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Pediatria28 novembro 2025

Síndrome pós-COVID Pediátrica: podemos confiar nas evidências atuais?

Revisão evidencia fragilidades nos estudos sobre pós-COVID em crianças, com falta de grupos controle e definições padronizadas.
Por Jôbert Neves

Embora crianças e adolescentes apresentem, em geral, quadros mais leves de COVID-19, muitos desenvolvem sintomas persistentes após a infecção, caracterizando a condição denominada de “Síndrome” pós-COVID. A prevalência estimada dessa condição varia amplamente (4% a 62%), refletindo a hetorogenidade metodológica entre os estudos, como a ausência de grupos controle adequados e a falta de padronização na definição de casos. Na tentativa de melhor clarificar este tópico, uma recente plublicação no JAMA, revisitou publicações e levantou algumas evidências. 

A revisão seguiu as diretrizes PRISMA e incluiu estudos observacionais ou de análise risco-benefício publicados até julho de 2024, com foco em crianças e adolescentes (≤21 anos). Foram selecionados apenas artigos de revistas com fator de impacto ≥5, com maior visibilidade e potencial de influenciar políticas públicas. Com destaque para os seguintes resultados:  

  • Uso de grupos controle: Apenas 38% dos estudos utilizaram grupos controle testados negativamente para SARS-CoV-2. A maioria (63%) não utilizou controles adequados, o que compromete a capacidade de distinguir sintomas específicos da condição pós-COVID.
  • Desenho dos estudos: Dos estudos com grupo controle testado negativamente, 44% adotaram desenho de coorte prospectiva, comparado a 33% entre os demais. Apenas um estudo estratificou os resultados por sexo.
  • Relato demográfico e clínico: Houve subnotificação significativa de variáveis importantes:
     
  • Sexo: reportado em apenas 50% dos estudos. 
  • Histórico psiquiátrico: ausente em 83%. 
  • Comorbidades: não relatadas em 67%. 
  • IMC: não informado em 63%. 
     
  • Definições variadas: As definições de condição pós-COVID variaram amplamente. Apenas 25% dos estudos publicados após outubro de 2021 utilizaram a definição da OMS para crianças e adolescentes.
  • Ferramentas de avaliação: Menos da metade dos estudos utilizaram questionários validados para avaliação de sintomas. A ausência de instrumentos padronizados compromete a comparabilidade entre os estudos.
  • Risco de viés:
  • Nenhum estudo utilizou cegamento de avaliadores. 
  • Apenas 25% incluíram critérios de inclusão baseados em fatores de risco conhecidos. 
  • A maioria não realizou cálculo de tamanho amostral ou ajuste para confundidores. 

Discussão 

A análise revela uma fragilidade metodológica generalizada nos estudos sobre condição pós-COVID em crianças, mesmo em publicações de alto impacto. A ausência de grupos controle testados negativamente, a variabilidade nas definições e a falta de dados demográficos e clínicos essenciais limitam a validade externa e interna dos achados. Além disso, a heterogeneidade geográfica e a escassez de estudos com amostras representativas dificultam a generalização dos resultados. 

Para avançarmos na compreensão da condição pós-COVID em populações pediátricas, é imperativo adotar desenhos de estudo mais robustos, com grupos controle testados negativamente, critérios diagnósticos padronizados e coleta sistemática de dados demográficos e clínicos. A ciência de qualidade é a base para políticas públicas eficazes e para o cuidado clínico seguro e equitativo de crianças e adolescentes afetados pela pandemia. 

Autoria

Foto de Jôbert Neves

Jôbert Neves

Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa  de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).  Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).

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