A circuncisão, realizada em cerca de um terço dos homens em todo o mundo, varia entre as culturas, sendo realizada no oitavo dia na tradição judaica, durante a infância e a adolescência em comunidades islâmicas e amplamente praticada nos Estados Unidos por razões profiláticas. Além de suas raízes culturais, o procedimento em si reduz os riscos de câncer de pênis, infecções do trato urinário e certas infecções sexualmente transmissíveis.
O controle eficaz da dor é crucial nos pacientes submetidos à circuncisão devido à densa inervação do prepúcio, especialmente em crianças. Várias técnicas de anestesia (local, regional, geral ou baseada em sedação) têm sido utilizadas, cada uma com benefícios e riscos. Um estudo realizado na Turquia avaliou se a adição de infiltração local de lidocaína a um protocolo de sedação padronizado (midazolam, propofol, fentanil e cetamina) melhora o controle da dor pós-operatória (PO) na circuncisão pediátrica, levantando a hipótese de que a sedação por si só pode ser suficiente e mais segura, evitando complicações locais. O artigo foi publicado no jornal Nigerian Journal of Clinical Practice.
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Metodologia
Entre agosto de 2024 e abril de 2025, os pesquisadores Özdeş e colaboradores conduziram um estudo prospectivo unicêntrico. Os critérios de inclusão foram: idade entre 1 e 6 anos, ausência de circuncisão prévia, anatomia peniana saudável e paciente programado para receber sedação com ou sem anestesia local. Foram excluídos os pacientes com idade inferior a 1 ano que receberam somente anestesia local, pacientes com idade superior a 6 anos ou com capacidade de verbalizar a dor, anatomia peniana debilitada ou criptorquidia, e recusa em participar.
Os pacientes foram aleatoriamente designados em dois grupos, sendo que ambos receberam um regime sedativo padronizado: midazolam, propofol, fentanil e cetamina.
- Grupo I: recebeu somente sedação intravenosa (IV) isolada;
- Grupo II: recebeu sedação IV associada à anestesia local (infiltração por lidocaína);
A dor PO foi avaliada em 1 e 3 horas por meio da escala FLACC (face, legs, activity, cry, consolability), com pontuações variando de 0 a 10: 0 = sem dor, 1-3 = dor leve, 4-6 = dor moderada e 7-10 = dor intensa. Os pacientes com pontuação FLACC > 3 receberam paracetamol IV (1,5 mL/kg). A ingestão por via oral foi liberada após 4 horas, e a maioria dos pacientes recebeu alta no mesmo dia. Complicações, incluindo edema, equimoses, reações alérgicas ou sangramento, foram registradas.
Resultados
Foram incluídos 140 meninos com idades entre 1 e 6 anos submetidos à circuncisão por um único urologista (70 em cada grupo).
Não houve diferença significativa nas medianas de pontuação da escala FLACC em:
- 1 hora – Grupo I: 2,0 (0-6), Grupo II: 2,0 (0-6);
- 3 horas – Grupo I: 1,0 (0-4), Grupo II: 1,0 (0-3).
Em ambos os grupos, houve poucas complicações. O Grupo 1 apresentou uma taxa geral de complicações ligeiramente maior:
- Grupo I:
- Onze pacientes (15,7%) apresentaram complicações: equimoses (n = 6), edema (n = 3), reação alérgica (n = 1) e sangramento (n = 1).
- Grupo II:
- Cinco pacientes (7,1%) apresentaram complicações: edema (n = 4), sangramento (n = 1).
Conclusão
Este estudo concluiu que a circuncisão em meninos de 1 a 6 anos pode ser realizada com segurança e eficácia usando um protocolo de sedação exclusiva com midazolam, propofol, cetamina e fentanil, sem a necessidade de infiltração local de lidocaína. Segundo os pesquisadores, essa abordagem proporciona controle adequado da dor PO, minimiza riscos (como equimoses e edema) e simplifica o tratamento. Portanto, na prática, pode ser priorizada a anestesia com sedação exclusiva quando houver analgesia suficiente, reservando a anestesia local para casos excepcionais.
Autoria

Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
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