A vasculite por IgA é uma das vasculites mais comuns na faixa etária pediátrica, acometendo principalmente menores de 10 anos de idade. É caracterizada pelo comprometimento da parede de vasos predominantemente de pequeno calibre, decorrente do depósito de imunocomplexo de IgA.
No que concerne ao quadro clínico, observa-se acometimento principalmente cutâneo (púrpuras e petéquias), articular (artralgia e artrite), gastrointestinal (dor abdominal) e renal. A manifestação característica consiste em petéquias e/ou púrpuras geralmente localizadas nos membros inferiores. Já o envolvimento renal, presente em 30-50% dos casos, configura-se como fator de mau prognóstico. Hematúria e proteinúria transitórias são os principais achados. Contudo, 10-20% das crianças acometidas evoluem com nefrite crônica e 1-7%, com insuficiência renal.
Desenho de estudo
Neste contexto, foi realizado um estudo do tipo revisão sistemática e meta-análise com a finalidade de fornecer subsídios para o desenvolvimento e aplicação de modelos de predição de risco para lesão renal em crianças com vasculite por IgA.
Para isso, bases de dados eletrônicas como China National Knowledge Infrastructure, Wanfang Database, China Science and Technology Journal Database, SinoMed, PubMed, Web of Science, Cochrane Library e Embase foram utilizadas, sendo selecionados estudos publicados até 24 de novembro de 2024, em inglês ou chinês, que abordassem modelos preditivos para lesão renal em pacientes até 18 anos com vasculite por IgA.
Após seleção rigorosa, 11 estudos foram considerados elegíveis para a revisão sistemática, dos quais um apresentava delineamento prospectivo e dez possuíam delineamento retrospectivo.
Resultados e discussão
No que tange aos resultados, nos 11 estudos, 23 modelos preditivos foram descritos. Os preditores de lesão renal na vasculite por IgA mais frequentemente relatados foram: idade, púrpura recorrente ou persistente, imunoglobulina A, D-dímero e albumina.
Em relação à idade, sete estudos a identificaram como fator de risco para o comprometimento renal. Tal achado é corroborado pelo estudo de Kim et. al. que apontou que, para cada aumento de um ano na idade de início da vasculite por IgA em crianças, a razão de chances (OR) para envolvimento renal se eleva em 13%.
A presença de púrpura, quando persistente ou recorrente, também constitui um importante preditor de injúria renal. Essa associação pode ser explicada pela manutenção de estímulos inflamatórios que não foram resolvidos a tempo, com consequente agressão contínua aos pequenos vasos.
Ademais, níveis séricos elevados de IgA e D-dímero, bem como redução da albumina foram considerados fatores de risco. Pesquisas sugerem que a deposição de IgA na parede vascular ativa o sistema complemento, contribuindo para a lesão glomerular. O aumento do D-dímero, por sua vez, tem sido observado em pacientes com atividade de doença, em especial naqueles com acometimento renal. No caso da albumina, a lesão renal ocasiona aumento da permeabilidade glomerular, promovendo proteinúria e consequente hipoalbuminemia.
No que concerne à análise metodológica, a avaliação de risco de viés e aplicabilidade, realizada por meio do PROBAST (Ferramenta de Avaliação de Risco de Viés do Modelo de Predição), revelou que dez estudos foram classificados como de alto risco de viés no domínio de participantes, em virtude, sobretudo, de delineamentos retrospectivos, amostras reduzidas e tratamento inadequado de variáveis contínuas.
No domínio de análise, todos os estudos foram igualmente categorizados como de alto risco de viés. Por outro lado, no que se refere à aplicabilidade, todos foram considerados de baixo risco. A AUC combinada de cinco modelos foi de 0,86 (IC 95%: 0,80–0,92), indicando bom poder preditivo. Entretanto, verificou-se heterogeneidade significativa entre os estudos (p < 0,005) e apenas três realizaram validação externa, o que limita a generalização dos achados.
Conclusão
O estudo evidenciou boa aplicabilidade geral dos modelos preditivos para lesão renal em crianças e adolescentes com vasculite por IgA. Contudo, todos os modelos analisados apresentaram elevado risco de viés, o que reforça a necessidade da construção de novos modelos com delineamentos metodológicos mais robustos. Tal aprimoramento mostra-se particularmente relevante ao se considerar que a identificação precoce de pacientes com risco aumentado para lesão renal possibilita a implementação de intervenções oportunas, potencialmente capazes de modificar o curso clínico e de evitar complicações renais a longo prazo.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.