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Pediatria22 junho 2021

Fibromialgia juvenil primária: Uma revisão sobre o tratamento e seu prognóstico

Recentemente, foi publicada uma revisão sobre o tratamento e prognóstico da fibromialgia juvenil primária. Saiba mais.

A fibromialgia juvenil primária (FJP) é uma doença caracterizada pela dor musculoesquelética crônica e difusa, associada a múltiplos pontos dolorosos (tender points) previsíveis, sendo descrita pela primeira vez em 1985 por Yunus e Mazi. Em 2021, foi publicada por Coles e Uziel, na revista Pediatric Rheumatology, uma revisão sobre o tratamento e prognóstico dessa doença. Os aspectos mais relevantes desta publicação serão expostos a seguir.

fibromialgia juvenil primária

Tratamento da fibromialgia juvenil primária

O objetivo principal do tratamento da FJP consiste em garantir qualidade de vida através do alívio da dor e da melhora da funcionalidade.

O tratamento inicial deve ser não farmacológico, sendo a base terapêutica os exercícios físicos.

Deve-se sempre reconhecer que a dor do paciente é real, com duração indeterminada e sem cura imediata, porém enfatizar que esta não acarreta riscos e possui tratamento.

Fisioterapia

O benefício dos exercícios, que inclui treinamento aeróbio, de força e resistência ou terapias baseadas em movimento (como tai chi e ioga), foi demonstrado em estudos para tratamento de adultos com fibromialgia. A recomendação para crianças é de, pelo menos, 30 minutos de exercícios moderados a vigorosos por 2 a 3 vezes na semana.

Apesar de recomendado, a aderência a longo prazo aos exercícios na fibromialgia juvenil primária é baixa, já sendo demonstrado que crianças com dor crônica são fisicamente menos ativas. Alterações neurobiológicas estão associadas ao aumento da dor em pacientes com fibromialgia, de forma que a intensificação desta após os exercícios pode desencorajar o engajamento.

Adolescentes com fibromialgia juvenil primária possuem alterações biomecânicas de marcha, postura e equilíbrio, que os tornam mais propensos a lesões durante o exercício.

Além disso, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) isoladamente, apesar de sua melhoria na funcionalidade e no enfrentamento da dor, não demonstrou eficácia na adesão a atividade física. Assim, recomenda-se associar o TCC a outras intervenções adicionais para melhorar a adesão à terapia física. Resultados promissores foram observados em intervenções que combinam TCC com treinamento neuromuscular, como Fibromyalgia Integrative Training for Teens (FIT-Teens). Ademais, existem outras formas de abordagem personalizada de treinamento neuromuscular, modificadas a partir de protocolos de prevenção de lesões baseados em evidência da medicina esportiva pediátrica.

Propõe-se ainda que formas menos extenuantes de exercícios físicos e modificações de estilo de vida podem melhorar a aderência a longo prazo.

Leia também: Pacientes com síndrome de fibromialgia juvenil têm maior risco de suicídio?

Terapias psicológicas

Psicoterapias, em especial a TCC, representam as terapias com maior evidência no tratamento da fibromialgia juvenil primária. TCC mostrou melhora na incapacidade funcional e na capacidade de lidar com a dor entre adolescentes. Foi observado que maior déficit funcional inicial e maior capacidade de enfrentamento aumentaram significativamente a resposta a TCC.

Muitos pacientes com fibromialgia juvenil primária apresentam comorbidades psiquiátricas, especialmente ansiedade e depressão, sendo benéfico o encaminhamento a um psiquiatra.

Tratamento farmacológico

A evidência dos tratamentos farmacológicos para fibromialgia juvenil primária é limitada. Ensaios clínicos de larga escala estão sendo conduzidos para avaliação de tratamentos medicamentosos.

Analgésicos não-opioides e anti-inflamatórios

Analgésicos tópicos ou sistêmicos, bem como anti-inflamatórios não esteroidais, são usados para tratamento de fibromialgia e FJP, porém não mostraram efetividade, possivelmente pela sua ação periférica, uma vez que o mecanismo de dor nesses pacientes é de origem central. Prednisona também não se mostrou efetiva em adultos.

Anticonvulsivantes

Gabapentina e pregabalina mostraram-se eficazes no tratamento de Fibromialgia em adultos, com boa tolerância. Um ensaio clínico randomizado e duplo cego de 2016 não mostrou eficácia clara em adolescentes com FJP e evidenciou um perfil de segurança levemente pior em comparação com adultos.

Antidepressivos

Inibidores de receptação de serotonina e noradrenalina, com duloxetina e milnacipran, mostraram benefício no alívio das dores em adultos. Os dados são limitados na população pediátrica. Estudo recente em adolescentes mostrou redução da dor com uso de duloxetina em comparação com placebo, sem problemas relacionados à segurança da medicação.

Os inibidores seletivos de receptação de serotonina, como fluoxetina e paroxetina, possuem menos evidências de eficácia em adultos com fibromialgia. Estudo exploratório e aberto avaliando uso de fluoxetina em FJP demonstrou redução na dor e melhora global, porém as doses toleradas foram baixas por efeitos adversos.

