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Pediatria11 novembro 2024

Jornada Anual de Pneumologia Pediátrica - Infecção por Mycoplasma, VSR e mais!

A mesa intitulada “Ano em Revisão”, trouxe atualizações sobre sibilância no lactente, imunização para VSR e infecção pulmonar por Mycoplasma.  

Nos dias 08 e 09 de novembro, aconteceu a Jornada Anual de Pneumologia Pediátrica da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ). A última mesa do primeiro dia de jornada, intitulada “Ano em Revisão” trouxe atualizações relevantes nos temas sibilância no lactente, imunização para o vírus sincicial respiratório (VSR) e infecção pulmonar por Mycoplasma 

Jornada Anual de Pneumologia Pediátrica

Sibilância no lactente 

A palestra foi ministrada pela Dra. Rafaela Baroni (Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ). A palestrante trouxe as recomendações recentes da European Respiratory Society (ERS) de 2024. Destacam-se os seguintes pontos abordados: 

  • Qual a faixa etária para se definir a sibilância no pré-escolar? 

De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a faixa etária pré-escolar se encontra entre o lactente e o escolar. Porém, há estudos que usam idades diferenciadas (como 1 a 4 anos ou 0 a 5 anos). Conforme as novas recomendações da ERS, a “sibilância recorrente no pré-escolar” deve ser o termo correto a ser empregado até os seis anos de idade, não devendo ser utilizado o termo “lactente sibilante”. 

  • Quais são as evidências para tratamentos para a sibilância pré-escolar sendo determinados por e impactando a fisiopatologia e os mecanismos: 
  1. Corticoides inalatórios (CI) 
  • Uso contínuo x intermitente: ambos com benefícios, não se sabe quem será asmático no futuro. 
  • Não há evidência na insuficiência respiratória em longo prazo. 
  • Fluticasona: 100 mcg 12/12h por pelo menos 3 meses. 
  • Beclometasona: 200 mcg (aerossol oral) 12/12h por 4 meses. 
  • Budesonida: 0,5 mg/dia.  

2. Macrolídeos 

  • Não há benefício na sibilância aguda na emergência. 
  • Não há estudos sobre prevenção da sibilância recorrente. 

3. Lisados bacterianos mistos 

  • Extratos bacterianos inativados com atividade imunomoduladora. 
  • Moraxella catarrhalis, Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae. 
  • Via fator nuclear kappa B e proteína quinase ativada por mitógeno – vias que ativam células dendríticas. 
  • Maior benefício em episódios induzidos por vírus e não alérgicos.  

A Dra. Rafaela também mencionou o guideline da Global Initiative for Asthma (GINA) 2024, respondendo à seguinte questão: qual criança vai se beneficiar do tratamento de controle regular com dose baixa de CI? Segundo o GINA, em casos em que a história e o padrão dos sintomas sugerem asma, em pacientes com sintomas respiratórios não controlados, em pacientes com sibilância frequente e, se houver dúvidas quanto ao diagnóstico de asma, pode ser iniciado um teste com CI regular. A palestrante também citou o artigo Rhinovirus-induced wheeze was associated with asthma development in predisposed children (Holmdahl e colaboradores, 2024) que sugere que os rinovírus estão associados ao desenvolvimento de asma em crianças predispostas. Por fim, ela comentou sobre as perspectivas do uso da tecnologia no controle da asma, como o uso de aplicativos, como o Asmapp – A smartphone app for preschool wheezing and reliability of medical history collection (Ullmann e colaboradores, 2024). 

Imunização para o vírus sincicial respiratório (VSR) 

A Dra. Patrícia Barreto (Instituto Fernandes Figueira – IFF) palestrou sobre a imunização para o VSR, com destaque para o uso de anticorpos monoclonais para imunização passiva, cuja vantagem é o fornecimento de proteção imediata. No entanto, a desvantagem se dá pelo fato de que essa proteção não é duradoura.  

A palestrante mencionou o estudo Mellody, que avaliou o uso do anticorpo monoclonal nirsevimabe para a prevenção de hospitalizações pelo VSR. Trata-se de um novo anticorpo monoclonal humano, recombinante, neutralizante de imunoglobulina G1 kappa direcionado à conformação de pré-fusão da proteína de fusão (F) do VSR. O nirsevimabe tem uma substituição de três aminoácidos, resultando em uma meia-vida estendida, prolongando, portanto, a duração de sua ação protetora. Além disso, o nirsevimabe mostrou maior potência na redução da carga viral pulmonar em modelos animais. É indicado para imunização passiva de dose única para todos os lactentes que experimentam sua primeira temporada de VSR. 

