Quais são as principais mudanças trazidas no tratamento de DPOC no GOLD 2023?
Neste artigo trazemos as atualizações do documento GOLD (Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease) sobre a DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica).
Este conteúdo foi produzido pela Afya em parceria com Chiesi de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal Afya.
A DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) é uma das três primeiras causas de morte no mundo.1 O documento GOLD (Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease) publicado em 20232 trouxe atualizações desde a definição da doença ao seu manejo farmacológico.
Qual é a nova definição da DPOC?
Sintomas respiratórios crônicos (dispneia, tosse, expectoração) secundários a alterações nas vias aéreas (bronquite) e/ou alvéolos (enfisema), levando à obstrução persistente do fluxo aéreo (VEF1/CVF < 0,7 pós-broncodilatador) e, eventualmente, de caráter progressivo. Ela é resultante da interação entre fatores genéticos e exposições ambientais (tabaco, poluição, gases tóxicos, entre outros).2
Ouça também: Como identificar e tratar exacerbações de DPOC? [PODCAST]
Expandindo os horizontes — muito além do tabagismo
Um dos principais pontos trazidos pelo GOLD 20232 é uma nova classificação/taxonomia:
- DPOC-G (geneticamente determinada): por exemplo, deficiência de alfa 1 antitripsina e outras combinações de variantes genéticas;
- DPOC-D (desenvolvimento pulmonar anormal): eventos associados à infância, como baixo peso ao nascer e parto pré-termo;
- DPOC ambiental se subdividindo em DPOC-C e DPOC-P:
- DPOC-C (tabagismo ativo ou passivo de cigarro industrial, ou de cigarro eletrônico ou de cannabis);
- DPOC-P (poluição do ar, exposição à queima de biomassa, riscos ocupacionais);
- DPOC-I (infecções na infância, pós-tuberculose, associada ao HIV);
- DPOC-A (associação com asma, particularmente, desde a infância);
- DPOC-U (etiologia desconhecida).
Como fazer a avaliação inicial?
Após confirmar o diagnóstico por meio do quadro clínico e da espirometria com broncodilatador, deve-se:2
- Graduar a limitação ao fluxo aéreo com base na porcentagem do VEF1 pós-broncodilatador;
- Avaliação sintomática (escala de dispneia mMRC – modified Medical Research Council; questionário CAT – COPD Assessment Test);
- Exacerbações prévias — especialmente no último ano (acessar frequência e gravidade);
- Presença de outras comorbidades (por exemplo, doença cardiovascular, neoplasia);
- O conceito de pré-DPOC foi definido nesse documento como presença de sintomas respiratórios e/ou alteração estrutural (por exemplo, enfisema) e/ou alteração funcional (por exemplo, aprisionamento aéreo), na ausência de obstrução na espirometria pós-broncodilatador (ou seja, VEF1/CVF > 0,7). Ainda não se sabe se esses indivíduos vão desenvolver a DPOC ou qual a melhor estratégia para tratá-los, sendo importante a realização de estudos prospectivos nessa população.4
O “novo ABCD” do GOLD 2023
A atualização do documento reforça o impacto das exacerbações independente do grau de sintomas do paciente, trazendo uma nova ferramenta de avaliação denominada “ABE”.2
Os grupos A e B permaneceram, porém os grupos C e D agora são denominados grupo “E”.
Assim, de forma mais detalhada:2
- Grupo A: Oligossintomático (mMRC 0-1; CAT < 10) e pouco exacerbador (0 a 1 exacerbação moderada).
- Grupo B: Sintomático respiratório (mMRC ≥ 2; CAT ≥ 10) e pouco exacerbador (0 a 1 exacerbação moderada).
- Grupo E: Exacerbador (≥ 2 exacerbações moderadas ou ≥ 1 hospitalização no ano anterior), independente do grau de sintomas respiratórios.
Quais os objetivos do tratamento farmacológico na DPOC?2
Redução de sintomas e melhorar capacidade de exercício, além de redução da frequência e da gravidade das exacerbações.
