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Pediatria15 dezembro 2025

Revisão destaca quando o pediatra deve pensar em APLV em lactentes com cólica

Entenda quando considerar APLV na cólica infantil, evidências de probióticos, dietas e orientações práticas para profissionais.

A cólica infantil acomete cerca de 20 a 30% dos bebês e se caracteriza pela ocorrência de choro excessivo e inexplicável em lactentes saudáveis, geralmente atingindo seu pico entre 5 e 6 semanas de vida, com resolução entre 4 e 5 meses. Embora o choro seja uma forma normal de comunicação dos bebês, o choro excessivo pode causar angústia significativa aos pais e pode ser influenciado por fatores socioeconômicos e estresse parental. As definições de choro “excessivo” variam, embora os critérios de Wessel (mais de três horas por dia, três dias por semana, durante três semanas) permaneçam clássicos. No entanto, lactentes com sinais de alerta, como febre, letargia, convulsões, vômitos, desidratação ou baixo crescimento, necessitam de avaliação médica.  

A relação entre cólica infantil e alergia à proteína do leite de vaca (APLV) ainda é muito discutida; embora a APLV seja comum, as evidências são inconsistentes. Dessa forma, uma recente revisão publicada no jornal Nutrients esclarece quando a APLV deve ser considerada, especificamente quando o manejo padrão da cólica falha, e oferece orientações práticas para profissionais de saúde. 

Metodologia 

Os pesquisadores conduziram uma busca bibliográfica limitada ao idioma inglês, desde o início até 15 de junho de 2025, utilizando os termos de busca cow’s milk allergy [MeSH Terms] OR food allergy [MesH Terms] AND colic [MeSH Terms] OR crying [MeSH Terms]. Foram identificados 135 artigos. Destes, 18 ensaios clínicos avaliaram o efeito de uma dieta de eliminação do leite de vaca (LV) na cólica do lactente. 

Definição de cólica infantil 

A cólica infantil é um distúrbio autolimitado da interação intestino-cérebro, caracterizado por choro excessivo e comportamentos, como flexão das pernas, arqueamento das costas, rigidez dos membros, flatulência e distensão abdominal em bebês saudáveis ​​com menos de cinco meses de vida. Historicamente atribuída à dor colônica, sua definição evoluiu, e os critérios de Roma IV agora diagnosticam a cólica com base em choro recorrente e inexplicável, irritabilidade ou agitação, sem usar o antigo limite arbitrário de “3 / 3 /3” ou o termo “paroxístico”, visto que as evidências não sustentam um início distinto ou características específicas do choro em comparação com o choro normal. 

Etiologia 

A etiologia da cólica infantil é multifatorial e permanece incerta, com mecanismos propostos que variam de fatores gastrointestinais, como dismotilidade, hipersensibilidade visceral, alergia alimentar (especialmente APLV), disbiose intestinal, produção de gases relacionada à fermentação e imaturidade neurogastrointestinal transitória, a fatores não gastrointestinais, incluindo técnica de alimentação, interação entre pais e filhos, fatores comportamentais, exposições ambientais e estresse parental.  

A cólica, classificada como um distúrbio da interação intestino-cérebro (DIIC), coexiste frequentemente com outras manifestações, como regurgitação, embora a gravidade do refluxo não se correlacione com o choro e a terapia supressora de ácido não demonstre benefício. O aumento da motilina, da grelina e da fermentação colônica da lactose tem sido implicado, assim como diferenças na microbiota marcadas pela redução de bifidobactérias/lactobacilos e aumento de enterobactérias, que podem contribuir para gases, desconforto e inflamação, embora nenhuma delas explique completamente a resolução espontânea da cólica aos 4-5 meses de idade. 

APLV 

A APLV engloba respostas imunes mediadas por imunoglobulina E (IgE), não mediadas por IgE e mistas às proteínas do leite, apresentando sintomas variados e frequentemente inespecíficos que dificultam o diagnóstico e obscurecem a verdadeira prevalência.  

