Em todo o mundo, as doenças raras afetam de 263 a 446 milhões de pessoas. A maioria dessas condições é genética, acometendo a faixa etária pediátrica. Aliás, cerca de 45% dos neonatos internados em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) apresentam sinais dessas condições, mas menos de 10% são submetidos a testes genéticos. A superioridade dos testes genômicos para confirmar o diagnóstico genético nesse contexto é comprovada. As ferramentas mais sensíveis consistem no sequenciamento do exoma e do genoma, sendo que as diretrizes atuais recomendam a realização precoce dos testes no início das manifestações clínicas, com tempo de resposta rápido variando de três a dez dias para otimizar os resultados. Alguns estudos mostram que esses testes melhoram o manejo clínico, reduzem custos e encurtam o tempo de internação hospitalar. Infelizmente, poucos pacientes de UTIN estão atualmente sendo submetidos a estes testes genômicos. Diante disso, para lidar com essa questão, o Riley Hospital for Children (Indianápolis, EUA) implementou diretrizes e algoritmos para testes genômicos em UTIN e conduziu um estudo de coorte para avaliar as frequências e os resultados do diagnóstico genético. O estudo foi publicado no periódico Pediatrics.
Metodologia
Em 1º de maio de 2022, o Riley Hospital for Children implementou uma diretriz de avaliação genética em suas UTIN de níveis terciário e quaternário e em sua Unidade de Terapia Intensiva Neonatal Cardiovascular (UTINC). Com essa diretriz, os critérios fenotípicos padrão identificaram pacientes com possíveis distúrbios genéticos e, a partir de julho de 2022, o sequenciamento rápido do genoma (rGS) com um prazo de cinco dias substituiu as estratégias de teste anteriores.
Para comparar os desfechos pré (novembro de 2021 a abril de 2022) e pós-implementação (maio de 2022 a maio de 2023), foi conduzido um estudo de coorte retrospectivo e prospectivo. Os pacientes eram elegíveis se tivessem sido internados em uma dessas UTIN do Riley durante o período do estudo. Foram excluídos pacientes que estavam apenas em observação.
Os critérios fenotípicos padrão e seus exemplos usados para identificar pacientes na UTIN com possível distúrbio genético foram:
- Anomalias congênitas, traços dismórficos e/ou hidropisia fetal: cardiopatia congênita, anomalias cerebrais, fenda palatina;
- Anomalias metabólicas inexplicadas:hiperamonemia, acidose inexplicada e/ou alterações eletrolíticas;
- Disfunção cardíaca: cardiomiopatia, insuficiência cardíaca, válvulas cardíacas anormais;
- Sintomas respiratórios inexplicados: insuficiência respiratória, necessidade de oxigênio ou pressão positiva em RN a termo sem infecção;
- Sintomas neurológicos inexplicáveis: hipotonia, hipertonia, convulsões, artrogripose, massa muscular anormal;
- Achados hematológicos inexplicados: sangramento, coagulação sem linha central, anemia inexplicada, trombocitopenia;
- Evidência de neoplasia: tumor sólido ou neoplasia hematológica;
- Evidência de disfunção imune: infecções não explicadas por prematuridade ou corpos estranhos, infecções incomuns;
- Anomalias e/ou disfunções gastrointestinais: colestase, fezes anormais, insuficiência hepática, hepatite, insuficiência pancreática;
- Anomalias e/ou disfunções geniturinárias: função renal anormal, quantidade ou qualidade urinária anormal;
- Anomalias ósseas ou articulares: fraturas inexplicadas, ossos hipoplásicos ou ausentes, estrutura óssea anormal;
- Achados cutâneos anormais (não relacionados a condições benignas): pigmentação anormal, bolhas inexplicadas, anomalias nas unhas;
- Disfunção endócrina (não relacionada a hipotireoidismo isolado): hiperinsulinemia, disfunção hipofisária, disfunção adrenal;
- Evidência de inflamação sistêmica (com ou sem envolvimento articular): febres inexplicáveis, sinais de inflamação sem infecção, edema articular;
- Atraso no desenvolvimento ou constituição: dificuldades alimentares inexplicadas a termo, falha em crescer, ausência de respostas.
A diretriz aplica o seguinte algoritmo:
- O RN atende aos critérios para avaliação genética na admissão?
- Não ➝ Continuar monitorando. Se, no futuro, o RN atender aos critérios, reavaliar seguindo o algoritmo;
- Sim ➝ Consultar a equipe de genética.
2. O RN será avaliado pela equipe de genética em até 24 horas.
3. A causa do quadro clínico pode ser totalmente explicada por uma origem não genética?
- Sim ➝ Nenhum teste genético é necessário;
- Não ➝ Continuar no algoritmo.
