A sepse pediátrica continua sendo uma causa significativa de morbimortalidade global. A disfunção da barreira intestinal e o aumento da permeabilidade desempenham um papel importante na progressão da doença, contribuindo para a translocação bacteriana e a resposta inflamatória sistêmica exacerbada. Intervenções que modulam a microbiota intestinal, como o uso de probióticos, têm sido exploradas como terapias adjuvantes para tentar melhorar os desfechos clínicos.
Neste artigo, tentou-se avaliar a eficácia e segurança da suplementação com probióticos multiespécie na restauração da integridade da barreira intestinal e na melhoria dos desfechos inflamatórios e clínicos em crianças com sepse.
Veja mais: Recomendações para uso de probióticos em patologias gastrointestinais

Métodos utilizados
Este foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, realizado em um único centro, envolvendo apenas 44 crianças (1 a 12 anos) diagnosticadas com sepse. Embora os autores mencionem que fizeram randomização adequada, a amostra é menor do que o necessário para detectar as diferenças propostas como desfechos. Os participantes foram randomizados para receber uma formulação probiótica multiespécie contendo 10 cepas(Grupo Probiótico, n=22) ou placebo (Grupo Placebo, n=22) por apenas 7 dias. O desfecho primário foi a alteração nos marcadores de permeabilidade intestinal (razão lactulose/manitol [L:M], zonulina e diamina oxidase [DAO]) nos dias 7 e 14. Desfechos secundários incluíram níveis de citocinas inflamatórias (IL-6, PCR), duração da ventilação mecânica (VM), tempo de internação hospitalar e tolerância à alimentação enteral.
Resultados
Sobre o desfecho primário, que foi proposto de redução dos marcadores de permeabilidade intestinal, contrariamente à hipótese do estudo, não houve diferença significativa entre os grupos. A razão lactulose/manitol (L:M) apresentou redução em ambos os grupos ao longo do tempo (Grupo Probiótico: média redução de 0.18 ± 0.12; Grupo Placebo: 0.16 ± 0.10), sem diferença estatisticamente significativa entre grupos (p=0.88). Similarmente, os níveis de zonulina no dia 7 foram comparáveis entre probióticos e placebo (p=NS), assim como a diamina oxidase (DAO) e lipopolissacarídeo-binding protein (LBP), que não apresentaram diferenças significativas (p=0.53).
Sobre os desfechos secundários propostos no trabalho apresenta-se a ressalva maior ao estudo. Neste ponto não houve diferença na mortalidade entre os grupos e uma diferença estatística na ventilação (5 dias no grupo probióticos e 8 dias no grupo placebo) pode ser decorrente da amostra pequena, gerando a diferença. A queda de Il-6 e PCR e esperada no tratamento padrão da sepse que obteve sucesso, não no uso do probiótico. A tolerância alimentar se mostrou o único dado relevante com média de 2,7dias no grupo probióticos e 3,8 no grupo placebo com p<0,001, podendo ser aleatória pela amostra pequena. A tolerância foi melhor no grupo probiótico (90%) do que no grupo placebo (18%), porém não fica claro no texto o que seria a tolerância, já que esse 18% do grupo placebo é inferior ao esperado em outros estudos com crianças em tratamento de sepse.
Conclusões
Apesar de ter uma metodologia adequada, randomização e duplo cegamento com grupo placebo, a amostra é insuficiente para conclusões definitivas sobre o tema. O desfecho primário do trabalho não foi atingido e os dados clínicos mais relevantes, como mortalidade, tempo de ventilação e uso de drogas vasoativas, não demonstraram diferenças significativas podendo isso ser decorrência de uma amostra pequena. Redução de citocinas ou outros dados laboratoriais podem não refletir em melhora clínica dos pacientes, o que é muito mais relevante para a assistência à saúde de um paciente.
A suplementação com probióticos multiespécie pode ser aparentemente segura, porém carecem de novos estudos para avaliar a sua real eficácia nos desfechos clínicos.
Autoria

Jandrei Rogério Markus
Médico Graduado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Residência Médica em Pediatria e Infectologia Pediátrica pela UFPR. Especialização em Dermatologia Pediatria - pela UFPR. Mestrado em Saúde da Criança e do Adolescente com área na Infectologia Pediátrica. Doutorado em Saúde da Criança e do Adolescente com área na Dermatologia Pediátrica. Pós-graduado em Controle de Infecções Hospitalar pelo Centro Universitário do Vale da Ribeira. Atuando como médico_ infectologista pediátrico no Hospital e Maternidade Dona Regina (HMDR) e do Hospital Geral Público de Palmas (HGPP). Médico do Serviço de Controle de Infecções da UTI Neonatal do HMDR, UTI Pediátrica do HGPP e da UTI adulto do HGPP. Professor de Pediatria da Afya Faculdade de Ciências Médicas - Porto Nacional-TO. Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia Pediátrica. Presidente do Departamento Cientifico de Dermatologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.