A complicação clínica mais comum da doença falciforme (DF) é a dor, que pode variar de leve a debilitante, devido a processos agudos ou crônicos. A dor também contribui para que pacientes pediátricos com DF tenham prejuízo da qualidade de vida relacionada à saúde. Além da dor, os distúrbios do sono são também complicações prevalentes vivenciadas por crianças e adolescentes com DF. Os distúrbios do sono são compostos por uma variedade de perturbações fisiológicas durante o sono, incluindo distúrbios respiratórios com hipoxemia noturna, insônia e fragmentação do sono.
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As deficiências relacionadas ao sono são consequências diurnas dos distúrbios do sono, incluindo aumento da irritabilidade, dificuldades cognitivas, sonolência diurna e fadiga. Pacientes com DF demonstram um aumento na incidência de distúrbios respiratórios do sono, hipoxemia noturna e despertares noturnos.
Novo estudo
Um estudo muito interessante realizado no Alabama, Estados Unidos, teve como objetivo identificar associações entre dor e sono e caracterizar o cronotipo do sono e o jetlag social na DF em pediatria. Os resultados foram publicados recentemente no periódico Pediatric Blood Cancer.
Métodos
Foi realizado um estudo transversal com uma amostra de conveniência, incluindo 105 pacientes pediátricos com DF usando o PROMIS (Patient Reported Outcomes Measurement System). O questionário μMCTQ (Ultra-short Munich Chronotype Questionnaire) avaliou o cronotipo e o jetlag social. As pesquisas foram feitas durante consultas padrão para crianças e adolescentes com DF. Os questionários foram aplicados uma vez por um único entrevistador no consultório, sem acompanhamento adicional. Eram elegíveis pacientes com idades entre 8 e 17 anos com diagnóstico de doença falciforme, confirmado por avaliação padrão de atendimento. Foram excluídos os pacientes que estivessem com dor aguda, os que tivessem recebido sedativos antes de completar a pesquisa ou os que recusassem a participação.
Resultados
Todos os 105 pacientes convidados aceitaram participar do estudo. A média de idade dos participantes foi de 13,1 anos e 51% eram do sexo masculino. A maioria dos pacientes foi diagnosticada com HbSS ou HbSβ0-talassemia. Além disso, 61% estavam em uso de hidroxiureia (isolada ou com terapia modificadora de células falciformes adicional).
Os pesquisadores descreveram os seguintes resultados:
- A pontuação média para comprometimento relacionado ao sono foi 53,45;
- A pontuação média para distúrbios do sono foi 51,87;
- A média do escore de interferência da dor foi 48,56.
Os participantes foram categorizados como:
- 51 participantes (48,6%) sem interferência de dor/leve;
- 42 participantes (40%) com interferência de dor moderada;
- 12 participantes (11,4%) com interferência de dor intensa.
As meninas relataram pontuações T mais altas para comprometimento relacionado ao sono do que os meninos (meninas 56,7 versus meninos 50,2 p = 0,0009). Um total de 28 pacientes (27%) necessitaram de pelo menos uma consulta na emergência por causa de dor nos 12 meses anteriores, inclusive, os participantes com uma ou mais visitas no último ano relataram maior distúrbio do sono (55,0 versus 50,7, p = 0,046) e comprometimento relacionado ao sono (57,1 versus 52,1, p = 0,03) do que pacientes sem nenhuma visita ao pronto-socorro por causa de dor no mesmo período.
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A interferência da dor foi significativamente associada tanto aos distúrbios do sono (r = 0,49, p < 0,0001) quanto aos comprometimentos relacionados ao sono (r = 0,46, p < 0,0001). Nos dias letivos, a duração média do sono foi de 8h31, em comparação com a duração média do sono no fim de semana (9h41). O tempo médio de sono nos dias letivos era de 2h13 e o tempo médio de sono nos finais de semana era de 4h44. Por fim, o tempo médio de sono foi de 4h14 ± 1h44 e o jetlag social médio foi de 2h32 ± 1h35.
Conclusão
O presente estudo propõe que a interferência da dor está associada tanto a distúrbios do sono quanto a comprometimentos relacionados ao sono em crianças e adolescentes com doença falciforme. Outro ponto de destaque é que os pesquisadores demonstraram que esses pacientes vivenciam um período de sono relativamente tardio, sugestivo de um cronotipo tardio, e um jetlag social considerável.
Autoria

Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
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