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Pediatria14 agosto 2025

Revisão da European Society for Pediatric Infectious Diseases sobre ITU pediátrica

Revisão da European Society for Pediatric Infectious Diseases abordou as principais controvérsias em ITUc pediátrica, com foco em investigação, tratamento e acompanhamento

As infecções complicadas do trato urinário (ITUc) em crianças compreendem diversas síndromes clínicas,  tornando desafiadoras tanto a síntese de evidências quanto a orientação prática para os pediatras. A incidência de ITU infantil aos sete anos é de 1 a 2% em meninos e 7% em meninas, com 5 a 24% das apresentações no pronto-socorro classificadas como ITUc. Apesar das variáveis definições, a ITUc envolve, em geral, a anatomia anormal do trato urinário, condições subjacentes, apresentações graves ou patógenos atípicos, exigindo manejo além dos protocolos padrão. Portanto, o diagnóstico e tratamento precisos são cruciais para prevenir sepse e dano renal em longo prazo, mas, infelizmente, a maioria dos ensaios e diretrizes de ITU em pediatria excluem a ITUc, levando a cuidados inconsistentes.  

Uma revisão da European Society for Pediatric Infectious Diseases (ESPID) publicada em junho de 2025 no Pediatric Infectious Disease Journal abordou as principais controvérsias em ITUc pediátrica, fornecendo recomendações baseadas em evidências acerca de sua definição, investigação, tratamento e acompanhamento para preencher lacunas existentes nas diretrizes atuais e está sintetizada a seguir. 

Metodologia 

O Comitê de Diretrizes da ESPID formou um grupo de trabalho multidisciplinar para desenvolver essas recomendações. Uma busca bibliográfica abrangente nas bases Cochrane, Embase e PubMed até dezembro de 2024 incluiu estudos envolvendo pacientes menores de 18 anos com qualquer definição de ITUc, excluindo aqueles com ITU não complicada ou adultos. Foram incluídos ensaios clínicos (EC), estudos de coorte, revisões e diretrizes já existentes. Foram identificadas quatro controvérsias principais: definição, investigações, tratamento e acompanhamento. As ITUc foram classificadas em cinco subgrupos por meio da metodologia GRADE e recomendações de manejo graduadas por evidências foram desenvolvidas por consenso de especialistas. 

Resultados 

Definição de ITUc 

A ITUc é mais bem definida como uma ITU em crianças com risco aumentado de falha no tratamento padrão (GRAU D). É caracterizada por um ou mais dos seguintes: 

  • Risco localizado: anormalidades urológicas (anatômicas ou funcionais) significativas ou múltiplas ITUs recorrentes;  
  • Risco generalizado: recém-nascidos (RN) ou crianças com condições subjacentes não urológicas (renais ou não renais); 
  • Apresentações graves: doença parenquimatosa renal grave ou sepse. 

O termo “complicada”, segundo o comitê, é aplicado a subgrupos identificados na apresentação para orientar o tratamento, enquanto “atípica” se refere à progressão clínica inesperada (GRAU D). 

Exames necessários no diagnóstico e durante uma ITUc 

O diagnóstico depende da anamnese completa do paciente e da avaliação clínica na apresentação (GRAU D). A urina deve ser coletada por coleta limpa, cateterismo ou aspiração suprapúbica, com urinálise, cultura e testes de sensibilidade realizados em todos os pacientes (GRAU C). Exames séricos adicionais podem incluir hemograma completo, hemocultura, marcadores inflamatórios, ureia, creatinina e eletrólitos (GRAU C). Uma ultrassonografia (USG) aguda pode ser útil em casos selecionados (GRAU D). Além disso, todos os pacientes devem ser reavaliados em 48 horas e, se a evolução for atípica, devem ser considerados complicações ou diagnósticos alternativos (GRAU D). Por fim, a repetição do exame de urina é indicada apenas quando a resposta ao tratamento for inadequada (GRAU D). 

