos pezinhos”, ou “Doença dos Pezinhos” porque os sintomas começavam nos pés.5.
Ela foi oficialmente descrita em 1952, através do trabalho publicado na revista Brain, pelo Dr Corino de Andrade.
Esse trabalho, intitulado em inglês como “Uma forma peculiar de Neuropatia Periférica”..
Um trabalho muito bonito por sinal, para quem tiver oportunidade de ler… vale a pena. A partir de então a doença passou a ser mundialmente conhecida5.
Nessa descrição original, ele descreve 4 principais características:
1) Paresia de extremidades, principalmente de membros inferiores;
2) Prejuízo precoce de sensibilidade térmica e dolorosa, começando e sendo predominante também nos pés;
3) Desordens gastrointestinais e
4) Desordens sexuais e esfincetrianas5.
Por ter origem genética existem alguns focos de doença, que são conhecidas como regiões endêmicas.
Até 1990, a PAF era considerada endêmica ao norte de Portugal, norte da Suécia e duas regiões do Japão. Desde a década de 1990, novas áreas endêmicas foram relatadas como: Chipre e Maiorca².
Aqui no Brasil temos uma importante ancestralidade portuguesa e por isso é importante o conhecimento dessa doença6.
Acredito que a doença está ainda subestimada e provavelmente com o maior conhecimento sobre a doença a incidência deve aumentar.
Isso é bastante interessante, e entender como a doença acontece é fundamental para entender a dimensão dela.
De uma forma natural, todos nós produzimos uma proteína chamada transtirretina, a TTR. Essa proteína é sintetizada principalmente no fígado (mas também no plexo coroide e na retina)2,7.
A TTR está presente no plasma e no líquor, tem como função principal fazer o transporte da tiroxina e do retinol. Outras funções dessa proteína estão sendo estudadas também mais recentemente7.
Normalmente, a TTR apresenta uma conformação tetramérica. Porém, pode ocorrer uma desestabilização dessa estrutura, e consequentemente, uma dissociação dessa conformação tetramérica em monômeros. Isso pode acontecer tanto por mutações (na forma hereditária) ou por outros mecanismos (na forma senil)2,8. A forma senil/selvagem tem manifestações majoritariamente cardíacas9.
A partir desses monômeros que foram formados, ocorrerá um enovelamento incorreto com formação de agregados amiloides que podem se depositar em diversos tecidos e assim causar a doença2.
É por esse motivo que se trata de uma patologia multissistêmica, e a depender dos locais que essas proteínas amiloides se depositam haverá manifestação.
Já foram detectadas cerca de 140 mutações nessa proteína, sendo maioria delas patogênica. Então na PAF temos uma grande variabilidade genotípica9.
É importante ressaltar ainda que apesar de ser uma doença autossômica dominante, a penetrância do gene pode ser incompleta, e por isso pode haver aparentemente casos esporádicos na família10.
A penetrância incompleta é caracterizada quando nem todas as pessoas portadoras de um dado alelo manifestam o fenótipo esperado10.
A forma clássica é a forma de início precoce, que tem início por volta dos 30 anos de idade. O paciente inicialmente apresenta uma neuropatia de fibras finas com disautonomia. As manifestações mais comuns são parestesias, disestesias, com componente doloroso nos pés, além dos sintomas disautonômicos que são muito variáveis e frequentemente atribuídos a outras condições9.
São exemplos a hipotensão postural, impotência sexual, sensação de plenitude gástrica, diarreia e/ou constipação.11
Não se pode esquecer que na fase inicial a eletroneuromiografia é normal, visto que esse exame, de forma convencional, não estuda as fibras finas. Conforme a doença avança e outras fibras são acometidas, a eletroneuromiografia se altera. Por isso, é sempre necessário entender as limitações dos exames complementares e não pular etapas12.
Já na forma tardia, o início dos sintomas ocorre após os 50 anos de idade, com padrão de polineuropatia sensitivo-motora. O paciente desde o início já apresenta comprometimento motor e de todas as fibras sensitivas. Então nesta forma, em geral, a eletroneuromiografia já está alterada. Esses pacientes também apresentam algum grau de disautonomia, embora normalmente isso não seja pesquisado de forma objetiva, o que gera aumento de erros diagnósticos11.
Quais são os sinais de alerta?
A dica maior aqui é a abordagem ativa de sinais e sintomas de disautonomia, visto que na maioria das outras neuropatias, o componente disautonômico não se manifesta tão precocemente13.
Se você está diante de um paciente com sinais de disautonomia, que não são justificados por uma doença específica, cuidado!
Para exemplificar alguns sinais de alarme para pensar em PAF, que podem passar despercebidos por alguns colegas, podemos citar:
– A síndrome do túnel do carpo bilateral principalmente com casos recorrentes em familiares
– Disfunção sexual precoce sem causa conhecida
– Diarreia ou constipação, que podem ser alternadas; por vezes com emagrecimento importante
– Um caráter progressivo e grave de neuropatia
– Opacidades de vítreo; macroglossia
– Cardiomiopatia hipertrófica
– Proteinúria
– Ausência de resposta a imunoglobulina (por exemplo um CIDP que não responde a imuno)
– E de uma forma geral as neuropatias com acometimento autonômico principalmente precoce14.
O que vejo na prática é que muitas vezes os pacientes passam por diversos profissionais, às vezes especialistas, já que se trata de uma doença sistêmica, como eu já disse, com sintomas muito variados. E a maioria dos pacientes levam muitos anos até ter um diagnóstico correto e isso vai impactar diretamente no prognóstico desses pacientes.
A principal mensagem que eu quero deixar aqui é: “na medicina, a gente só suspeita do que a gente conhece ou pelo menos já ouviu falar”
Então agora eu espero que vocês já sejam capazes de desconfiar desse diagnóstico diante de um paciente com história e clínica compatível.
Se você está diante de um paciente com neuropatia sem diagnóstico bem definido, com sinais de disautonomia precoce, é melhor prosseguir com a investigação.
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