A Doença Hepática Gordurosa Associada à Disfunção Metabólica (MAFLD) é uma redefinição clínica da antiga NAFLD, incorporando critérios metabólicos ao diagnóstico. Com o aumento da obesidade infantil, a MAFLD tornou-se uma preocupação emergente em saúde pública pediátrica. O estudo conduzido por Jia et al., publicado na BMC Gastroenterology em 2025, teve como objetivo estimar a prevalência global de MAFLD em crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade, por meio de uma revisão sistemática e meta-análise de estudos observacionais.
Metodologia
A busca foi realizada em cinco bases de dados (PubMed, Embase, Medline, Cochrane CENTRAL e Web of Science), abrangendo publicações até 10 de maio de 2024. Foram incluídos estudos que diagnosticaram MAFLD em indivíduos de 1 a 19 anos com sobrepeso ou obesidade, utilizando métodos como biópsia hepática, ultrassonografia, ressonância magnética, elastografia ou biomarcadores. Os critérios de inclusão exigiam diagnóstico conforme consenso internacional, com evidência de esteatose hepática associada a sobrepeso/obesidade ou disfunção metabólica.
Resultados
A análise incluiu 176 estudos, totalizando 57.058 crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade. A prevalência global de MAFLD foi de 41,2% (IC 95%: 39,7–44,6), indicando que quase metade dessa população apresenta a condição. A prevalência variou significativamente entre continentes: América do Norte apresentou a maior taxa (43,6%), seguida por Ásia (42,1%), América do Sul (42,0%), Europa (39,7%), Oceania (39,0%) e África (31,1%).
Quanto às técnicas diagnósticas, os estudos que utilizaram biópsia hepática relataram a maior prevalência (51,2%), seguidos por espectroscopia por ressonância magnética (H-MRS) com 47,6%, e ultrassonografia com 41,7%. A ultrassonografia foi o método mais utilizado, presente em 142 dos 176 estudos.
A análise por IMC revelou que crianças e adolescentes com obesidade apresentaram prevalência ligeiramente maior (42,4%) em comparação com aqueles com sobrepeso (41,6%). Estudos realizados após 2010 mostraram prevalência mais alta (42,5%) do que os anteriores (38,2%), refletindo o agravamento da epidemia de obesidade infantil ao longo do tempo. A meta-regressão não identificou associações estatisticamente significativas entre as variáveis analisadas e a prevalência de MAFLD.
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Discussão e conclusão
Os resultados evidenciam uma prevalência alarmante de MAFLD em jovens com excesso de peso, com implicações clínicas e de saúde pública significativas. A alta taxa global (41,2%) reforça a necessidade de ações preventivas e políticas públicas voltadas à obesidade infantil. As variações geográficas observadas podem ser atribuídas a fatores como urbanização, dieta, genética e distribuição de adiposidade. A menor prevalência na África deve ser interpretada com cautela, dada a escassez de dados e a rápida transição nutricional em curso na região.
A associação entre obesidade e MAFLD é bem estabelecida. O tecido adiposo promove inflamação, resistência à insulina e dislipidemia, contribuindo para a esteatose hepática. A diferença entre sobrepeso e obesidade, embora modesta, reforça a importância de intervenções precoces. A ausência de dados estratificados por sexo e faixa etária limita a compreensão de padrões epidemiológicos mais específicos, como o papel do dimorfismo sexual na progressão da doença.
Sendo assim, este estudo fornece uma estimativa robusta da prevalência global de MAFLD em crianças e adolescentes com sobrepeso ou obesidade. A alta prevalência, aliada à variabilidade metodológica e geográfica, destaca a urgência de padronização diagnóstica e políticas públicas voltadas à prevenção da obesidade infantil. A intervenção precoce é essencial para evitar complicações hepáticas e metabólicas na vida adulta.
Comentário prático
A MAFLD é uma condição altamente prevalente entre jovens com excesso de peso, refletindo uma crise metabólica global. A padronização dos métodos diagnósticos e a implementação de estratégias preventivas são fundamentais para conter essa epidemia silenciosa. Investir na saúde metabólica desde a infância é investir no futuro da saúde pública, sendo o pediatra um protagonista desse processo.
Métodos mais sensíveis, como biópsia hepática e H-MRS, detectam mais casos de MAFLD do que ultrassonografia, que é amplamente utilizada mas pode subestimar a prevalência, apesar da ausência de diferença estatística entre os grupos. A escolha do método deve considerar o contexto clínico e os recursos disponíveis.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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