A APLV mediada por IgE geralmente causa sintomas dentro de uma hora após a ingestão e pode ser confirmada por níveis elevados de IgE específica para leite ou testes cutâneos de puntura positivos, embora resultados falsos exijam confirmação por meio de anamnese focada em alergias, dieta de eliminação e teste de provocação oral (TPO).  

A APLV não mediada por IgE é mais difícil de diagnosticar devido à falta de testes laboratoriais confiáveis ​​e depende dos padrões de sintomas e da reintrodução do alimento após a eliminação, com reações tardias que frequentemente requerem documentação cuidadosa dos pais. Apesar disso, muitos cuidadores hesitam em realizar TPO. Ferramentas de conscientização, como o CoMiSS™ ou o Pre-CoMiSS, podem ajudar a identificar bebês que necessitam de avaliação adicional, mas não podem diagnosticar APLV e devem ser interpretadas por profissionais de saúde. 

Cólica infantil e APLV 

A cólica infantil e a APLV podem coexistir porque ambas são relativamente comuns na primeira infância e seus sintomas se sobrepõem (particularmente desconforto abdominal, choro com flexão das pernas e gases dolorosos). Entretanto, a cólica, isoladamente, não é um indicador confiável de APLV. A APLV pode apresentar características adicionais, como eczema, fezes com sangue, regurgitação, vômito, diarreia ou constipação, e suas formas não mediadas por IgE permanecem difíceis de diagnosticar devido à falta de testes confiáveis. Embora mecanismos compartilhados, como dismotilidade, hipersensibilidade visceral e disbiose, sugiram alguma sobreposição fisiopatológica, as evidências que ligam a APLV diretamente à cólica são inconsistentes, com muitos estudos iniciais limitados por metodologia inadequada e pesquisas posteriores mostrando taxas semelhantes de cólica independentemente do tipo de alimentação. Portanto, os médicos devem evitar o sobrediagnóstico, utilizando uma anamnese focada em alergias e um teste de eliminação de duas a quatro semanas, seguido de reintrodução ou TPO quando houver suspeita de APLV, reservando o teste de IgE para casos com características alérgicas claras. 

Fórmula sem lactose ou suplementação de lactase 

As evidências sobre a suplementação de lactase para cólicas infantis são inconsistentes. Alguns ensaios clínicos randomizados relataram redução no tempo de choro, mas revisões sistemáticas e meta-análises não encontraram benefício geral significativo e observaram qualidade variável dos estudos. Fórmulas com lactose reduzida ou sem lactose podem diminuir o hidrogênio exalado, mas seus efeitos sobre os sintomas de cólica são pouco documentados. Portanto, o uso rotineiro não é recomendado. 

Um curto período de teste com gotas de lactase em bebês em aleitamento materno, ou fórmula com lactose restrita em bebês alimentados com fórmula, pode ser considerado caso a caso, especialmente quando os sintomas persistem apesar das medidas gerais. Em lactentes com distensão abdominal, gases, fezes amolecidas ou erupção perianal devido à acidez das fezes, deve-se suspeitar de má absorção de lactose. Possíveis causas incluem gastroenterite viral ou APLV não mediada por IgE com enteropatia. O tratamento depende do diagnóstico subjacente. No geral, não há evidências robustas de que a suplementação de lactase reduza significativamente o choro em bebês com cólica não selecionados. 

Probióticos 

As evidências que apoiam o uso de probióticos para cólicas infantis estão aumentando. Os dados mais robustos envolvem Limosilactobacillus (L.) reuteri DSM 17938 e Bifidobacterium (B.) animalis subsp. lactis BB-12, particularmente em bebês em aleitamento materno exclusivo (AME). Outras cepas, incluindo L. reuteri NCIMB 30351, Lacticaseibacillus rhamnosus GG (LGG) e certas misturas simbióticas, também demonstram benefícios potenciais na redução dos episódios de cólica e da duração do choro. 

