A doença de Hirschsprung (DH) é uma anomalia congênita caracterizada pela ausência de células ganglionares no intestino distal, resultando em disfunções intestinais graves desde o período neonatal, sendo uma das principais manifestações clínicas a constipação intestinal, seguida da distensão abdominal, secundária as falhas na migração de células da crista neural durante o desenvolvimento embrionário.
Embora o tratamento cirúrgico tenha melhorado a sobrevida e reduzido complicações imediatas, muitos pacientes ainda sofrem com dismotilidade intestinal e outros distúrbios funcionais a longo prazo. Nesse sentido, um artigo revisou o estado atual do diagnóstico e manejo da DH e explorou potenciais avanços futuros promissores, incluindo diagnósticos menos invasivos, inteligência artificial, terapias celulares e abordagens epigenéticas. Veja todos esses aspectos de maneira sumarizada:

Diagnóstico atual:
- A biópsia retal por sucção com coloração por H&E (hematoxilina e eosina) e acetilcolinesterase permanece o padrão-ouro, com alta sensibilidade e especificidade;
- Exames como enema contrastado e manometria anorretal são úteis para o diagnóstico, mas não definitivos.
Tratamento atual e complicações associadas:
- A cirurgia de pull-through é a principal estratégia, podendo ser transanal ou assistida por laparoscopia;
- Complicações a longo prazo incluem constipação refratária, incontinência fecal e enterocolite associada à Hirschsprung (HAEC), afetando de 4% a 50% dos pacientes conforme o tipo de complicação.
- Muitos pacientes apresentam disfunções mesmo nas áreas do intestino consideradas “normais”, indicando alterações mínimas no sistema nervoso entérico.
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Avanços e futuro promissor:
- Diagnóstico não Invasivo: Novas técnicas de imagem, como a microscopia óptica de coerência de campo total, prometem detectar aganglionose sem necessidade de biópsia;
- Uso de inteligência artificial: Algoritmos de machine learning mostraram precisão superior a 90% na detecção de células ganglionares, agilizando o diagnóstico e reduzindo o erro humano;
- Terapias celulares: Estão sendo testados transplantes de células-tronco neurais entéricas obtidas do próprio intestino, pele ou polpa dentária, com capacidade de regenerar neurônios entéricos e glia;
- Potencial epigenético: Estudos mostram que fatores epigenéticos, além dos genéticos, influenciam a gravidade e a manifestação da doença. Modulações epigenéticas podem vir a ser alvo terapêutico. Vale lembrar que a mutação no gene RET é a mais importante nessa condição.
- Transdiferenciação glial: Pesquisas apontam que células gliais entéricas podem ser induzidas a se transformarem em neurônios, oferecendo uma estratégia regenerativa local sem necessidade de transplantes.
Conclusão
Embora avanços significativos tenham sido feitos no entendimento, diagnóstico e tratamento da doença de Hirschsprung, o impacto a longo prazo sobre a qualidade de vida dos pacientes ainda é insatisfatório. Muitos pacientes ainda sofrem com a má qualidade de vida devido à manutenção de dismotilidade e uso frequente de medicações para tratamento da constipação.
As futuras estratégias devem focar na otimização de métodos diagnósticos minimamente invasivos, no uso da inteligência artificial para aumentar a precisão diagnóstica, na correlação genótipo-fenótipo para prever desfechos e no desenvolvimento de terapias regenerativas com células-tronco, apesar de serem consideradas de alto custo e pouco disponíveis. Tais abordagens inovadoras poderão transformar o paradigma atual de manejo da DH, possivelmente minimizando a necessidade de cirurgias extensivas e melhorando os resultados funcionais a longo prazo, reduzindo o uso de medicações e melhorando a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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