O nirsevimabe, cujo nome comercial é Beyfortus®, deve ser administrado em dose única para todos os recém-nascidos e lactentes menores de um ano nascidos durante ou entrando em sua primeira temporada de circulação do VSR. É indicado também para crianças de até 24 meses de idade que permanecem vulneráveis à doença grave causada pelo VSR até sua segunda temporada do vírus. A dose recomendada é de 50 mg para crianças com peso < 5 kg e 100 mg para aquelas com peso ≥ 5 kg.  

Para ilustrar o uso promissor do nirsevimabe, a Dra. Patrícia citou o terceiro relatório do estudo chileno NirseCL, publicado em 30 de outubro de 2024. Até o dia 06/09/24, a cobertura de nirsevimabe no país foi de 98,3% para bebês nascidos na sazonalidade, e 90% para bebês nascidos antes da sazonalidade. A estratégia mostrou redução de hospitalizações por VSR de 80%, 89% e 93% quando comparados aos anos 2019, 2022 e 2023, respectivamente.  

Mais informações sobre a imunização passiva com nirsevimabe para prevenção da doença pelo VSR em crianças estão no posicionamento conjunto da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Sociedade Brasileira de Imunizações: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/24371d-PosicionConjto_ Imuniz_passiva_Nirsevimabe_prevencao_doenca_pelo_VSR_em_Crc__1_.pdf  

Infecção pulmonar por Mycoplasma 

A última palestra do dia 08 de novembro foi ministrada pela Dra. Alessandra Fonseca (Hospital Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro), que trouxe tópicos atuais e relevantes sobre a infecção pulmonar por Mycoplasma 

O Mycoplasma é uma bactéria sem parede celular, resistente aos antibióticos beta-lactâmicos. Sua transmissão ocorre por gotículas e o período de incubação varia de 1 a 4 semanas. A infecção por Mycoplasma ocorre de forma endêmica em todo o mundo, com picos de incidência a cada 3 anos, em surtos em locais com aglomeração. É importante lembrar que essa bactéria pode colonizar o trato respiratório e persistir por meses nas vias aéreas após a infecção, havendo ainda possibilidade de transmissão. É mais prevalente na Ásia e o diagnóstico é feito por meio de PCR em secreções respiratórias e testes sorológicos. 

As infecções por Mycoplasma atingem o trato respiratório: faringite, bronquite e pneumonia. Os quadros, em geral, são leves e, muitas vezes, autolimitados, mas podem ser graves. O grau de inflamação é crucial na gravidade (muito mais que a bactéria em si). Conforme mencionado no livro Red Book (2021-2024), o tratamento consiste no uso de macrolídeos e resistência a essa classe é mais comumente encontrada na Ásia, em especial China e Japão. A resistência aos macrolídeos parece não estar relacionada à gravidade da doença, sendo tema ainda controverso. Outras opções consistem no uso de quinolonas ou tetraciclinas, ambas com restrições em pediatria.  

A Dra. Alessandra mostrou o artigo “Mycoplasma pneumoniae: gone forever?” (Sauteur e colaboradores, 2023), publicado no The Lancet. O estudo comenta que, após a pandemia de covid-19, houve redução das infecções por Mycoplasma no período de isolamento. No entanto, com o relaxamento das medidas de isolamento, as infecções por outros patógenos retornaram, mas isso não aconteceu com o Mycoplasma. Dessa forma, um grupo foi criado para vigilância do comportamento do Mycoplasma: ESGMAC Mycoplasma pneumoniae Surveillance (MAPS) study group. O grupo traz questões relevantes sobre este patógeno: Por que ele não voltou? Como será a sua volta? Na publicação, o grupo relata já haver um aumento das notificações de casos de Mycoplasma pneumoniae na Europa e na Ásia.  

Em dezembro de 2023, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) divulgou um alerta sobre o aumento de doenças respiratórias em crianças no norte da China e o Mycoplasma pneumoniae estava envolvido neste aumento (foi, inclusive, aventada a possibilidade de uma “doença misteriosa”). Na Europa, especialmente na Dinamarca, também houve um aumento nas detecções do Mycoplasma pneumoniae, principalmente em crianças e adolescentes.  

