A incontinência fecal na infância é uma condição frequente, mas frequentemente negligenciada, com impacto significativo na autoestima, vida social e escolar da criança. A dificuldade de diagnóstico, a variedade de causas e a abordagem terapêutica muitas vezes inconsistente tornam essencial uma visão prática e estruturada do tema. Durante o Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2025), foi discutida a abordagem, de forma prática, dos pacientes com esta condição.
Entendendo o problema: Conceito, prevalência e classificação
A incontinência fecal pode ser definida como a perda involuntária de fezes em locais inadequados após a idade esperada de controle esfincteriano. Ela pode ser classificada em funcional (com ou sem retenção fecal) e orgânica (relacionada a malformações, lesões neurológicas, cirurgias, entre outros).
- Mais de 80% dos casos são funcionais, com grande parte associada à constipação crônica e impactação fecal;
- Menos de 5% têm causa orgânica claramente definida;
- Muitos pacientes e famílias não procuram ajuda médica devido ao estigma e à normalização do problema, especialmente em adolescentes.
A linguagem usada é fundamental: o termo “encoprese” deve ser evitado por sua conotação psiquiátrica. A terminologia mais adequada e adotada pelos critérios de Roma IV é “incontinência fecal funcional”.
Avaliação clínica e diagnóstica: O que procurar e quando investigar?
O primeiro passo é identificar se há retenção fecal. Para isso, deve-se avaliar a história clínica, exame físico e, se necessário, uso de exames complementares como marcadores radiopacos ou radiografia simples.
- Com retenção fecal: indica constipação funcional com escape fecal. O manejo segue o protocolo de desimpactação, manutenção com laxativos e reeducação evacuativa.
- Sem retenção fecal: exige investigação mais ampla, incluindo fatores emocionais, comportamentais e possíveis causas orgânicas ocultas.
Exames funcionais como manometria anorretal 3D, ultrassonografia endoanal e EndoFLIP podem revelar alterações mesmo quando os exames convencionais são normais, sugerindo uma possível subvalorização de disfunções esfincterianas.
Estratégias de tratamento para incontinência fecal: Do manejo convencional às intervenções avançadas
O tratamento deve ser individualizado, baseado na causa e gravidade:
- Casos funcionais com retenção: abordagem padrão com laxantes, modificação do comportamento, reforço positivo e suporte familiar.
- Casos funcionais sem retenção: intervenções baseadas em terapia cognitivo-comportamental, fisioterapia do assoalho pélvico e, se necessário, psicoterapia.
- A Farmacoterapia tem eficácia limitada nos casos sem constipação.
Para casos refratários:
- Irrigação anorretal (baixa ou alta);
- Estimulação elétrica ou neuromodulação sacral (apesar do baixo nível de evidência, pode ser considerada como terapia complementar);
- Programas de manejo intestinal (especialmente em causas orgânicas complexas).
Nos casos orgânicos, a conduta deve ser orientada por exames específicos, com foco em tratamento cirúrgico individualizado, avaliação da integridade esfincteriana e acompanhamento multiprofissional.
Conclusão
A incontinência fecal em crianças exige mais do que um tratamento clínico: demanda sensibilidade, escuta ativa e abordagem integrada. Com uma avaliação correta e abordagem prática, é possível reverter quadros complexos, restaurar a dignidade da criança e promover autonomia. O manejo bem-sucedido depende de reconhecer a condição, aplicar algoritmos clínicos claros e oferecer suporte contínuo para a criança e sua família.
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