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Pediatria1 novembro 2024

SBP divulga diretriz sobre avaliação e abordagem de dores frequentes em pediatria

Em 17 de outubro de 2024, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou a diretriz “Dores comuns em pediatria: avaliação e abordagem”.

Infelizmente, embora a dor seja comum em crianças e adolescentes de todas as idades, ela ainda é bastante negligenciada. Portanto, é imprescindível que o pediatra identifique a dor, avaliando-a corretamente e indicando o tratamento adequado. Em 17 de outubro de 2024, o Departamento Científico de Medicina da Dor e Cuidados Paliativos da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou a diretriz “Dores comuns em pediatria: avaliação e abordagem”. Pontos importantes desta diretriz estão sintetizados a seguir.  

Definição de dor pela IASP 

A IASP (International Association for the Study of Pain) define a dor como “uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”, sendo que “a incapacidade de comunicação não invalida a possibilidade de um ser humano ou um animal sentir dor”. 

A dor é multidimensional 

A sensação de dor faz parte de um contexto biopsicossocial que inclui fatores biológicos (idade, gênero, genética, tipo e extensão da lesão ou doença associada), fatores psicológicos (ansiedade, medo e experiências prévias) e fatores socioculturais (ambiente, culturas, crenças, influência familiar e suporte social). Estes fatores modificam a maneira de como a dor é vivenciada, alterando a transmissão de estímulos nociceptivos ao cérebro. 

Experiências prévias de doença e internação hospitalar também podem modificar a sua percepção e a sua capacidade de lidar com a dor. 

Consequências negativas da dor não tratada 

A dor não tratada pode levar ao desenvolvimento de memórias ruins, produzindo mecanismos disfuncionais de enfrentamento de novas experiências dolorosas. Além disso, compromete o desenvolvimento cerebral e possibilita a evolução para dores crônicas no futuro adulto. 

Anatomia da dor 

As vias neurais são formadas ainda na vida intrauterina e a sua maturação persiste até a idade adulta. Com uma idade gestacional de 26 semanas, o feto demonstra maturidade para a transmissão aferente da dor, apresentando comportamento específico como resposta a uma lesão, incluindo sinais autonômicos, hormonais e metabólicos. Quando o bebê nasce, as vias neurais estão completamente formadas, apesar da imaturidade, e passam por processos de mielinização.  

As formas de enfrentamento da dor são influenciadas pelas habilidades cognitivas e pelo processamento das emoções, que se desenvolvem ao longo do tempo e é por isso que crianças expressam a dor de forma distinta dos adultos.  

Fisiologia da dor 

  • Dor nociceptiva: a lesão tecidual ativa nociceptores que podem responder ao calor, frio, vibração, estímulos de estiramento e substâncias químicas liberadas pelos tecidos em resposta a uma inflamação, ruptura tecidual ou privação de oxigênio. 
  • Dor nociceptiva visceral: ocorre pela ativação de nociceptores nas vísceras. Exemplos: distensão gasosa, compressão por tumores, infecções. 
  • Dor nociceptiva somática: ocorre pela ativação de nociceptores em tecidos superficiais ou profundos. Exemplos: câimbra, entorse, ferimentos por objetos cortantes. 
  • Dor neuropática: ocorre devido a qualquer processo que lesione os nervos, provocando danos estruturais e disfunção das células nervosas no sistema nervoso periférico ou central. Características comumente relatadas: ardor, choque, fisgada, formigamento, picada, prurido, queimação, sensação de frio. 
  • Dor mista: presença de dor nociceptiva e neuropática.  

Duração da dor 

  • Dor aguda:  
  • Ativação de nociceptores por lesão atual (exemplo: pós-operatório). 
  • Ativa o sistema nervoso simpático: pode alterar a frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação de oxigênio e aumentar a pressão arterial. 
  • Serve de alerta ao organismo.  
  • Cessa com a resolução ou cura da doença 
  • Duração < 3 meses. 
  • Boa resposta ao tratamento. 
  •  Dor crônica:  
  • Sensibilização e anormalidades do sistema nervoso central. 
  • Adaptação fisiológica do organismo: não há alteração de sinais vitais. Está remotamente associada a uma lesão. 
  • Não serve de alerta e traz sofrimento. 
  • Não cessa com a resolução ou cura da doença. 
  • Duração > 3 meses. 
  • Difícil tratamento.  