Lembrar-se de sempre abordar cessação de tabagismo, pois esse é um dos principais modificadores do curso natural da doença!
Broncodilatadores:2
- Beta-2 agonistas de longa ação (LABA) — estimulam receptores beta adrenérgicos levando ao relaxamento da musculatura lisa das vias aéreas, permitindo melhora sintomática e da função pulmonar.
- Antimuscarínicos de longa ação (LAMA) — bloqueiam efeitos broncoconstritores da acetilcolina nos receptores muscarínicos M3 da musculatura lisa das vias aéreas. Além da melhora sintomática, alguns trabalhos evidenciaram redução do número de exacerbações e hospitalizações com o uso dessa classe de broncodilatador.
Posso combinar classes diferentes de broncodilatadores?
Combinar broncodilatadores de mecanismos de ação distintos aumenta o grau de broncodilatação com baixo perfil de efeitos adversos, levando à melhora de VEF1 e de sintomas respiratórios, além de prevenir futuras exacerbações. Além disso, o uso de inalador único parece ser mais efetivo e conveniente do que o uso de múltiplos dispositivos inalatórios.5
Quando devo associar corticoide inalatório (ICS) aos broncodilatadores?
É importante compreender qual é o traço tratável do indivíduo, permitindo um tratamento personalizado para esse paciente. Dessa maneira, um dos biomarcadores utilizados é o nível sérico de eosinófilos, o qual prediz a magnitude de resposta do ICS (somado aos broncodilatadores de manutenção) em prevenir futuras exacerbações, conforme análises post-hoc de estudos prévios.4,6,7
As evidências atuais sugerem que indivíduos com contagem de eosinófilos séricos < 100 células/µL têm baixa probabilidade de se beneficiar com o tratamento com ICS. Em contrapartida, níveis ≥ 300 células/µL identificam pacientes com maior probabilidade de benefício com esse tipo de terapia anti-inflamatória.2
Além disso, é importante ressaltar que o efeito do tratamento de esquemas contendo ICS é maior nos indivíduos exacerbadores (grupo E). Assim, a contagem de eosinófilos no sangue deve sempre ser combinada com a estratificação clínica do risco de exacerbações.2
Qual o perfil de paciente ideal para a terapia tripla inalatória?
Pacientes exacerbadores (≥ 1 hospitalização ou ≥ 2 exacerbações moderadas no último ano) com eosinófilos séricos ≥ 300 células/µL. Além daqueles com sobreposição ou antecedente de asma.2,3,4
Além disso, o documento favorece o uso de terapia tripla naqueles pacientes que tiveram uma exacerbação moderada no último ano e níveis séricos de eosinófilos entre 100 e 300 células/µL. Já para pacientes com eosinófilos séricos < 100 células/µL e naqueles indivíduos com antecedente de infecção por micobactéria ou com histórico de pneumonias de repetição (> 2 episódios de pneumonia no último ano), a terapia tripla não é indicada.2,3,4
Veja também: Quando suspeitar de DPOC? Características e sintomas [VIDEOCAST]
Conclusão
A DPOC é uma doença muito prevalente, potencialmente grave, evitável e tratável. Com a nova classificação do GOLD 2023, percebemos que ela vai muito além do tabagismo.
Para a confirmação diagnóstica, é necessária a realização de espirometria com broncodilatador, demonstrando obstrução ao fluxo aéreo. Além disso, é imprescindível a estratificação dos sintomas respiratórios (escala mMRC ou escore CAT) e acessar o histórico e a gravidade de exacerbações prévias.
Nos pacientes do grupo E (exacerbador) deve-se mensurar os níveis de eosinófilos séricos para estimar a resposta ao tratamento com corticoide inalatório e prevenir novas exacerbações.
Assim, com o avanço da medicina personalizada, é possível identificar os traços tratáveis do paciente, permitindo um tratamento otimizado, visando melhora sintomática e funcional, além da redução de exacerbações futuras.
Além dos benefícios farmacológicos, vale ressaltar que a comodidade posológica da terapia combinada em dispositivo único facilita a adesão ao tratamento inalatório.
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