WFPICCS 2024: PICU Liberation - Elemento A: avaliar, prevenir e manejar a dor
O workshop pré-congresso PICU Liberation da World Federation of Pediatric Intensive and Critical Care Societies (WFPICCS), realizado no dia 2 de junho de 2024, em Cancún, México, foi um grande sucesso, ratificando um novo conceito de atendimento de qualidade em terapia intensiva pediátrica. O ICU Liberation consiste em uma iniciativa da Society of Critical Care Medicine (SCCM) que consiste em “liberar” o paciente o mais rápido possível do ambiente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e que vem sendo aplicada com sucesso tanto em unidades de pacientes adultos quanto pediátricos (PICU é a abreviatura de Pediatric Intensive Care Unit = Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, UTIP).
O PICU Liberation compreende os seguintes elementos:
- A) Assess, Prevent, and Manage Pain = Avaliar, prevenir e manejar a dor;
- B) Breathe: Mechanical Ventilation Weaning Strategies in Critically Ill Children = Respire: Estratégias de desmame da ventilação mecânica em crianças gravemente enfermas;
- C) Choice of Analgesia and Sedation = Escolha da analgesia e da sedação;
- D) Delirium: Assess, Prevent, and Manage = Delirium: Avaliar, prevenir e manejar;
- E) Early Mobility and Exercise = Mobilização e exercícios precoces;
- F) Family Engagement and Empowerment = Envolvimento e autonomia (empoderamento) da família.
Neste artigo, irei resumir o primeiro elemento (A).
A) Assess, Prevent, and Manage Pain = Avaliar, prevenir e manejar a dor
O tema foi abordado pela enfermeira Lisa McIlmurray (Irlanda) e pela anestesista e intensivista pediátrica Heidi Smith (Estados Unidos). As palestrantes parafrasearam McCaffery (1968): “dor é tudo o que a pessoa que a vivencia diz que existe, existindo seja lá o que for e onde quer que a pessoa diga que sinta”. Ademais, enfatizaram os impactos que a dor não tratada pode trazer ao paciente pediátrico: alterações fisiológicas, complicações respiratórias, atraso na recuperação, efeitos psicológicos, prejuízo na função imune, distúrbios do sono, atraso de desenvolvimento e aumento dos custos de saúde. E, no contexto da dor, é extremamente importante considerar as diferentes faixas etárias da criança, desde o período neonatal (seja o bebê prematuro ou não) até a adolescência, pois há diferenças significativas no tocante à: idade e estágio de desenvolvimento cognitivo, habilidades de comunicação, condições subjacentes, heterogeneidade na expressão da dor, fatores psicológicos, influências dos pais e dos cuidadores e diferenças individuais.
Avaliação
As ferramentas para avaliação de dor recomendadas para uso em UTIP:
- Autorrelato:
- Escala numérica;
- Escala visual analógica;
- Escala de faces de Wong-Baker.
- Escalas comportamentais:
- FLACC (Face, legs, activity, crying, consolability);
0 a 4 = dor leve; 4 a 7 = dor moderada; 7 a 10 = dor intensa.
- CRIES (Crying Requires oxygen Increased vital signs Expression Sleep Pain Scale);
- NIPS (Neonatal Infant Pain Scales).
Lisa McIlmurray explicou o uso da escala COMFORT-Behavior. Segundo a palestrante, a escala tem o objetivo de avaliar o conforto do paciente e mostrou as correspondências entre a pontuação da COMFORT-Behavior e as escalas de FLACC e NISS (Nurse Interpretation Sedation Score) (1=sedação insuficiente; 2 = sedação adequada; 3 = sedação excessiva):
- COMFORT-Behavior > 17:
- FLACC <4 / NISS <2 = necessidade de ajuste na sedação: considerar aumentar/adaptar a sedação;
- FLACC >4 / NISS ≥2 = necessidade de ajuste na analgesia: considerar aumentar/adaptar a analgesia.
- COMFORT-Behavior 12-17:
- FLACC < 4 / NISS ≤ 2 = o paciente está confortável.
- COMFORT-Behavior 10-12:
- FLACC < 4 / NISS ≥ 2 = considerar reduzir a sedação.
- COMFORT-Behavior <10:
- O paciente está muito sedado = reduzir a sedação.
Prevenção
A Dra. Heidi Smith destacou que a dor evoca uma série de respostas fisiológicas, comportamentais e neurofisiológicas do sistema nervoso central (SNC):
- Respostas frequentemente concordantes (por exemplo: taquicardia, retirada de membro);
- Fatores do desenvolvimento cognitivo ou da doença podem levar a indicadores discordantes de dor.
