Um terço das crianças e adolescentes foram expostos ao menos a um evento traumático — a maior parte deles reage resilientemente ao trauma, mas um quinto desenvolve o transtorno de estresse pós-traumático. O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) pediátrico é um transtorno mental incapacitante e frequentemente crônico, caracterizado pela revivescência do trauma, evitação de estímulos ligados ao trauma, mudanças na cognição e emoções e hiperativação. Considerando a alta prevalência e a carga de doença do TEPT pediátrico, é uma prioridade o estabelecimento de tratamentos eficazes para a condição. A revisão sistemática com metanálise em rede conduzida por Hoppen e colaboradores buscou responder como os tratamentos psicológicos se comparam em termos de melhora do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) pediátrico.
Método
A revisão sistemática e metanálise seguiu a diretriz PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses). A questão principal da pesquisa (população, intervenção, comparação, resultado e estudo) foi a seguinte: em crianças e adolescentes com TEPT completo ou subclínico, como as intervenções psicológicas — comparadas a condições de controle passivo, controle ativo ou entre diferentes categorias de intervenções — funcionam em termos de redução da gravidade dos sintomas de TEPT em ensaios clínicos randomizados (ECRs)?
Estudos publicados até 02 de janeiro de 2024 foram incluídos, sem restrições de linguagem ou formato de publicação. Foram incluídos ensaios clínicos randomizados que investigassem intervenções psicológicas para TEPT pediátrico comparado com um controle. A idade média da amostra deveria ser menor que 19 anos, todos os participantes deveriam ter TEPT completo ou subclínico e os resultados deveriam ter, ao menos, dez participantes por braço.
O estudo comparou quatro categorias de tratamento psicológico: terapia cognitivo comportamental focada no trauma (TCC-FT), dessensibilização e reprocessamento através de movimentos oculares (EMDR), intervenções não focadas no trauma e tratamentos multidisciplinares (tratamentos que combinam técnicas de, pelo menos, dois das categorias mencionadas). Os controles foram divididos em passivos (ex.: lista de espera) ou ativos (ex.: tratamento usual). Só foram incluídas categorias com quatro ou mais comparações diretas.
Foram determinados três períodos de avaliação: pós-tratamento (curto prazo); médio prazo (até cinco meses após o final do tratamento); longo prazo (após cinco meses do final do tratamento). Quando as avaliações se enquadravam nas categorias de médio e longo prazo, a avaliação mais longa era escolhida. O desfecho primário de interesse foi a diferença média padronizada (g de Hedges) na gravidade do TEPT entre os grupos comparadores — g foi interpretado como efeito pequeno (0,20), médio (0,50) e grande (0,80).
Resultados
Foram incluídos 70 ensaios clínicos randomizados, abrangendo 5.528 participantes. (59% dos ensaios) realizaram intervenções individualmente e 29 (41% dos ensaios) envolveram pais ou cuidadores principais nos tratamentos. O número médio de sessões foi dez, com uma duração média do tratamento de 6,5 horas. 40 ECRs (57% dos ensaios) fizeram seguimento dos pacientes (de um mês a 24 meses após o tratamento). Dos 4.413 participantes, 3.979 deles (90%) tinham critérios diagnósticos para TEPT completo no início do estudo. 3.334 dos 5.528 participantes (60%) se identificavam como mulheres. A idade média nos estudos foi de 12,21 anos (DP: 3,08).
Na metanálise em rede principal sobre resultados de médio prazo, foi encontrada inconsistência significativa para tratamentos multidisciplinares e uma análise corrigida sem eles foi realizada. Na metanálise em rede de sensibilidade sobre resultados de médio prazo para tratamentos individuais, foram encontradas inconsistências significativas para todas as comparações, impedindo a correção. Desse modo os resultados não foram relatados.
