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Pediatria18 maio 2025

ESPGHAN 2025: Roma V e transtornos funcionais da vesícula biliar

Os critérios Rome IV, usados na prática adulta, definem a dor biliar funcional como localizada no quadrante superior direito ou epigástrio.
Por Jôbert Neves

Nas últimas décadas, observou-se um aumento preocupante no número de colecistectomias realizadas em crianças por uma condição funcional ainda pouco compreendida: a discinesia biliar. Apesar de sua definição incerta, ela se tornou uma das principais indicações cirúrgicas em alguns centros, especialmente nos Estados Unidos (EUA). Este cenário levanta questões sobre o diagnóstico precoce, os critérios utilizados e a real eficácia da intervenção cirúrgica. 

Esse tópicos foram abordados durante o congresso da European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN 2025), com o objetivo de revisar as evidências disponíveis e apresentar os principais avanços na tentativa de padronizar o diagnóstico e manejo desses casos, com base nos novos critérios Rome V. 

A experiência em adultos e a influência dos critérios de Roma 

Os critérios Rome IV, usados na prática adulta, definem a dor biliar funcional como localizada no quadrante superior direito ou epigástrio, intensa, com duração mínima de 30 minutos, e sem relação com refeições ou sintomas típicos de dispepsia ou síndrome do intestino irritável. Quando não há alterações estruturais evidentes, essa dor é interpretada como funcional.  

Um dos exames mais utilizados é a cintilografia biliar com colecistoquinina, que avalia a fração de ejeção da vesícula, que quando abaixo de 35%, sugere-se discinesia. No entanto, mesmo com recomendações para manejo conservador inicial, muitos adultos acabam operados precocemente. Essa lógica clínica acabou sendo transposta para a pediatria, ainda que sem o devido respaldo científico, sendo esse o principal desafio que temos e que foi discutido durante a plenária. 

Realidade pediátrica: baixa evidência e alta variabilidade 

Na prática pediátrica, principalmente nos EUA, o número de colecistectomias por discinesia biliar aumentou significativamente entre 2010 e 2018. Apesar disso, os estudos disponíveis são de baixa qualidade metodológica e apresentam grande variabilidade nos critérios diagnósticos. Em muitos casos, o diagnóstico é baseado apenas na fração de ejeção reduzida na cintilografia, exame que, em crianças, carece de padronização técnica e valores de referência validados.  

Vale lembrar que, além disso, há sobreposição com outros distúrbios gastrointestinais funcionais, como a dispepsia funcional, e estudos mostram que a melhora clínica pode ocorrer mesmo sem cirurgia. A decisão pela colecistectomia, portanto, muitas vezes se sustenta mais na percepção de segurança do procedimento do que em evidências clínicas sólidas de benefício. 

A construção de novos critérios e a necessidade de mudança: O que esperar no Roma V? 

Diante desse cenário, o grupo responsável pelos critérios de Roma vem desenvolvendo uma proposta pediátrica específica, que será lançada nos critérios Rome V. Embora ainda não publicados oficialmente, os principais pontos já estão definidos:  

  • Exigência de dor no quadrante superior direito (não apenas epigástrica); 
  • Exclusão diagnóstica de outros distúrbios funcionais; 
  • Não utilização da fração de ejeção como critério diagnóstico isolado; 
  • Recomendação de tentativa de tratamento clínico (psicológico e/ou medicamentoso) antes de qualquer indicação cirúrgica. 

 A adoção desses critérios poderá padronizar a prática clínica, reduzir intervenções cirúrgicas desnecessárias e permitir o avanço de estudos prospectivos de maior qualidade. 

Conclusão 

A discinesia biliar pediátrica representa um campo em rápida expansão, porém sustentado por evidências frágeis e condutas clínicas muitas vezes inconsistentes. O aumento das colecistectomias em crianças sem critérios diagnósticos sólidos exige uma mudança urgente de abordagem. Os novos critérios Rome V representam um passo importante para padronizar o diagnóstico e priorizar o manejo clínico antes de considerar intervenções invasivas. 

 Reconhecer que nem toda dor abdominal funcional requer cirurgia é fundamental para evitar tratamentos excessivos e oferecer um cuidado mais seguro, ético e baseado em evidências. Afinal, como bem foi dito durante a sessão: “não se trata uma dor de cabeça com uma cirurgia, por que deveríamos fazer isso com a dor abdominal funcional?” 

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