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Pediatria18 maio 2025

ESPGHAN 2025: Tratamentos farmacológicos nos distúrbios funcionais abdominais

Foram exploradas as opções farmacológicas atualmente disponíveis, seus mecanismos, limitações e implicações práticas.
Por Jôbert Neves

Crianças com distúrbios funcionais abdominais (DFAs), como a síndrome do intestino irritável (SII) e dor abdominal funcional não especificada (DAF-NE), frequentemente apresentam sintomas crônicos e incapacitantes. Essas condições afetam negativamente a qualidade de vida e geram frustração para as famílias, que muitas vezes buscam soluções farmacológicas imediatas. Embora terapias como a hipnoterapia e a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tenham evidência sólida, muitos pais e cuidadores insistem em medicamentos. Neste contexto, durante o congresso da European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN 2025), foram exploradas as opções farmacológicas atualmente disponíveis, seus mecanismos, limitações e implicações práticas. 

Síndrome da Dor Abdominal Funcional

Compreendendo os mecanismos dos sintomas

Para abordar os tratamentos de forma clara, é fundamental explicar aos pais os mecanismos fisiopatológicos de maneira compreensível: 

  • Hipervigilância central: o cérebro responde de forma exagerada aos sinais vindos do intestino.
  • Hipersensibilidade visceral: estímulos comuns (como gases ou distensão) são interpretados como dor intensa pelo sistema nervoso.

Esses mecanismos resultam nos principais sintomas relatados: dor abdominal e urgência/insistência sintomática. 

Tratamentos farmacológicos com evidência positiva

Apesar da escassez de estudos em pediatria, três medicamentos receberam recomendações positivas condicionais nas diretrizes mais recentes: 

Domperidona 

  • Mecanismo: agonista dopaminérgico periférico, promove esvaziamento gástrico e peristaltismo.
  • Evidência: dois estudos com melhora modesta em “sucesso do tratamento”; impacto na dor menos claro.
  • Conclusão: sugestão condicional de uso, sem dados robustos de segurança.

Ciproeptadina 

  • Mecanismo: anti-histamínico com ação serotoninérgica fraca e propriedades anticolinérgicas.
  • Evidência: único estudo pequeno, com eficácia significativa; conhecido por causar sedação e ganho de peso.
  • Conclusão: recomendação positiva condicional, com base limitada, mas promissora.

Óleo de hortelã-pimenta (cápsulas com revestimento entérico) 

  • Mecanismo: relaxante da musculatura lisa, reduz hipersensibilidade visceral e inflamação local.
  • Evidência: dois estudos pediátricos mostraram eficácia modesta; segurança considerada boa.
  • Conclusão: recomendação positiva condicional, especialmente em adolescentes.

Tratamentos não recomendados ou sem evidência 

  • Antiespasmódicos comuns (ex: escopolamina, diciclomina): ausência total de estudos pediátricos.
  • Mebeverina: estudo recente com grande número de pacientes mostrou ausência de diferença em relação ao placebo na população pediátrica, diferente dos dados em adultos.
  • Conclusão: recomendação negativa para mebeverina na pediatria

O papel do efeito placebo e da comunicação clínica 

Um dos achados mais relevantes é a magnitude do efeito placebo em crianças com DFAs, estimado em cerca de 41%. Destaques: 

  • Placebo com rótulo aberto funciona melhor do que não tratar.
  • Frases positivas e expectativas realistas aumentam a chance de sucesso terapêutico. 

Isso mostra que a forma como comunicamos é tão importante quanto o tratamento em si. 

Conclusão 

As terapias farmacológicas para DFAs pediátricos ainda carecem de evidência robusta. As recomendações atuais são condicionais e limitadas a poucos fármacos. Estratégias como educação adequada, manejo de expectativas e comunicação empática são ferramentas clínicas fundamentais. O efeito placebo reforça o papel da relação médico-paciente no cuidado dessas crianças. 

Mensagens práticas 

  • Explique os mecanismos de forma acessível: cérebro mais sensível, intestino mais reativo.
  • Use medicamentos com cautela: apenas domperidona, ciproheptadina e óleo de hortelã-pimenta possuem recomendação condicional.
  • Evite antiespasmódicos sem evidência: como escopolamina, diciclomina e mebeverina.
  • Valorize o poder da expectativa: uma comunicação positiva pode aumentar o sucesso do tratamento.

Autoria

Foto de Jôbert Neves

Jôbert Neves

Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa  de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).  Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).

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