Tratamento 

O tratamento da ITUc em pediatria requer uma seleção cuidadosa da via, da escolha e da duração da antibioticoterapia associada a medidas de suporte. A orientação foi baseada, principalmente, em dados retrospectivos e no consenso de especialistas, pois a maioria dos EC randomizados e metanálises exclui casos de ITUc. O comitê forneceu recomendações empíricas práticas, entretanto, o manejo deve ser ainda mais individualizado conforme os padrões locais de resistência, resultados de culturas anteriores, histórico de antibióticos, registros de internação, uso de cateter e fatores específicos do paciente, como alergias. 

Para a maioria dos pacientes pediátricos com ITUc, um teste inicial antibioticoterapia por via oral (VO) é apropriado, inclusive em casos sem doença grave, com anormalidades urológicas isoladas (incluindo pós-cirúrgicas ou relacionadas ao dispositivo), taquicardia isolada ou a maioria das condições subjacentes (GRAUS C e D). A terapia intravenosa (IV) inicial é recomendada para pacientes com anormalidades urológicas significativas (como refluxo vesicoureteral [RVU] graus 4-5 ou obstrução), quadro clínico de sepse, nefronia/abscesso renal, RN e lactentes com menos de dois meses de vida, pós-transplante renal ou crianças imunocomprometidas com neutropenia febril (GRAUS B-D). 

A seleção empírica da antibioticoterapia para ITUc deve considerar que a prevalência de uropatógenos varia entre os subgrupos e requer avaliação individualizada do risco de resistência com base nas condições subjacentes, uso prévio de antibióticos e histórico de internação (GRAUS C e D). Crianças com infecções recorrentes podem ser tratadas inicialmente conforme os resultados de culturas prévias (GRAU D). Aqueles em profilaxia antibiótica devem receber um agente diferente (GRAU C). Assim que as suscetibilidades estiverem disponíveis, recomenda-se a monoterapia direcionada com redução da intensidade (GRAU D). 

Por fim, com relação ao tempo de antibioticoterapia, não há evidências suficientes para apoiar a variação da prática atual para a maioria das crianças com UTIc e a opinião de especialistas do comitê recomenda um total de 10 a 14 dias (GRAU D). Quando a terapia IV é iniciada, as durações recomendadas variam de ≤ 3 a ≤ 7 dias, dependendo do subgrupo e da presença de bacteremia, com transição precoce para a terapia VO assim que a criança estiver afebril e clinicamente estável (GRAUS C e D). Cursos estendidos de até 21 dias podem ser necessários para abscessos renais ou nefronia, com USG renal após 14 dias para orientar a duração (GRAU B). Em casos de recidiva frequente com o mesmo organismo, é necessária investigação adicional para uma fonte de infecção persistente (GRAU D). Regimes mais curtos (6 a 9 dias) com uma única dose IV são promissores, mas requerem mais estudos em pediatria (GRAUS C e D). 

Antibioticoterapia para subgrupos pediátricos com ITU, incluindo via, escolha e duração 

Subgrupo 

Via 

Exemplos/Classes de Escolha Empírica 

Duração 

Grau de evidência 

Anormalidade urológica significativa conhecida, Incluindo pós-cirurgia/instrumentação 

Se a anormalidade urológica levou a ITU recorrentes, considere uma escolha empírica mais ampla 

Obstrução ou RVU graus 4 e 5 

IV inicial e depois VO 

Aminoglicosídeo OU β-lactâmico de amplo espectro 

IV: Até afebril/bem 

Total: 10–14 

B-D 

RVU graus 1 a 3 

VO 

Outros β-lactâmicos orais de espectro estreito 

Total: 10 

C-D 

ITU recorrente múltipla – Se outro grupo de UTIc, como, anormalidade urológica ou apresentação grave, seguir as recomendações apropriadas 

Resistência passada conhecida 

IV se não houver opção VO; caso contrário, VO 

Usar suscetibilidade prévia: por exemplo, aminoglicosídeo de segunda linha ou fosfomicina Total: 7 a 10 C-D 

Alto risco de resistência 

VO 

SMX/TMP 

Total: 7 a 10 B-D 
Baixo risco de resistência 

VO 

β-lactâmico de espectro estreito Total: 7 a 10 B-D 
Apresentação clínica grave 
Sepse IV inicial e depois VO  β-lactâmico de amplo espectro IV: Até afebril/bem 

Total: 10–14 

C-D 
Doença extensa do parênquima renal (nefronia e abscesso) IV inicial e depois VO β-lactâmico de amplo espectro ou aminoglicosídeo 

Os aminoglicosídeos concentram-se bem na urina, mas têm menor penetração no parênquima renal por sua natureza hidrofílica. Dessa forma, a escolha depende do patógeno e do progresso inicial. 