A amitriptilina é o antidepressivo tricíclico prescrito para tratamento de fibromialgia. Foi observado melhora do sono, da dor e da fadiga. Existem poucas evidências suportando o uso de amitriptilina para fibromialgia juvenil primária, porém apresentam importante função no tratamento de comorbidades psiquiátricas associadas. 

Analgésicos opioides

Opioides não são efetivos no tratamento de fibromialgia em adultos. Em crianças, deve-se evitar o uso devido ao risco de dependência e abuso.

Antagonistas de receptor opioide

Baixas doses de Naltrexone podem ser efetivas e seguras em adultos com fibromialgia. Não existem estudos na população infantil.

Saiba mais: Individualização é a palavra-chave para o uso seguro dos opioides no tratamento da dor

Relaxantes musculares

A Ciclobenzaprina, relaxante muscular semelhante a tricíclico, tem recomendação fraca para adultos com fibromialgia e distúrbios do sono. Mais pesquisas são necessárias sobre formulação sublingual de liberação lenta, que seriam mais adequadas às crianças pela redução de frequência de administração.

Canabinoides

Podem ser úteis no manejo da fibromialgia devido aos seus efeitos na dor. Alguns estudos recentes mostraram segurança da medicação como terapia adjuvante no tratamento de adultos, mas os dados ainda são escassos. Mais estudos precisam confirmar eficácia e segurança em crianças.

Tratamentos complementares 

Intervenções dietéticas

Vários estudos sugerem um possível efeito da reposição de vitamina D sobre sintomas musculoesqueléticos, depressão e qualidade de vida em adultos com fibromialgia. A relação causal não é bem estabelecida. Faltam dados sobre a população pediátrica, porém a suplementação de vitamina D pode ser considerada como coadjuvante na terapia.

Mindfulness

Pode afetar a relação dos adolescentes com a dor, especialmente no que diz respeito à catastrofização da dor. Terapia de redução de estresse baseado em mindfulness em paciente pediátrico com dor crônica mostrou aumento da atenção plena, porém apresentou inconsistência nos outros desfechos.

Tai Chi

Em adultos com fibromialgia, Tai chi mostrou melhora dos sintomas, sendo uma opção terapêutica. Faltam dados dessa modalidade para crianças e adolescentes.

Acupuntura

Pode ser efetiva em pacientes pediátricos com dor crônica. Em adultos com fibromialgia, apresenta resultados conflitantes. Estudos adicionais precisam ser realizados antes de serem recomendados para pacientes com FJP.

Imaginação Guiada e Hipnose

Em adultos, a hipnose parece estar associada a redução da dor e do estresse psicológico. Hipnose em combinação com TCC foi superior a TCC isolada na redução de estresse psicológico.

Estimulação nervosa

Estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) mostrou melhora da dor evocada por movimento, fadiga e outros desfechos clínicos. Não há ensaios clínicos em crianças e adolescentes avaliando eficácia. 

Técnicas de estimulação cerebral não invasivas podem ser modalidades seguras e viáveis em adultos. Estas técnicas mostraram redução de dor e fadiga, além de aumento de funcionalidade. Estudos maiores em população pediátrica precisam ser realizados antes da aplicação em fibromialgia juvenil primária.

Prognóstico da fibromialgia juvenil primária

Estudos mostram resultados conflitantes a respeito do prognóstico. Parece que o prognóstico tende a ser pouco favorável, com sintomas psicológicos e físicos crônicos. Foi demonstrado que crianças com FJP exibiram piora da dor e da qualidade de vida ao longo do tempo, independente da modalidade de tratamento ou adesão à terapia. Além do comprometimento físico e emocional, pacientes com fibromialgia juvenil primária não alcançaram o mesmo nível de educação e poucos se casaram comparado com o grupo controle.

O efeito da idade de início no prognóstico é incerto. Pacientes com piora dos sintomas depressivos tendem a apresentar piora da funcionalidade física ao longo do tempo, devendo ter um tratamento mais intensivo. Além disso, os sintomas depressivos tiveram maior associação com ausência escolar, sendo fator de risco para problemas psiquiátricos, econômicos, sociais e conjugais na vida adulta. Sintomas cognitivos, catastrofização da dor e medo de movimentação estão associados a pior prognóstico.

O ambiente familiar também parece estar associado ao prognóstico a longo prazo. Suporte social é um preditor de funcionalidade em adolescentes. Estudos adicionais precisam ser realizados para determinar os fatores prognósticos a longo prazo em FJP.

Conclusão

A fibromialgia juvenil primária é uma doença musculoesquelética crônica que leva a perda de funcionalidade e prejuízos socioeconômicos a longo prazo. O tratamento padrão consiste em uma abordagem multidisciplinar, sendo o exercício físico e o tratamento psicológico as bases. O uso de medicações pode auxiliar no controle de sintomas e o plano de tratamento deve ser individualizado. Estudos de melhor qualidade são necessários para melhor compreensão do tratamento e do prognóstico na população pediátrica.

Referência bibliográfica:

  • Coles ML, Uziel Y. Juvenile primary fibromyalgia syndrome: A Review- Treatment and Prognosis. Pediatr Rheumatol Online J. 2021 May 18;19(1):74. doi: 10.1186/s12969-021-00529-x. PMID: 34006290; PMCID: PMC8130260.
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