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Pediatria18 maio 2025

ESPGHAN 2025: Como usar diretrizes clínicas na prática?  

O palestrante apresentou os princípios por trás da nova diretriz conjunta ESPGHAN/NASPGHAN sobre o uso de probióticos para dor abdominal funcional em crianças.
Por Jôbert Neves

Nos últimos 30 anos, as diretrizes clínicas passaram de quase inexistentes a ferramentas centrais na tomada de decisão em saúde. Entretanto, com essa popularização surgiram novos desafios: diretrizes baseadas em evidências fracas, conflitos de interesse, metodologias opacas e dificuldade de aplicação prática.

Durante a palestra do Dr. Morris no congresso da European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN 2025), ele apresentou os princípios por trás da nova diretriz conjunta ESPGHAN/NASPGHAN sobre o uso de probióticos para dor abdominal funcional em crianças. Ele não apenas explorou o conteúdo da diretriz, mas destaca uma mudança fundamental na metodologia de desenvolvimento, defendendo maior transparência, rigor e aplicabilidade. 

A evolução das diretrizes clínicas

As diretrizes são fundamentais, mas não infalíveis. Vários problemas podem comprometer sua utilidade: 

  • Falta de evidência robusta: muitas áreas clínicas ainda carecem de ensaios controlados bem conduzidos. 
  • Atualização lenta: diretrizes podem levar anos para refletir novos achados.
  • Recursos limitados: desenvolver diretrizes exige equipe, tempo e financiamento. 
  • Conflitos de interesse: decisões podem ser influenciadas por vieses pessoais ou institucionais. 
  • Fragilidade metodológica: há risco de metodologias pobres serem adotadas como solução para evidências fracas. 

A nova abordagem: Diretriz ESPGHAN/NASPGHAN como modelo

A diretriz conjunta propôs uma série de inovações metodológicas com foco em qualidade, transparência e aplicabilidade: 

  • Colaboração internacional: A parceria entre sociedades europeias e norte-americanas trouxe robustez e diversidade.
  • Pré-publicação dos métodos: aumenta a confiabilidade e permite escrutínio externo.
  • Síntese primária própria: ao invés de confiar em revisões publicadas, a força-tarefa realizou novas meta-análises e revisões sistemáticas.
  • Uso rigoroso da metodologia GRADE: da avaliação da evidência à formulação das recomendações, com padronização da linguagem (“forte”, “condicional”, etc.).

Os cinco pilares das recomendações baseadas em grade 

Metanálise 

Mais do que observar a linha do efeito ou o “diamante” do forest plot, é preciso compreender: 

  • Quantos estudos apontam efeito real?
  • Há consistência entre os resultados?
  • Qual o desfecho clínico analisado (frequência ou intensidade da dor, por exemplo)?

Avaliação do risco de viés 

Cada estudo incluído é avaliado de forma individualizada, com base na ferramenta Cochrane. A abordagem inclui: 

  • Contato direto com autores para obter dados adicionais.
  • Contextualização: por exemplo, em intervenções psicológicas onde o cegamento é inviável, o julgamento deve ser proporcional.
  • Avaliação do impacto do viés: em meta-análises com poucos estudos, um único estudo com alto risco pode distorcer o resultado global.

Classificação da certeza da evidência

A classificação (alta, moderada, baixa, muito baixa) não é uma escala linear. Cada mudança de nível exige um conjunto de critérios: 

  • Imprecisão: intervalos de confiança amplos?
  • Inconsistência: os estudos contam a mesma história?
  • Magnitude do efeito: o resultado é clinicamente relevante? 

Magnitude do efeito 

Uma redução de 0,6 episódios de dor por semana é clinicamente significativa? Depende. A força-tarefa estabeleceu limiares prévios de relevância clínica, permitindo julgamentos mais objetivos e reprodutíveis. 

Formulação da recomendação

Com base na evidência, mas também em fatores contextuais, como: 

  • Disponibilidade da intervenção.
  • Aceitabilidade pelo paciente.
  • Custo e viabilidade.

GRADE se diferencia de sistemas anteriores, como a pirâmide de Oxford, ao reconhecer que nem toda revisão sistemática é superior a um bom ensaio clínico individual. 

Conclusão 

A diretriz conjunta ESPGHAN/NASPGHAN representa não apenas um avanço no conteúdo clínico, mas uma mudança de paradigma na forma de produzir diretrizes. O foco desloca-se do consenso de especialistas para um processo metodológico robusto e transparente, que valoriza a evidência, reconhece suas limitações e propõe recomendações que podem ser compreendidas, aplicadas e discutidas com os pacientes. 

Mensagens práticas 

  • GRADE não é uma escala de opinião, mas um sistema estruturado de julgamento baseado em evidência;
  • A qualidade do processo de síntese é tão importante quanto a qualidade dos estudos incluídos;
  • Recomendações devem ser contextualizadas e não se basear unicamente em estatísticas;
  • Transparência e documentação clara fortalecem a confiabilidade da diretriz;
  • A decisão final deve considerar evidência, viabilidade e preferência do paciente, que é o verdadeiro centro do cuidado.

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