Logotipo Afya
Anúncio
Pneumologia17 abril 2024

PASC: a cobertura específica para anaeróbios é necessária? 

PASC é uma infecção pulmonar bacteriana decorrente da aspiração de conteúdo gástrico ou da orofaringe, representando até 15% do universo das pneumonias adquiridas na comunidade
Por Leandro Lima

O senso comum é o de que as bactérias anaeróbias desempenham um papel crucial na microbiologia da pneumonia aspirativa comunitária (PASC), pelo fato de serem componentes da microbiota oral e gastrointestinal. Entretanto, o perfil epidemiológico da PASC se modificou muito nas últimas décadas, de modo que as diretrizes da American Thoracic Society (ATS) e a Infectious Diseases Society of America (IDSA), a partir de 2019, passaram a não mais indicar a cobertura estendida rotineira para anaeróbios na PASC.  

Alguns estudos observacionais e um RCT pequeno corroboraram a ausência de benefícios em termos de mortalidade com a cobertura específica para anaeróbios, mas as amostras limitadas não tiveram poder estatístico suficiente para descartar pequenas diferenças.  

O presente estudo, publicado em 2024 na CHEST, teve como objetivo ampliar as evidências sobre esse tema tão importante, com um N que superou em 4 vezes o conjunto dos estudos mencionados previamente, potencializando a capacidade discriminativa entre os desfechos de interesse.  

PASC: a cobertura específica para anaeróbios é necessária? 

Imagem de freepik

Panorama geral da PASC

A pneumonia aspirativa comunitária (PASC) destaca-se por sua alta mortalidade, com risco relativo de 3,62 (IC 95%: 2,65 a 4,96) em relação às outras apresentações de PAC.  

O papel dos anaeróbios, antes tido como prioritário, foi redefinido em estudos prospectivos mais recentes, com taxa geral de isolamento de 0,5%, o que representa apenas 16% dos casos em que a microbiologia é positiva.  

Abrir mão da cobertura estendida para anaeróbios tem se mostrado uma conduta segura, que não aumenta a mortalidade e permite mitigar o risco de complicações, como a colite por Clostridioides difficile, além de minimizar a pressão seletiva para a resistência antimicrobiana.  

Leia também: Pneumonia grave adquirida na comunidade: diagnóstico e tratamento

Metodologia 

Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo e multicêntrico que buscou responder se, entre os pacientes internados por pneumonia aspirativa comunitária (PASC), há diferenças em termos de mortalidade intra-hospitalar por todas as causas (desfecho primário) e risco de colite por Clostridioides difficile (desfecho secundário) quando se emprega uma antibioticoterapia com cobertura limitada para anaeróbios (CLA) em relação a uma cobertura estendida (CEA)? 

Foram incluídos pacientes internados em 18 hospitais da cidade de Ontario, no Canadá, entre 2015 e 2022, por meio da base de dados GEMINI, que receberam o diagnóstico de PASC pelo médico assistente e que foram, portanto, tratados com antibioticoterapia parenteral de primeira linha nas primeiras 48 horas de admissão.     

Cobertura de anaeróbios 
Limitada (CLA) Estendida (CEA) 
  • Ceftriaxona 
  • Cefotaxima 
  • Levofloxacino 
  • Amoxicilina-clavulanato 
  • Moxifloxacino 
  • CLA + Clindamicina ou Metronidazol 
Cobertura apenas parcial para anaeróbios, incluindo espécies de Peptostreptococcus da cavidade oral.  Cobertura da maioria dos anaeróbios orais e intestinais, incluindo o grupo Bacteroides fragilis. 

Os critérios de exclusão foram óbito precoce que precedesse o início da antibioticoterapia, abscesso ou empiema pulmonar e antibioticoterapia oral exclusiva. 

Os participantes foram pareados com base na idade, sexo, institucionalização, localidade do hospital de admissão, comorbidades (índice de Charlson) e gravidade com base no modified Laboratory-based Acute Physiology Score  (mLAPS). 

A análise modificada de intenção de tratamento valeu-se da exposição ao mesmo antimicrobiano por pelo menos 1 dia ou até a morte ou alta hospitalar. Um modelo de risco competitivo foi utilizado para avaliar o tempo para a alta hospitalar com o contraponto de eventos de óbito.  

O balanceamento das covariáveis foi realizado com um método baseado em escore de propensão.    

Resultados 

O estudo incluiu 3.999 indivíduos, distribuídos na taxa de 2:1 para os grupos CLA e CEA: 2.863 e 1.316 pacientes, respectivamente.   

As características basais dos grupos foram semelhantes, por exceção do hospital e ano de admissão. A proporção de exposição ao grupo CLA aumentou entre 2015 e 2021, fato atribuído à adoção crescente das diretrizes da ATS/IDSA. 

A identificação das bactérias causadoras foi possível em apenas 0,4% dos casos (17 pacientes), incluindo Klebsiella spp, Escherichia coli e Staphylococcus aureus. 

A mediana de duração da antibioticoterapia foi de 5 (IQR 3 a 7 dias) e 7 dias (IQR 4 a 8 dias) nos grupos CLA e CEA, respectivamente.  

A mortalidade intra-hospitalar foi de 30,3% vs. 32,1% e a colite por C. difficile foi diagnosticada em menos de 0,2% e entre 0,8 e 1,1% nos grupos CLA e CEA, respectivamente. 

Os dados analisados após o escore de propensão demonstraram que, para mortalidade intra-hospitalar, a diferença de risco ajustada entre os grupos CLA e CEA foi de 1,6% (IC 95%: – 1,7% a 4,9%) e, no modelo de risco competitivo, razão de chances padrão (sHR) ajustada para sobrevivência à alta hospitalar foi de 0,92 (IC 95%: 0,84 a 1,0). Por sua vez, o risco de colite por C. difficile foi de 1% (IC 95%: 0,3 a 1,7%).       

As readmissões em 30 dias foram de 18,5% e 18,3% nos grupos CLA e CEA, respectivamente. 

Saiba mais: Há um antibiótico ideal para a pneumonia comunitária leve a moderada?

Conclusão e mensagens práticas: anaeróbios na PASC 

  • A cobertura estendida para anaeróbios diante de casos de pneumonia aspirativa comunitária que demandam internação e terapia parenteral é, provavelmente desnecessária, não se associando a melhora da mortalidade intra-hospitalar e trazendo risco de complicações, como a colite por Clostridioides difficile. 
  • A generalização dos dados para a população brasileira é limitada, por se tratar de amostra exclusiva da população canadense. Entretanto, há plausibilidade em transpor essas condutas ao nosso cenário, tendo em vista a universalidade dos princípios fisiopatológicos subjacentes.
Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo