WFPICCS 2024: PICU Liberation - D) Delirium
O objetivo da iniciativa ICU Liberation da Society of Critical Care Medicine (SCCM) é “liberar” o paciente o mais rápido possível da unidade de terapia intensiva (UTI) e foi um tema muito abordado no congresso da World Federation of Pediatric Intensive and Critical Care Societies 2024 (WFPICCS). Juntamente com a enfermeira Debbie Long (Austrália), eu apresentei o elemento D referente ao delirium e sumarizado a seguir.
D) Delirium
O primeiro passo para o manejo do delirium é a sua detecção e, para detectar o delirium, é importante saber sua definição. O delirium é uma síndrome de disfunção cerebral aguda que se apresenta com flutuações de gravidade e ocorre como uma consequência fisiológica direta de uma condição clínica ou cirúrgica. O delirium é classificado de acordo com seus sintomas psicomotores em hiperativo, hipoativo ou misto. No delirium hiperativo, o paciente é apático, sem interação com o ambiente e acaba sendo um grande desafio pela dificuldade diagnóstica, mesmo sendo o subtipo mais prevalente. O delirium hiperativo é caracterizado por irritabilidade e agitação e, apesar de ser mais facilmente reconhecido, é o menos prevalente. Quando o paciente apresenta tanto hipo ou hiperatividade, é classificado como tendo o subtipo misto.
Além disso, gostaria de destacar a diferença linguística entre a palavra “delírio” em português e espanhol, e o delirium. Na verdade, nas versões traduzidas do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais quinta edição (DSM-5) em ambos os idiomas, a palavra “delírio” refere-se a alterações da percepção (transtorno psiquiátrico em que o paciente acredita em algo que não é real) e o delirium (em latim e em itálico) representa a manifestação clínica da disfunção cerebral aguda. Infelizmente, essa diferença acaba se refletindo na interpretação dos resultados e também na grafia de muitas publicações científicas sobre o assunto.
O delirium é muito comum na UTIP, com taxas relatadas que chegam a 80% em diversas condições de doença. Em revisão sistemática publicada em 2022, Semple et al. descobriram que o delirium pediátrico, conforme determinado pelo escore Cornell Assessment of Pediatric Delirium (CAPD) é estimado em 34% das admissões em cuidados intensivos. Além disso, num estudo internacional de prevalência pontual, a Dra. Chani Traube e seus colaboradores (2017) relataram que 25% dos pacientes nas 25 UTIP participantes tiveram resultado positivo para delirium por meio CAPD e, para crianças que permaneceram na UTIP por 6 ou mais dias, a taxa de prevalência de delirium foi de 38%. Assim, o delirium deve ser considerado uma síndrome com potencial de se desenvolver em todos os pacientes pediátricos gravemente enfermos.
Para avaliação do delirium, as Diretrizes PANDEM da SCCM recomendam as escalas Preschool e Pediatric Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit (ps/pCAM-ICU) ou o CAPD como as ferramentas de monitoramento de delirium mais válidas e confiáveis em pacientes pediátricos gravemente enfermos. O psCAM-ICU pode ser utilizado em pacientes desde o período neonatal até crianças com menos de 5 anos de desenvolvimento cognitivo. O pCAM-ICU pode ser aplicado em crianças a partir de 5 anos, sem atraso no desenvolvimento cognitivo. E a CAPD pode ser aplicado desde recém-nascidos até 21 anos, com ou sem atraso no desenvolvimento cognitivo. Todas estas ferramentas devem ser aplicadas pelo menos duas vezes por dia de acordo com as Diretrizes PANDEM.
Por outro lado, a European Society For Pediatric Intensive Care, Pediatric Critical Care & Neonatal Intensive Care (ESPNIC) recomenda a CAPD, mas refere que também podemos utilizar a SOS-PD (Sophia Observation withdrawal Symptoms – Pediatric Delirium). A SOS-PD pode ser aplicada em pacientes de 0 a 16 anos com ou sem atraso no desenvolvimento cognitivo. Para a ESPNIC, juntamente com os sinais vitais, o delirium deve ser avaliado e documentado a cada 8–12 horas (pelo menos uma vez por turno), 24–48 horas após a admissão ou conforme indicado pelo escore de delirium ou condição clínica da criança. Lembrando que todas essas ferramentas foram validadas para uso em pacientes submetidos ou não à ventilação mecânica (VM).
Em relação às ferramentas em português: O pCAM-ICU está traduzido e validado, foi minha tese de doutorado. No momento, o psCAM-ICU está em processo de tradução e será submetido a testes de adaptação transcultural. A CAPD foi traduzida por um grupo do Nordeste brasileiro e participei da tradução dos pontos de ancoragem, além de estar participando da validação. E a SOS-PD também foi traduzida e adaptada para o português pelo meu grupo.
O segundo passo no manejo do delirium é identificar os fatores de risco. Os fatores de risco para delirium podem ser divididos em dois tipos: predisponentes e precipitantes. Os fatores de risco predisponentes são inerentes ao paciente e representam a vulnerabilidade do paciente para desenvolver delirium. Esses fatores não podem ser modificados. Os fatores predisponentes para delirium em crianças incluem: idade mais jovem (menos de 2 anos), atraso no desenvolvimento neurológico, estado nutricional deficiente (albumina baixa), doença subjacente (doença cardíaca cianótica), alta gravidade da doença e VM.
Por outro lado, os fatores de risco precipitantes representam gatilhos para o desenvolvimento do delirium e estão associados à doença, ao tratamento desta doença e ao ambiente onde o paciente se encontra, correspondendo a UTI a uma “fábrica de delirium”. É importante lembrar que esses fatores podem ser modificados ou não. E os gatilhos mais implicados em pacientes pediátricos são: necessidade de VM; benzodiazepínicos, opiáceos, esteróides, medicamentos vasoativos, anticolinérgicos; cirurgia de bypass cardíaco; tempo prolongado de permanência na UTI; imobilização, restrições.
As medidas não farmacológicas podem ser resumidas conforme o infográfico abaixo:
O que dizem as Diretrizes PANDEM sobre o manejo farmacológico do delirium em crianças?
- Recomendam minimizar a sedação à base de benzodiazepínicos quando viável em pacientes pediátricos graves para diminuir a incidência e/ou duração ou gravidade do delirium;
- Não sugerem o uso rotineiro de haloperidol ou antipsicóticos atípicos para a prevenção ou diminuição da duração do delirium em pacientes pediátricos gravemente enfermos;
- Sugerem que, em pacientes pediátricos gravemente enfermos com delirium refratário, o haloperidol ou antipsicóticos atípicos sejam considerados para o manejo de manifestações de delirium grave, levando em consideração possíveis efeitos adversos do medicamento;
- Recomendam um eletrocardiograma basal seguido de monitoramento rotineiro de eletrólitos e intervalo QTc para pacientes recebendo haloperidol ou antipsicóticos atípicos.
Mensagem final
Se o paciente apresenta delirium, algo de errado está acontecendo com ele, pois seu cérebro está em falência. Dessa forma, devemos procurar por seus fatores de risco precipitantes para ver o que podemos modificar neles (não podemos mudar os predisponentes). O antipsicótico só é indicado como sintomático da agitação, mas não resolve o delirium em si e não está indicado quando o componente hipoativo está presente.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.