A palestrante também apresentou dados recentes do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), publicados em outubro de 2024. De acordo com o CDC, um aumento das infecções por Mycoplasma também tem sido observado nos Estados Unidos: houve um pico em agosto/2024 em todas as idades, mas houve um aumento mais expressivo na faixa etária de 2 a 4 anos (uma faixa etária que, historicamente, não era acometida). O CDC menciona também que a pneumonia por Mycoplasma é de evolução mais leve e, por isso, é chamada de “walking pneumonia” (“pneumonia ambulante”), isto é, indivíduos com pneumonia causada pelo Mycoplasma pneumoniae podem parecer melhores do que o esperado para alguém com uma infecção pulmonar. Com sintomas leves, os pacientes tendem a não ficar em casa ou na cama, daí a expressão “pneumonia ambulante”. Por fim, o relatório do CDC menciona que a resistência aos macrolídeos é inferior a 10% na Europa. Todavia, na China, é de 80%.  

Outros 3 artigos mostrados pela Dra. Alessandra na aula: 

  1. Challenges in the treatment of pediatric Mycoplasma pneumoniae pneumonia (Ding e colaboradores, 2024) 
  • A pneumonia por Mycoplasma pneumoniae resistente aos macrolídeos ocorre por mutações nas posições 2063 e 2064 do domínio do rRNA; 
  • O Mycoplasma pneumoniae resistente não é mais virulento, mas dificulta o tratamento e há maior chance de complicações extrapulmonares; 
  • Se não houver melhora clínica e da curva térmica após 72 horas do início do tratamento com macrolídeos, trocar para quinolona ou tetraciclina; 
  • A tosufloxacina é liberada no Japão para a pediatria;  
  • Pneumonia hiperinflamatória resistente a corticoides: febre persistente ou que retorna mesmo após três dias de corticoterapia venosa. Nesse caso: prescrever imunoglobulina venosa (2 gramas/kg) em 1 a 4 dias. Aumentar a dose de metilprednisolona para 4 mg/kg/dia ou iniciar pulsoterapia (30 mg/kg/dia por e dias). 

      2. Laboratory diagnosis and treatment of Mycoplasma pneumoniae infection in children: a review (Gao & Sun, 2024) 

  • O diagnóstico é desafiador, pois o Mycoplasma pneumoniae tem crescimento lento em cultura, leva à persistência de anticorpos muito tempo após a infecção e pode colonizar as vias aéreas em assintomáticos; 
  • O PCR (método molecular por amplificação de DNA) é o padrão-ouro; 
  • Sorologia quantitativa: IgM após 1 semana, com pico em 3 semanas. IgG a partir da terceira semana; 
  • A detecção de antígeno por imunocromatografia traz resultados mais rápidos.  

      3. Expert consensus on the diagnosis and treatment of macrolide-resistant Mycoplasma pneumoniae pneumonia in children (Wang e colaboradores, 2024) 

  • A resistência a macrolídeos na China é de até 100%; 
  • O mecanismo de resistência ocorre por mutação no domínio V do rRNA (devido ao uso indiscriminado de azitromicina);  
  • A infecção por germe resistente tem clínica semelhante, porém quadros mais arrastados e complicados;  
  • Sempre pensar em resistência nos casos sem melhora com macrolídeo; 
  • O PCR com tecnologia para identificar mutações já está disponível em alguns países; 
  • O tratamento com macrolídeos segue sendo a primeira escolha. No entanto, trocar para levofloxacino nos casos sem melhora após 3 dias de macrolídeo; 
  • Não é recomendado usar corticoide de rotina para os casos de pneumonia com resistência ao macrolídeo; 
  • Não é recomendado o uso de imunoglobulina de rotina para os casos de pneumonia resistente aos macrolídeos. 

Veja também: Jornada Anual de Pneumologia Pediátrica – Dispositivos inalatórios em pediatria

As mensagens finais da palestrante foram: 

  • No momento, há aumento do número de casos de infecções por  Mycoplasma pneumoniae em todo o mundo;  
  • Não há resistência aos macrolídeos documentada no Brasil; 
  • Os macrolídeos seguem sendo a primeira escolha no tratamento; 
  • Os quadros podem ser graves e necessitar de intervenções específicas; 
  • Tentar isolar o  Mycoplasma pneumoniae é útil para o raciocínio terapêutico, dependendo da evolução.  
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Referências bibliográficas

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