Resultados de Curto-Prazo
- Controle Passivo: TCC-FT (g: 1,06; IC 95%: 0,86-1,26; P < 0,001), EMDR (g: 0,86; IC 95%: 0,54-1,18; P < 0,001), tratamento multidisciplinar (g: 0,95; IC 95%: 0,62-1,28; P < 0,001) e intervenções não focadas no trauma (g: 0,88; IC 95%: 0,53-1,23; P < 0,001) foram todas associadas a reduções significativamente maiores no TEPT pediátrico.
- Controle Ativo: apenas TCC-FR (g: 0,55; IC 95%, :0,36-0,74; P < 0,001), tratamento multidisciplinar (g: 0,43; IC 95%: 0,09-0,77; P = 0,01) e intervenções não focadas em trauma (g: 0,36; IC 95%: 0,01-0,72; P = 0,04) foram associadas a reduções significativamente maiores no TEPT pediátrico.
As diferenças nos tamanhos de efeito agrupados entre os tratamentos não foram estatisticamente significantes (nenhuma categoria de tratamento foi superior às outras).
Resultados de Médio Prazo
- Controle Passivo: TCC-FT (g = 0,87; IC 95%, 0,58-1,17; P < 0,001), EMDR (g = 0,95; IC 95%, 0,48-1,41; P < 0,001), tratamento multidisciplinar (g = 0,59; IC 95%, 0,03-1,15; P = 0,04) foram associadas a reduções significativamente maiores no TEPT pediátrico.
- Controle Ativo: apenas TF-CBTs (g = 0,45; IC 95%, 0,17-0,73; P = 0,002) e EMDR (g = 0,52; IC 95%, 0,04-1,00; P = 0,03) mantiveram significância estatística.
Resultados de Longo Prazo
Apenas TCC-FT e intervenções não focadas em trauma tiveram evidências suficientes, conforme dados abaixo.
- Controle Passivo: TCC-FT (g: 0,76; IC 95%: 0,27-1,26; P = 0,002) e intervenções não focadas no trauma (g: 0,71; IC 95%: 0,15-1,27; P = 0,01).
- Controle Ativo: TCC-FT (g: 05,5; IC 95%: 0,30-0,81; P < 0,001) e intervenções não focadas no trauma (g: 0,50; IC 95%, 0,09-0,93; P = 0,02).
Discussão: intervenções psicológicas para transtorno de estresse pós-traumático em crianças
TCC-FT foi a intervenção mais estudada para TEPT em crianças e adolescentes e foi associada a maior redução de sintomas no curto e longo prazo, seguida por EMDR, tratamentos multidisciplinares e intervenções não focadas no trauma. Os resultados da pesquisa endossam as recomendações das principais diretrizes de tratamento.
A revisão também evidenciou lacunas na literatura, como a falta de seguimentos de longo prazo da EMDR e poucos estudos avaliando intervenções multidisciplinares e não-focadas no trauma. Cerca de três quartos dos dados disponíveis dizem respeito a TCC-FT, o que significa que os efeitos do tratamento de TCC-FT podem ser estimados de forma mais robusta.
Limitações
- As categorias de intervenções não focadas no trauma, intervenções multidisciplinares e outras intervenções focadas no trauma são heterogêneas no que diz respeito aos fundamentos teóricos;
- Foram encontradas inconsistências nos dados relacionados aos desfechos de médio prazo. No entanto, os resultados não se alteraram após correção das inconsistências na reanálise;
- As análises de sensibilidade de faixa etária não são completamente precisas uma vez que as categorizações foram feitas com a idade média da amostra ao invés dos dados de pacientes individuais;
- O controle ativo pode abarcar diferentes elementos a depender do contexto, tornando-o um grupo de comparação heterogêneo;
- Poucos estudos reportaram os dados da análise por intenção de tratar.
Impactos para a prática clínica
- Intervenções psicológicas, particularmente TCC-FT, reduzem significativamente os sintomas de TEPT pediátrico;
- TCC-FT foi a intervenção mais estudada para transtorno de estresse pós-traumático em crianças e adolescentes e foi associada a maior redução de sintomas no curto e longo prazo, seguida por EMDR, tratamentos multidisciplinares e intervenções não focadas no trauma.
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