IV: Até afebril/bem 

Total: 14–21 

B-C 
Condições subjacentes não urológicas 
Transplante pós-renal IV inicial e depois VO  β-lactâmico de amplo espectro IV: Até afebril/bem 

Total: 14 

D 
Outras insuficiências renais 

VO 

β-lactâmico de amplo espectro ou SMX/TMP Total: 10 D 
Não renal: imunocomprometido IV em caso de NF; caso contrário, VO IV: β-lactâmico/β-lactamase ou β-lactâmico antipseudomonas; 

Oral: β-lactâmico de amplo espectro ou SMX/TMP 

IV: Até afebril/bem 

Total: 10 

B-D 
Outras VO  β-lactâmico de espectro estreito Total: 7 a 10 C-D 
RN e lactentes <2 m  
Com bacteremia IV inicial e depois VO Aminoglicosídeo ± penicilina de espectro estreito IV: ≤7 

Total: 10–14 

C-D 
Sem bacteremia IV inicial e depois VO Aminoglicosídeo ± penicilina de espectro estreito IV: ≤3  

Total: 10–14 

C-D 

Nota: Sepse –  taquicardia quando afebril, pressão arterial baixa, tempo de enchimento capilar prolongado e desidratação grave. 

Legenda: ITU – infecção do trato urinário; ITUc – infecção do trato urinário complicada; IV – intravenoso; NF – neutropenia febril;  RN – recém-nascido; SMX/TMP – Sulfametoxazol/trimetoprima; VO – via oral. 

Fonte: Adaptado de Bryant et al., 2025. 

Acompanhamento 

A profilaxia antibiótica contínua (PAC) ainda é bastante controversa e é recomendada somente para subgrupos selecionados de ITUc. Em RN e bebês com menos de 2 meses, isso inclui aqueles com RVU de alto grau (graus 3-4), hidronefrose pré-natal, dilatação ureteral e hidronefrose em meninos não circuncidados. Em crianças mais velhas, aplica-se àquelas com múltiplas ITUs recorrentes, RVU de alto grau (graus 3-4), espinha bífida com RVU de alto grau e/ou cateterismo intermitente, disfunção vesical/intestinal e uropatia obstrutiva grave até a correção cirúrgica (GRAUS B-D). A amoxicilina é preferida para RN, enquanto trimetoprima-sulfametoxazol ou nitrofurantoína são recomendados para crianças mais velhas (GRAUS C e D). Produtos à base de cranberry podem ser considerados em crianças mais velhas para reduzir o uso de antibióticos (GRAU B). A PAC, no entanto, deve ser limitada a 3-6 meses, seguida de reavaliação (GRAU D). 

Com relação a exames de imagem, a USG do trato urinário pode ajudar a identificar anormalidades urológicas após a infecção aguda (GRAU C), e USG do trato urinário, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RNM) podem ser usadas para monitorar a resolução do abscesso renal (GRAUS C e D). A uretrocistografia miccional (UCM) e a cintilografia com DMSA são reservadas para casos em que exames menos invasivos são insuficientes, geralmente em crianças com anormalidades urológicas graves (GRAU D). 

O encaminhamento para uma equipe de nefrologia ou urologia pediátrica é recomendado quando há risco persistente de dano renal improvável de ser resolvido sem intervenção cirúrgica, mais comumente em crianças com anormalidades urológicas significativas, incluindo RVU de alto grau (GRAU D). 

 

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Referências bibliográficas

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