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Pediatria4 outubro 2025

Manejo de feridas causadas por mamíferos: fechamento primário e antibióticos 

A decisão de suturar a ferida da mordida e se deve ser feito ou não o uso de antibióticos profiláticos. Saiba mais sobre a decisão.

A incidência de lesões traumáticas causadas mordidas de mamíferos é algo frequente e com aumento nos últimos anos pela presença cada vez mais comum de animais em casas e mesmo em ambientes da comunidade.  Uma realidade muitas vezes diária em pronto-atendimentos e ambulatórios pediátricos, sempre representou um desafio clínico complexo em algumas questões. A decisão de suturar a ferida da mordida e se deve ser feito ou não o uso de antibióticos profiláticos. Essa dúvida ainda é um ponto de discórdia, devido variáveis que vão desde a natureza da mordida até as características individuais do paciente assim como do animal que a fez. Em meio a esse dilema, uma revisão sistemática e meta-análise, conduzida por Cui et al. e publicada no  World Journal of Emergency Surgery (2025) sob o título “Primary closure and prophylactic antibiotics for treatment of traumatic wounds caused by mammals, a systematic review and meta-analysis“, surge como um norteador, buscando trazer clareza a essa questão. 

feridas aberta criança

Metodologia  

Cui et al. Utiliza metodologia alinhada aos critérios PRISMA e registrada no PROSPERO (CRD42025640800), para investigar a eficácia do fechamento primário versus fechamento tardio/nenhum fechamento, e o uso de antibióticos profiláticos versus nenhum uso de antibióticos. A busca em bases de dados como PubMed e Embase, abrangendo estudos entre 1980 e 2024, visou abranger o máximo de evidências disponíveis. 

O painel de pesquisa incluiu não apenas Ensaios Clínicos Randomizados (RCTs) mas também estudos observacionais (coortes e caso-controle). Esta inclusão, embora introduza maior heterogeneidade, tenta expandir a amostra e a aplicabilidade clínica, especialmente em um tema onde RCTs de grande porte são desafiadores. A avaliação da qualidade dos RCTs pelo Cochrane risk of bias tool e dos estudos observacionais pela Newcastle–Ottawa Scale demonstra um compromisso com a validade dos estudos incluídos na meta-análise.  

Os desfechos primários investigados foram a incidência de infecção da ferida ou má cicatrização e a taxa de satisfação com a cicatrização. Desfechos secundários, como tempo de cicatrização e incidência de cicatrizes hipertróficas, também foram considerados, embora com menor poder de análise.  

Resultados 

A meta-análise incluiu 26 estudos, totalizando 8.091 pacientes para a comparação entre fechamento ou não, e 2508 pacientes para uso ou não do antibiótico profilático. 

Fechamento Primário versus Fechamento Retardado/Nenhum Fechamento com relação a infecções 

Inicialmente não houve diferença entre fechamento primário versus tardio ou não suturar a lesão. Porém ao realizarem análises diferenciando alguns aspectos observou-se que fechamento primário apresentou melhores resultados do que o fechamento tardio, com menor número de infecções e mesmo um resultado estético melhor (OR 0.49; 95% de CI: 0.27 a 0,90). Porém, a observação que essa opção é claramente melhor em situações especificas:  a localização nos membros e tronco (0.41; 95% de CI: 0.23 a 0.73) e a busca por atendimento e fechamento sejam rápidos, sendo esse tempo de até 10 horas (0.59; 95% de CI: 0.39 a 0.89).  

Na análise dos resultados de satisfação com o resultado, houve uma alta hetereogenicidades, onde 3 artigos utilizavam técnicas avançadas como o curativo a vácuo que muitas vezes não está disponível. Na reanálise sem esses dados demonstrou que o fechamento primário apresenta um melhor resultado cosmético (OR 3.68; 95% de CI: 1.27 a 10.68). Deste modo, sugere-se que ambientes onde os recursos tecnológicos sejam mais restritos prefira-se o fechamento primário pelos melhores resultados estéticos.  

Uso de antibióticos profiláticos versus nenhum antibiótico 

A análise evidenciou que o uso profilático de antibióticos não diminuiu as chances de infecção (OR: 0.73; 95% de CI: 0.46 a 1.17 para todos os estudos; RR: 0.81; 95% de CI: 0.46 a 1.44 para os RCTs). 

Porém na análise de situações e grupos específicos, houve algumas recomendações.  

Tipo de animal : quando o agressor for um mamífero diferente do cachorro, o uso de antibiótico demonstrou-se benefício em redução das infecções (OR: 0.24; 95% de CI: 0.06 a 0.98). 

Localização :  feridas no rosto ou na cabeça também demonstraram benefício como uso profilático (OR: 0.13; 95% de CI: 0.03 a 0.52). 

Conclusões  

A meta-análise de Cui et al. reforça que, na medicina, as respostas raramente são fáceis. As diretrizes são dinâmicas e mudam com frequência, sendo que esta meta-análise permite algumas conclusões:  

  1. Fechamento Primário: Deve ser a prioridade em feridas traumáticas causadas por mamíferos, principalmente se comparado ao fechamento retardado, pois diminui a infecção e melhora o resultado estético.  Isso muda a perspectiva em relação a conceitos antigos que preconizavam o não fechamento de feridas por mordeduras. 
  1. Antibióticos Profiláticos: O uso rotineiro não é universalmente benéfico. Contudo, é fortemente indicado para feridas causadas por mamíferos que não sejam cachorros (gatos e mesmo outros seres humanos) e muito recomendado para lesões localizadas na face/cabeça. 

Autoria

Foto de Jandrei Rogério Markus

Jandrei Rogério Markus

Médico Graduado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Residência Médica em Pediatria e Infectologia Pediátrica pela UFPR. Especialização em Dermatologia Pediatria - pela UFPR. Mestrado em Saúde da Criança e do Adolescente com área na Infectologia Pediátrica. Doutorado em Saúde da Criança e do Adolescente com área na Dermatologia Pediátrica. Pós-graduado em Controle de Infecções Hospitalar pelo Centro Universitário do Vale da Ribeira. Atuando como médico_ infectologista pediátrico no Hospital e Maternidade Dona Regina (HMDR) e do Hospital Geral Público de Palmas (HGPP). Médico do Serviço de Controle de Infecções da UTI Neonatal do HMDR, UTI Pediátrica do HGPP e da UTI adulto do HGPP. Professor de Pediatria da Afya Faculdade de Ciências Médicas - Porto Nacional-TO. Membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia Pediátrica. Presidente do Departamento Cientifico de Dermatologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

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