A infância representa um período crítico para a formação da saúde ao longo da vida. Durante essa fase, ocorre a colonização inicial do microbioma intestinal, um processo dinâmico que acontece em paralelo com o desenvolvimento do sistema imunológico, a maturação metabólica e o neurodesenvolvimento. Alterações nesse processo inicial têm sido associadas a um maior risco de doenças crônicas não transmissíveis. Por isso, cresce o interesse científico em compreender e, sobretudo, modular o microbioma nos primeiros mil dias de vida como estratégia para promoção da saúde futura. Esses tópicos foram discutidos com profundidade durante o Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2025). Na plenária, diversos fatores que influenciam a composição e a função do microbioma infantil foram abordados, incluindo:
- Tipo de parto (parto vaginal versus cesárea)
- Práticas de amamentação
- Uso precoce de antibióticos
- Exposição a xenobióticos
- Prematuridade e localização geográfica
Foram apresentados estudos observacionais que mostram que a presença de Bifidobacterium em abundância é considerada um marcador de um microbioma saudável nos primeiros meses de vida. O leite materno, além do valor nutricional, contém compostos bioativos como os oligossacarídeos do leite humano (HMOs), que alimentam seletivamente espécies benéficas do microbioma, como as bifidobactérias.
Apesar dos avanços no mapeamento da microbiota por tecnologias como a metagenômica de shotgun, a maioria dos dados ainda é descritiva. O grande desafio atual é entender os mecanismos de ação das bactérias e como elas interagem com o hospedeiro. Para isso, é fundamental integrar diferentes metodologias:
- Modelos in vitro e ex vivo: como os organoides intestinais e sistemas de “gut-on-a-chip“, que simulam o ambiente intestinal e permitem testar interações entre microrganismos e células epiteliais.
- Modelos in vivo: em especial, os modelos animais como camundongos germ-free, tratados com antibióticos ou convencionalizados. Esses modelos possibilitam controlar variáveis como dieta, genética e ambiente, além de testar hipóteses que seriam inviáveis em humanos (ex.: impacto da microbiota na placenta ou no crescimento fetal).
Em nossos estudos, combinamos dados humanos com modelos pré-clínicos. Por exemplo:
- Identificamos que níveis mais altos de betaína no leite materno estavam associados a maior presença de Akkermansia no intestino infantil e melhor escore peso-comprimento;
- Em modelo de ratos, dietas maternas ricas em fibras e proteínas vegetais foram associadas à proteção dos filhotes contra infecção por rotavírus;
- Também transferimos microbiota de gestantes ou recém-nascidos prematuros para modelos animais, observando fenótipos distintos de acordo com a origem microbiana.
Esses achados reforçam a importância de combinar dados clínicos com experimentação controlada para elucidar funções do microbioma e apoiar intervenções futuras.
Veja também: Microbioma intestinal infantil em foco
Conclusão
Modular o microbioma infantil é uma estratégia promissora para melhorar os desfechos de saúde a curto e longo prazo. No entanto, persistem desafios importantes:
- Quando intervir: antes da concepção, durante a gestação, na lactação ou diretamente no bebê?
- Como intervir: por meio de dieta, probióticos, prebióticos, bioterapias ou outros compostos?
- Quais os efeitos a longo prazo?
- Como padronizar protocolos e validar evidências em diferentes populações?
- E, especialmente, como lidar com os aspectos éticos e regulatórios?
Essas questões precisam ser respondidas com base em evidências robustas e abordagens translacionais, combinando observações clínicas com testes experimentais.
Mensagens práticas
- A primeira infância é uma janela de oportunidade para moldar a saúde futura por meio da modulação do microbioma;
- Fatores como tipo de parto, aleitamento materno e uso de antibióticos impactam diretamente a composição microbiana;
- A presença de Bifidobacterium e a utilização dos HMOs do leite materno são marcadores-chave de um microbioma saudável;
- Modelos pré-clínicos (in vitro e in vivo) são essenciais para entender os mecanismos de ação das bactérias no hospedeiro.
- A tradução da ciência para a prática exige integração entre dados observacionais, mecanismos moleculares e validação clínica.
Confira os principais destaques do ESPGHAN 2025!
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