Portanto, com o objetivo de prevenir a dor, é de suma relevância que a equipe:
Torne a dor visível:
- As abordagens como a avaliação de eletroencefalograma (EEG) podem ser utilizadas como medidas de resultados consistentes;
- Melhorar o desenho do estudo para estudos farmacológicos e intervencionistas da dor.
Faça a dor ser compreendida:
- Desenvolver métodos para melhorar o tratamento e ter atenção às propriedades farmacológicas dos analgésicos.
Faça a dor ser importante nos cuidados diários do paciente em UTIP:
- Discutir a avaliação, o manejo e os alvos analgésicos durante os rounds interdisciplinares diários;
- Antecipar eventos passíveis de causar dor aguda;
- Criar um plano analgésico preventivo com paciente/família;
- Antecipar eventos que possam causar dor aguda;
- Criar um plano analgésico preventivo com paciente/família;
- Discutir expectativas e sinais apropriados que definem a dor neste paciente.
A Dra. Heidi Smith também abordou os obstáculos para a avaliação da dor na UTIP e um deles é o uso da sedação e do bloqueio neuromuscular. Nesse caso, não há ferramentas válidas baseadas em parâmetros fisiológicos ou comportamentais. Neste caso, os pacientes acabam sendo pontuados frequentemente como sem dor. Portanto, é necessária uma avaliação multidimensional:
- ASSUMIR: Tenha sempre em mente que a dor é provável se houver uma nova fonte de dor (um novo dispositivo, por exemplo);
- ANTECIPE: Previna a dor durante os procedimentos, usando a analgesia como prova terapêutica;
- TESTE: Presuma que o paciente tem dor e trate;
- TENDÊNCIA: Tenha cuidado com o uso de indicadores fisiológicos: sinais vitais, isoladamente, não devem ser usados como indicativos de dor.
Manejo
De acordo com Lisa McIlmurray, o manejo não farmacológico da dor consiste em (os pacientes ou cuidadores podem participar ou liderar essa abordagem): posicionamento do paciente no leito; massagem; ludoterapia; arteterapia; técnicas de mindfulness (atenção plena); biofeedback; terapia com realidade virtual; imagens guiadas; contar histórias; musicoterapia; terapia com pets; muitos abraços! Todavia é relevante: preparar adequadamente a equipe; capacitar a equipe à beira-leito para individualizar a avaliação ou o manejo da dor; educação contínua e fornecimento de recursos necessários para a sustentabilidade; tornar o ambiente psicologicamente seguro com contribuição interdisciplinar.
Orientações do PANDEM Guidelines da Society of Critical Care Medicine (SCCM) de Smith e colaboradores (2022):
Sugestões
- Em pacientes pediátricos críticos ≥6 anos de idade capazes de se comunicar, a avaliação da dor deve ser feita através de escalas de autorrelato, como a Escala Visual Analógica, a Escala Numérica, a Escala Oucher ou a Escala de Faces de Wong-Baker;
- Ferramentas de avaliação da dor por meio de observação de comportamento devem ser usadas ao invés de somente os sinais vitais para a avaliação da dor relacionada a procedimentos em pacientes em UTIP;
- Adicionar um antiinflamatório não esteroidal (AINE) intravenoso (IV) ou via oral (VO) para reduzir a necessidade de opioides no pós-operatório imediato em crianças críticas;
- Adicionar paracetamol adjuvante IV ou VO para melhorar a analgesia pós-operatória precoce em pacientes pediátricos criticamente enfermos;
- Adicionar paracetamol adjuvante IV ou VO para reduzir a necessidade de opioides no pós-operatório imediato em pacientes pediátricos criticamente enfermos.
Recomendações
- Pacientes pediátricos não verbais/não comunicativos: usar as escalas FLACC ou COMFORT-Behavior;
- Dor pós-operatória em UTIP: usar ferramentas de avaliação da dor por meio de observação de comportamento ao invés de somente os sinais vitais;
- Usar opioides IV como analgésicos primários para o tratamento de dor moderada a intensa;
- Adicionar um AINE IV ou VO para melhorar a analgesia pós-operatória precoce em pacientes pediátricos críticos;
- Oferecer musicoterapia para aumentar a analgesia;
- Oferecer sucção não nutritiva com sacarose oral a recém-nascidos e lactentes jovens antes de realizar procedimentos invasivos.
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