Avaliação da dor conforme a faixa etária 

Parâmetros fisiológicos aplicados isoladamente não são efetivos para a avaliação de dor. É recomendado o uso de escalas segundo a idade e o nível cognitivo. 

 

Faixa etária 

Escala 

Observações 
Neonatos prematuros e a termo 

Neonatal Facial Coding System – NFCS 

Pontuação máxima: 8 

Dor: pontuação ≥ 3 

Até 3 anos 

Faces Legs Activity Cry Consolability Pain Scale – FLACC 

Pontuação máxima:10 

0: Relaxada 

1 a 3: dor leve 

4 a 6: dor moderada 

7 a 10: dor intensa 

 

Pré-escolares 

Escala de cores 

Verde a vermelho 

Esquema corporal 

A criança pinta em um desenho a parte do corpo que dói 

4 a 12 anos 

Faces Pain Scale Revised – FPS-R (Escala facial de dor revisada) 

A criança aponta a face que representa a sua dor 

 

 

≥ 8 anos 

Escala Visual Analógica – EVA ou VAS 

A criança aponta para que lado está sua dor 

Escala de classificação numérica 0-10/Escala de Avaliação Verbal  

Pontuação máxima:10 

0: nenhuma dor  

10: Dor mais forte possível  

Criança com alterações de desenvolvimento ou deficiências 

Revised Faces Legs Activity Cry Consolability Pain Scale – R-FLACC Pontuação máxima:10 

0: Relaxada 

1 a 3: dor leve 

4 a 6: dor moderada 

7 a 10: dor intensa 

 Nota: Não há escala específica para avaliação de dor neuropática.  

 Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria, 2024 

Abordagem da dor 

Atualmente, a abordagem da dor em pediatria segue a recomendação da “escada de dois degraus” preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). 

Legenda: AINEs – anti-inflamatórios não-esteroidais 

Fonte: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria, 2024 

Estratégias não farmacológicas 

  • Neonatos e lactentes: 
  • Redução de luzes e de ruídos;  
  • Método Canguru ou contato pele a pele; 
  • Aleitamento materno; 
  • Toque facilitador (facilitated tucking); 
  • Enrolamento (swaddling) – até a idade de 6 meses; 
  • Música instrumental e canto de capela, até 15 minutos, em prematuros > 31 semanas de idade gestacional. 
  • Crianças e adolescentes: 
  • Distrações: bolinhas de estresse, brinquedos, cata-vento, livros, vídeos ou jogos eletrônicos; 
  • Fisioterapia, terapia ocupacional e educação física; 
  • Psicoterapia; 
  • Técnicas de dessensibilização; 
  • Abordar e cuidar da espiritualidade da criança; 
  • Modalidades integrativas: acupuntura, aromaterapia, biofeedback, massagem, relaxamento muscular progressivo, respiração diafragmática; 
  • Voltar para a rotina (em geral, a vida normaliza primeiro e a dor só reduz posteriormente): escola, esporte, sono, vida social.  

Estratégias farmacológicas 

Analgésicos simples 

  • Paracetamol: liberado desde o nascimento. A eficácia da apresentação IV (intravenosa) é semelhante à VO (via oral). Portanto, o uso IV deve ser restrito a situações em que a VO não é possível; 
  • Dipirona: liberado para crianças a partir de 3 meses ou com peso > 5 kg. 

Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) 

  • Ibuprofeno e cetoprofeno: liberados a partir de 6 meses. 

Opioides 

  • Práticas essenciais:  
  1. Devem ser prescritos somente em indicações apropriadas e por médicos treinados, avaliando-se riscos e benefícios; 
  1. Seu uso, impacto na dor e efeitos adversos devem ser continuamente monitorados; 
  1. Deve haver uma programação para continuação, diminuição gradual ou descontinuação de opioides conforme o quadro da criança, com ciência da criança e de sua família; 
  1. Cuidados na aquisição, armazenamento e descarte. 
  • Morfina: primeira linha de opioide no tratamento da dor de moderada a intensa; 
  • Tramadol:  
  • Opioide fraco; 
  • Pode ocasionar náuseas e vômitos; 
  • Reduz limiar convulsivo; 
  • Liberado pela Anvisa para crianças a partir de um ano, mas o uso é recomendado somente a partir de 12 anos devido à escassez de estudos na faixa etária pediátrica; 
  • Contraindicações: apneia de origem central, obesidade mórbida, pós-operatório de cirurgia otorrinolaringológica;  
  • Codeína: opioide ineficaz e não seguro, contraindicado em pediatria. 

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Referências bibliográficas

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