Uma metanálise recente relatou uma redução média de 51 minutos de choro por dia com o uso de probióticos. Análises de subgrupos mostraram benefícios em diversas variáveis, com as maiores reduções observadas em:   

  • Lactentes em AME;  
  • L. reuteri DSM 17938;  
  • Bebês nascidos de parto vaginal 

Todas as cepas avaliadas pareceram eficazes, embora o motivo da melhora nos resultados em lactentes em AME ainda não esteja claro. As evidências para bebês alimentados com fórmula e nascidos por cesariana são limitadas e mais pesquisas são necessárias. Notavelmente, alguns estudos relatam altas taxas de resposta ao placebo (em torno de 70%). 

Saiba mais: APLV: Qual a importância do teste de provocação oral para o diagnóstico? 

Dietas sem a proteína do LV 

Estudos que avaliaram dietas de eliminação do LV em bebês com cólica apresentam resultados mistos e, muitas vezes, metodologicamente limitados, variando de nenhum benefício a uma melhora substancial dos sintomas. Alguns ensaios iniciais, particularmente aqueles que substituíram o LV por fórmulas à base de soja ou hidrolisadas, relataram altas taxas de melhora, enquanto outros não encontraram diferenças significativas em comparação com as dietas de controle. Estudos mais rigorosos, incluindo ensaios duplo-cegos, sugerem que dietas maternas com baixo teor de alérgenos ou fórmulas hipoalergênicas podem reduzir o desconforto em bebês selecionados, especialmente quando sintomas adicionais sugerem possível APLV. No entanto, revisões sistemáticas, incluindo análises da Cochrane, destacam achados inconsistentes, amostras pequenas e alto risco de viés, concluindo que as evidências são insuficientes para recomendar a eliminação rotineira do LV apenas para o tratamento da cólica. As diretrizes atuais recomendam que as dietas de eliminação não sejam utilizadas quando o choro for o único sintoma, mas um período de teste de duas a quatro semanas, seguido de reintrodução ou TPO, pode ser apropriado quando houver suspeita de APLV. As fórmulas à base de hidrolisado de arroz, embora não tenham sido estudadas especificamente para cólicas, são consideradas uma alternativa aceitável aos hidrolisados ​​de LV no tratamento da APLV. 

Como acalmar um bebê com cólica? 

Os pesquisadores sugerem que os profissionais de saúde orientem os pais a realizar as estratégias sintetizadas a seguir. No entanto, cada bebê responde de forma diferente, então os pais devem estar cientes de que talvez seja necessário testar várias técnicas até descobrir quais funcionam melhor para seu filho. 

  • Enrolamento (swaddling): envolver o bebê em um cobertor fino e grande pode deixá-lo mais seguro, reproduzindo a sensação do útero. Os pais devem solicitar ao profissional de saúde que mostre como fazer isso de forma correta, evitando que o bebê se solte; 
  • Sling ou canguru: carregar o bebê usando essas posições enquanto os pais caminham ajuda a acalmá-lo pelo contato corporal e pelo movimento. Para aliviar gases, os pais devem colocá-lo de bruços sobre suas pernas e massagear suavemente suas costas; 
  • Massagem: os bebês gostam de contato pele a pele, e estudos sugerem que os que são massageados regularmente choram e se irritam menos. Os pais podem solicitar informações sobre aulas locais de massagem infantil; 
  • Movimentos constantes e rítmicos: são reconfortantes. Os pais podem balançar o bebê no colo, usando uma cadeira de balanço, um balanço infantil ou uma cadeirinha vibratória; 
  • Recriar um ambiente semelhante ao útero: música suave, ruído branco, ventilador ou gravação de batimentos cardíacos; 
  • Os pais podem ajudar o bebê a se acalmar, auxiliando-o a encontrar a própria mão, dedos ou polegar para sugar, ou considerar oferecer uma chupeta; 
  • Por fim, os pais devem ser orientados a nunca sacudir um bebê para fazê-lo parar de chorar, pois isso pode causar lesões graves e irreparáveis.

Autoria

Foto de Roberta Esteves Vieira de Castro

Roberta Esteves Vieira de Castro

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

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Referências bibliográficas

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