A alimentação complementar é essencial não apenas do ponto de vista nutricional, mas também para o desenvolvimento motor, social e comportamental da criança. A forma como essa alimentação é introduzida faz diferença. O método conhecido como baby-led weaning (BLW) promove a autonomia do bebê para escolher o que e quanto comer, participando das refeições da família desde o início.
Esse conceito surgiu no Reino Unido no início dos anos 2000 e, desde então, evoluiu para uma versão modificada conhecida como BLISS (Baby-Led Introduction to Solids), desenvolvida com o objetivo de mitigar riscos nutricionais e de engasgo. Com sua crescente popularidade nas redes sociais e entre os pais, é essencial que os profissionais da saúde conheçam essa abordagem e estejam preparados para orientar com base em evidências. As evidências mais atuais foram discutidas e apresentadas no congresso da European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN 2025).
Na base PubMed, vemos que o interesse pelo BLW aumentou significativamente nos últimos anos. No entanto, é importante destacar um ponto-chave: existem apenas três ensaios clínicos randomizados publicados sobre esse método até o momento.
Princípios do Baby-Led Weaning (BLW)
- Iniciado após os 6 meses, em bebês saudáveis e sem comorbidades;
- A criança participa das refeições da família, comendo os mesmos alimentos;
- Dispensa o uso de papinhas e colher (menos de 10% da alimentação deve ser em forma de purê);
- A alimentação é dirigida pelo bebê: ele decide o que e quanto comer;
- A criança deve estar sentada de forma ereta e sempre supervisionada;
- Alimentos pequenos, duros e arredondados devem ser evitados por risco de engasgo;
- O leite materno continua sendo oferecido sob demanda;
Principais preocupações com o BLW
Risco nutricional:
- Déficits de ferro, zinco e vitamina C
- Ingestão excessiva de gorduras saturadas, sal e açúcar
- Dificuldade em garantir a adequação nutricional
Risco de engasgo:
- Cerca de 1 em cada 3 bebês pode apresentar ao menos um episódio de engasgo
- Pode haver confusão entre engasgos reais e o reflexo de vômito (gag reflex)
Variedade e estrutura das refeições:
- O bebê pode preferir sempre os mesmos alimentos, dificultando a diversidade
- Pode haver dificuldade em estabelecer uma rotina alimentar diária
O que é o BLISS?
O BLISS, desenvolvido na Nova Zelândia, busca tornar o BLW mais seguro e nutricionalmente adequado.
Modificações principais:
- Inclusão de alimentos ricos em ferro em todas as refeições
- Orientações específicas aos pais sobre alimentos com risco de engasgo
- Apoio adicional com materiais educativos e acompanhamento clínico
Os estudos mostram que o BLISS:
- Reduz o risco de deficiências nutricionais
- Apresenta menor risco de engasgo comparado ao BLW original
- Mostra resultados similares à alimentação tradicional quanto ao crescimento e à regulação do apetite
Comparação entre BLW, BLISS e alimentação tradicional
Em relação ao crescimento, os estudos são contraditórios: algumas pesquisas indicam menor IMC nas crianças em BLW, enquanto outras mostram valores semelhantes à alimentação tradicional.
No que diz respeito à regulação do apetite, ainda há poucas evidências sólidas. Embora o BLW promova que a criança escute seus sinais internos de fome e saciedade, os dados são limitados. Quanto ao risco nutricional, o BLW original apresenta mais deficiências, principalmente de ferro e zinco. O BLISS, por sua vez, consegue mitigar esse risco com uma estrutura mais orientada.
Sobre o risco de engasgo, o BLW levanta preocupações, mas o BLISS demonstrou uma melhora nesse aspecto, sem diferença significativa em comparação à abordagem tradicional. Por fim, a integração às refeições familiares é maior no BLW e BLISS do que na alimentação tradicional, o que pode favorecer aspectos sociais da alimentação.
Considerações científicas e sociais
- Falta de evidência robusta: com apenas três estudos randomizados, muitos dos benefícios alegados ainda não foram confirmados
- Viés socioeconômico: a maioria das famílias envolvidas nos estudos tem alto nível educacional e renda, o que pode influenciar positivamente os resultados
As sociedades pediátricas da Europa e América do Norte adotam uma postura cautelosa quanto ao BLW, destacando os riscos nutricionais e de segurança. Em contraste, Austrália e Nova Zelândia são mais favoráveis à versão modificada (BLISS).
Conclusão
O BLW reflete o desejo crescente de muitos pais por uma alimentação mais natural, autônoma e integrada à rotina da família. Contudo, os dados disponíveis ainda são limitados e inconclusivos, principalmente quanto aos efeitos de longo prazo. Diante disso, recomenda-se uma abordagem personalizada, equilibrada e adaptada ao contexto de cada família. A versão modificada (BLISS) parece ser uma alternativa mais segura e nutricionalmente adequada.
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