4. O quadro clínico sugere um distúrbio genético específico?
- Sim ➝ Obter consentimento da família para realizar testes genéticos direcionados (para aquele diagnóstico específico);
- Não ➝ Obter consentimento da família para realizar um teste genético abrangente (genoma rápido).
5. Após o teste genético rápido, é necessário fazer exames adicionais para completar o diagnóstico diferencial?
- Sim ➝ Obter consentimento da família para testes adicionais;
- Não ➝ Encerrar a investigação genética naquele momento.
Os desfechos primários incluíram a proporção de pacientes qualificados para serviços genéticos, consultas médicas de genética, taxas de testes e diagnósticos confirmados. Os resultados secundários avaliaram as taxas hospitalares e o tempo de internação, estratificados pelo uso de serviços genéticos e status do diagnóstico.
Resultados
A coorte consistiu de 2169 pacientes divididos da seguinte forma: pré-diretriz: 692 (31,9%); pós-diretriz: 1477 (68,1%). A frequência de qualificação para serviços genéticos entre categorias raciais e de peso ao nascer (PC) diferiu: 643 (44,3%) brancos vs 155 (32,3%) negros, P < 0,001; e 584 (49,1%) recém-nascidos (RN) com o peso ao nascer (PN) normal vs 78 (23,2%) com RN com PN muito e extremamente baixo, P < 0,001. Quando essas diferenças foram ajustadas, todas as populações apresentaram aumentos em consultas genéticas, 177 (25,6%) vs 461 (31,2%), P = 0,007; conclusão de testes genômicos, 62 (9,0%) vs 363 (24,6%), P < 0,001; e diagnósticos genéticos confirmados, 57 (8,2%) vs 172 (11,6%), P = 0,02.
É interessante destacar que, no primeiro ano, a adesão às diretrizes chegou a 67%, com consultas genéticas iniciadas em 69% das admissões por “possível condição genética”, variando por unidade (50,5% UTIN terciária, 65,5% UTIN quaternária e 93,4% UTINC; P < 0,001). A maior parte dos pacientes da UTINC com cardiopatia congênita já recebia serviços genéticos antes da implementação da diretriz. De 52 pacientes com testes não diagnósticos, 25 se qualificaram para o sequenciamento do exoma/sequenciamento do genoma sob o novo algoritmo. Os RN que foram submetidos a testes genômicos apresentaram reduções na duração da admissão, 46 vs 24 dias, P = 0,008; e redução de despesas hospitalares, US$ 561.536,00 vs US$ 354.627,00, P = 0,03; independentemente dos resultados.
Durante o estudo, a mortalidade aumentou (4,5% para 7%; P = 0,02), particularmente entre aqueles que atendiam aos critérios de serviço genético (5,6% para 10,6%; P = 0,02) e aqueles com diagnósticos genéticos confirmados (3,5% para 18,6%; P = 0,006). A maioria dos óbitos (71,9%) resultou de decisões parentais por cuidados de conforto, sem oportunidades perdidas de intervenções que salvam vidas identificadas.
Conclusão
O estudo mostrou que, de fato, distúrbios genéticos na UTIN são um problema relevante nesta população. Quando o teste genômico é o padrão de tratamento, observam-se diferentes fenótipos e identificam-se distintos diagnósticos genéticos. A implementação da diretriz melhorou o uso equitativo de serviços genômicos baseados em evidências, o que foi associado ao aumento da detecção de distúrbios genéticos. Os pesquisadores ressaltam que este estudo é o primeiro a demonstrar, em uma população de UTIN de um hospital infantil, que o uso de sequenciamento rápido do genoma para 1 em cada 4 pacientes está associado à redução de internações e custos hospitalares, independentemente dos resultados, diagnóstico ou não diagnóstico, o que é importante para famílias, profissionais de saúde e instituições, bem como para os planos de saúde. Por fim, descrevem que, para fornecer cuidados genômicos de precisão em UTIN, o que foi aprendido em ensaios clínicos de sequenciamento rápido do genoma deve ser traduzido para cenários clínicos reais.
Comentários
Gostei muito do estudo, pois analisou RN na UTIN que podem apresentar distúrbios genéticos. Inclusive, muitos neonatos apresentam, na prática, sinais de uma condição genética, mas poucos são testados. Para melhorar isso, o Riley Hospital for Children criou um diretriz para ajudar os neonatologistas a identificar quais RN devem consultar um especialista em genética e fazer testes genéticos avançados. Após a implementação desse sistema, mais RN foram testados, mais diagnósticos foram feitos e as internações e os custos hospitalares diminuíram para aqueles que foram submetidos a esses testes. Dessa forma, a indicação precoce de exames genéticos rápidos pode ajudar os pediatras a tomar decisões de tratamento mais rápidas e melhores para neonatos hospitalizados.
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