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Pediatria10 fevereiro 2022

Quais as evidências sobre a escolha de antibioticoterapia em lactentes com enterocolite necrotizante estágios II e III de Bell?

Uma revisão não encontrou nenhuma evidência suficiente para qualquer recomendação para antibioticoterapia em lactentes.

Uma revisão sistemática realizada na Dinamarca e publicada no BMC Pediatrics não encontrou nenhuma evidência suficiente para qualquer recomendação sobre antibioticoterapia em lactentes (a escolha de antibióticos, a via de administração ou a duração) tratados para enterocolite necrotizante (necrotizing enterocolitis – NEC) em estágios II e III de Bell.

Estima-se que a NEC ocorra em 1 a 3 de cada 1.000 recém-nascidos (RN). A maioria dos casos (90%) é observada em RN de muito baixo peso e de extremo baixo peso ao nascer (PN), com idade gestacional (IG) inferior a 32 semanas. A incidência pode chegar a 22% entre os lactentes com menor PN e IG.

Leia também: Prevenção de ITU em recém-nascidos com espinha bífida: antibioticoterapia profilática

O tratamento clínico da NEC consiste em antibioticoterapia e interrupção da alimentação enteral devido à imaturidade do trato gastrointestinal e do sistema imunológico inato. Em casos graves, como no estágio III de Bell, a cirurgia pode ser necessária e é indicada a antibioticoterapia pós-operatória com o intuito de prevenir infecções do sítio cirúrgico e a recorrência da condição. O tratamento antibiótico abrange empiricamente bactérias anaeróbicas e Gram-negativas. O regime mais comum relatado é a administração intravenosa (IV) com ampicilina e gentamicina combinadas com metronidazol por um período de 10 a 14 dias. Antibióticos de amplo espectro abrangendo bactérias aeróbicas e anaeróbicas são recomendados, justamente porque nenhum organismo provou consistentemente causar a doença.

Quais as evidências sobre a escolha de antibioticoterapia em lactentes com enterocolite necrotizante estágios II e III de Bell

Metodologia

O estudo, feito conforme a metodologia PRISMA e registrada na plataforma PROSPERO, apresentava dois objetivos: identificar o melhor regime antibiótico para evitar a progressão da doença, avaliada por cirurgia ou óbito e descrever o melhor regime antibiótico para crianças submetidas à cirurgia devido a NEC, avaliada por reabordagem cirúrgica ou morte.

Os pesquisadores levantaram dados das bases Embase, MEDLINE e Cochrane, que foram pesquisadas sistematicamente para estudos em humanos usando antibióticos para pacientes com NEC, estágios II e III de Bell.

Foram incluídos estudos com NEC documentada de acordo com a classificação de Bell estágio II ou III, tratada com pelo menos um tipo de antibiótico e com relato de progressão da doença definida como cirurgia e/ou óbito como desfecho.

Os critérios de exclusão foram: incapacidade de obter o texto completo e dados insuficientes sobre os resultados primários; estudos com dados sobrepostos; relatos de casos; artigos não originais, como revisões, e artigos não disponíveis em inglês ou em idiomas escandinavos (dinamarquês, norueguês ou sueco).

Resultados

Foram incluídos cinco estudos, com um total de 375 lactentes. Dois estudos consistiram em ensaios clínicos randomizados (ECR) e três eram estudos de coorte.

Quatro regimes de antibióticos principais foram descritos: três com uma combinação de ampicilina e gentamicina (ou similar) com adição de 1) clindamicina 2) metronidazol ou 3) administração enteral de gentamicina. Um estudo investigou cefotaxima associada a vancomicina. Nenhum dos estudos investigou um regime antibiótico específico no pós-operatório em crianças submetidas à cirurgia. Todos os bebês continuaram o tratamento específico do estudo que receberam antes da cirurgia.

