O número de diagnósticos concomitantes de transtorno do espectro autista (TEA) e doença inflamatória intestinal (DII) tem aumentado, trazendo à tona uma série de desafios clínicos, diagnósticos e terapêuticos. Apesar da escassez de literatura científica sobre essa associação, a prática clínica já aponta para a necessidade de estratégias específicas no manejo desses pacientes. Durante o Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2025) foram explorados os aspectos fundamentais dessa interação, com base na experiência de especialistas das áreas de gastropediatria e psiquiatria infantil, trazendo uma abordagem prática e centrada no paciente e sua família.
DII em pacientes com TEA: O que sabemos até agora?
Estudos recentes sugerem que a associação entre transtorno do espectro autista (TEA) e doença inflamatória intestinal (DII) pode ser mais frequente do que se imaginava, com uma estimativa de risco até 1,6 vezes maior em comparação à população pediátrica geral. Tanto a doença de Crohn quanto a retocolite ulcerativa têm sido identificadas nesse grupo, sem diferenças relevantes quanto à idade ou sexo. Além disso, alguns trabalhos apontam para formas mais extensas de retocolite ulcerativa e maior uso de terapias imunossupressoras ou biológicas, o que pode refletir tanto a gravidade da doença quanto estratégias para facilitar a adesão ao tratamento, como a preferência por medicações subcutâneas em vez de infusões intravenosas.
Do ponto de vista clínico, o reconhecimento dos sintomas em pacientes com TEA é desafiador, especialmente em relação à dor abdominal, que muitas vezes não é verbalizada de forma direta. Alterações comportamentais como agitação, retraimento ou irritabilidade podem ser as únicas manifestações de desconforto, tornando os índices clínicos tradicionais menos eficazes na avaliação da atividade inflamatória. Essa particularidade exige uma abordagem individualizada, com atenção especial à comunicação não verbal e ao envolvimento dos cuidadores no processo diagnóstico e terapêutico.
Veja também: ESPGHAN 2025: Abordagem das reações paradoxais aos biológicos na DII
Diagnóstico e exames físicos:
- Avaliar necessidades e limites individuais com apoio dos cuidadores;
- Evitar contato físico direto quando possível, respeitando sensibilidades;
- Explicações simples e previsíveis reduzem ansiedade e aumentam a colaboração;
- Preparação prévia com materiais visuais ou apoio de terapeutas pode ser útil.
Nutrição:
- Alta frequência de seletividade alimentar e distúrbios de alimentação;
- Dietas terapêuticas (como dieta exclusiva) são viáveis, mas devem ser acompanhadas por nutricionista;
- Necessário evitar dietas restritivas sem base científica, comuns em algumas famílias.
Estratégias terapêuticas e adesão ao tratamento
Farmacoterapia:
- Não há uma via preferencial universal (oral, subcutânea, intravenosa): deve ser individualizado;
- Hipersensibilidade oral pode dificultar ingestão de comprimidos;
- Administração subcutânea em casa pode ser estressante; hospitalar pode ser mais aceita;
- O diálogo com os pais e/ou cuidadores é fundamental para definir estratégias viáveis;
Intervenções com microbiota:
- Transplante de microbiota fecal é promissor tanto na DII quanto em sintomas do TEA, mas ainda carece de evidência robusta;
- Cresce o interesse em probióticos, prebióticos e intervenções dietéticas para modular microbiota em TEA, mais evidências são necessárias.
Transição para o cuidado adulto:
- A transição representa um desafio duplo (pela DII e pelo TEA).
- Apenas 14% dos pacientes com TEA recebem programas adequados de transição.
- É necessário planejar desde a adolescência, considerando comorbidades e autonomia limitada.
- Guias específicos auxiliam na adaptação dos programas de transição para essa população.
Conclusão e Mensagens-chave
- O cuidado de pacientes com TEA e DII exige um olhar individualizado, empático e multidisciplinar.
- A antecipação, comunicação adaptada e envolvimento dos cuidadores são pilares da abordagem bem-sucedida.
- Intervenções nutricionais devem ser cuidadosamente planejadas, com suporte profissional.
- A escolha do tratamento deve considerar sensibilidades sensoriais e rotinas familiares.
- O uso de tecnologias não invasivas e atenção especial à transição são fundamentais.
- É essencial considerar a sobrecarga emocional das famílias, com apoio psicológico sempre que necessário.
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