Conclusão

Os pesquisadores concluíram que nenhuma evidência suficiente foi encontrada para qualquer recomendação sobre a escolha de antibióticos, a via de administração ou a duração em lactentes tratados para NEC com estágios II e III de Bell. De acordo com os autores do estudo, a associação de ampicilina e gentamicina funciona sinergicamente e cria a base para muitos regimes de tratamento para NEC. Os pesquisadores descreveram que a literatura vigente mostra que o uso de piperacilina/tazobactam pode ser um tratamento alternativo na NEC e que muitos estudos não demonstraram nenhum efeito de antimicrobianos anaeróbios como a clindamicina na prevenção da progressão da NEC estágio II.

Saiba mais: Proposta de um esquema de antibioticoterapia para crianças com sepse

As limitações desta revisão são os estudos de dados mais antigos, onde a metodologia e os relatórios eram de um formato diferente, menos rigoroso e estruturado. Como resultado, os pesquisadores relataram dificuldade para se obter informações equivalentes de todos os estudos incluídos. Com as crescentes preocupações sobre a resistência aos antibióticos, são necessários esforços para encontrar um regime de tratamento com efeito máximo, assim como mais conhecimento sobre a antibioticoterapia na prevenção e progressão da NEC, além do tratamento pós-operatório. Outro problema é a dose necessária para uma penetração suficiente do antibiótico na cavidade peritoneal. O método aprovado com microdiálise intraperitoneal para medir as concentrações de antibióticos pode ser uma opção.

Comentários

Para melhor entendimento do texto, o Quadro abaixo exibe a classificação de Bell para a gravidade da NEC.

EstágioSinais sistêmicosSinais intestinaisAchados radiográficosTratamento
IADistermia, apneia, bradicardia, letargiaResíduo gástrico, distensão abdominal, êmese, sangue oculto nas fezesSem alterações ou distensão de alças intestinaisDieta zero e antibioticoterapia por 3 dias
IBIgual a IASangue nas fezesIgual a IAIgual a IA
IIAIgual a IARedução ou abolição de RHA

Pode ocorrer dor à palpação de abdome

PneumatoseDieta zero e antibioticoterapia por 7 a 10 dias
IIBAcidose metabólica e trombocitopeniaAbolição de RHA, dor à palpação de abdome

Pode haver celulite de parede e massa em QID

Pode haver ar no sistema porta ou asciteDieta zero e antibioticoterapia por 14 dias
IIIAAcidose mista, instabilidade ventilatória e hemodinâmicaPiora da dor à palpação, distensão, eritema de parede abdominalAsciteSuporte clínico

Paracentese

Cirurgia caso não haja melhora em 24 a 48 horas

IIIBIgual a IIIAIgual a IIIAPneumoperitônioCirurgia
Legenda: QID – quadrante inferior direito; RHA – ruídos hidroaéreos. Fonte: Adaptado de Hachem et al., 2020

Em artigo de revisão publicado na revista Residência Pediátrica, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Hachem e colaboradores destacam que, se não existe evidência de necrose ou perfuração intestinal, a abordagem inicial da NEC consiste em:

  1. Dieta zero.
  2. Sonda orogástrica (SOG) aberta para descompressão gástrica e monitoração do resíduo gástrico.
  3. Coleta de exames.
  4. Antibioticoterapia de amplo espectro.

Na suspeita, o tratamento pode ser mais curto, por volta de três dias, podendo ser prolongado em casos confirmados.

  1. Monitoração da volemia.
  2. Monitoração do quadro hemodinâmico para avaliar a necessidade de suporte inotrópico.
  3. Considerar nutrição parenteral.
  4. Exame físico detalhado e radiografia de abdome seriados a cada 6 a 8 horas, para detectar precocemente os casos com indicação cirúrgica.

No estádio IIIA, pode haver necessidade de cirurgia, se não houver melhora em 24 horas. No estádio IIIB, sempre existe indicação cirúrgica. No entanto, o momento ideal da cirurgia, isto é, quando ocorre necrose de alça, porém antes da perfuração, ainda é um grande desafio na prática clínica.

Referências bibliográficas:

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